Jessé Souza, identitarismo e falência da esquerda. Por Francisco Fernandes Ladeira.

Jessé Souza (reprodução)

Por Francisco Fernandes Ladeira.

Nos longínquos anos 80, quando eu estava na primeira série do que hoje chamamos ensino fundamental, nossa turma, recém-alfabetizada, teve como primeira leitura uma adaptação do livro “A roupa nova do imperador”, de Hans Christian Andersen.
Na obra, dois supostos tecelões alegavam ter feito uma roupa nova para o imperador, visível apenas para os indivíduos inteligentes. Não se tratava de vestimenta alguma. Porém, os habitantes do reino, com receio de se passarem por estúpidos, afirmavam visualizar a tal roupa. Por sua vez, uma criança, com toda sinceridade habitual a esta faixa etária, disse em meio a multidão: “o imperador está nu”.

Algo similar ao descrito acima tem ocorrido em nosso cenário político atual. O identitarismo – ideologia criada pelo imperialismo estadunidense para desmobilizar a luta dos trabalhadores – tem sido um dos principais fatores para as sucessivas derrotas eleitorais da esquerda e ascenção da extrema-direita, mas parte da esquerda – não por receio de parecer ignorante, mas por pura covardia – insiste em fingir que não ocorre essa realidade.
Eis que, no último domingo (13/10), em entrevista para o jornal O Globo, o sociólogo Jessé Souza denunciou o Cavalo de Troia que o identitarismo representa para esquerda. Ao contrário da história de Andersen, não se trata de sinceridade infantil, mas de honestidade e coragem intelectual. Diga-se de passagem, já há um bom tempo Jessé vem adotando essa linha crítica (e necessária).
A partir do resultado da última eleição municipal paulistana – com o sucesso eleitoral de Pablo Marçal em regiões periféricas e a dificuldade de Guilherme Boulos em mobilizar o eleitorado de Lula – Jessé afirmou que o candidato do PSOL pagou o preço da “esquerda legal”, que discute gênero e raça e deixou pobres na direita.
Segundo o sociólogo, o identitarismo ecoa na classe média e na elite, mas não no pobre, maioria dos eleitores (consequentemente, quem decide uma eleição). Assim, o campo progressista terá que lutar para reconquistar o eleitor pobre, que se sente valorizado (mesmo que de uma forma hipócrita, distorcida e oportunista) pelo bolsonarismo; por meio de pastores neopentecostais e coches picaretas (como o anteriormente mencionado Marçal).
Evidentemente, eleição é um processo complexo, envolve múltiplos fatores. No entanto, os exemplos recentes nos têm mostrado que, quando as pautas morais (agenda dos costumes) predominam numa campanha, há forte tendência a favorecer a extrema-direita. Em contrapartida, quando a esquerda deixa de lado o identitarismo, e foca em questões que realmente importam para a classe trabalhadora – como emprego, renda, transporte e saúde -, a possibilidade de êxito é bem maior.
O primeiro turno das últimas eleições municipais nos mostraram que a pauta identitária pode eleger um ou outro vereador, mas não chega ao poder de fato: o executivo. O PSOL, partido orgânico do identitarismo, não elegeu um prefeito sequer.
Basta conversarmos com as pessoas nas ruas para constatarmos o repúdio do povo ao identitarismo – que, como todo ideologia elitista, se dirige às massas de maneira arrogante e ditando regras. O cidadão comum – ocupado com as obrigações diárias pela sobrevivência – quer mudanças concretas, não medidas simbólicas e inócuas, como as alterações linguísticas, conforme apregoam os identitários.
Em suma, o recado das urnas é claro: ou a esquerda se livra do identitarismo, ou o povão vai se livrar da esquerda.

Francisco Fernandes Ladeira é Doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Licenciado em Geografia pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac). Especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre em Geografia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).

A opinião do/a/s autor/a/s não representa necessariamente a opinião de Desacato.info.

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