Por Rafael Nakamura.
Desde o início de agosto a comunidade da aldeia Pyahu Guarani – no município de Santa Helena, Oeste do Paraná – passou a conviver com a ameaça de uma reintegração de posse. Na aldeia vivem atualmente cerca de 30 indígenas, boa parte crianças. A área, reocupada pela comunidade Guarani desde o início do ano, é disputada judicialmente pela Itaipu Binacional que conseguiu uma liminar de reintegração de posse na Justiça Federal em Foz do Iguaçu.
“Não tenho para onde ir com as famílias que estão aqui comigo”, diz Fernando Lopes, cacique do Tekoha Pyahu Guarani. Segundo informações da Assessoria Jurídica da comunidade, o mandado de reintegração já está nas mãos do oficial de justiça em Santa Helena e pode ser cumprido a qualquer momento, deixando os indígenas desabrigados.
“Por favor, vocês que têm poder tenham piedade do povo Guarani. Nossas crianças sofrem demais sem moradia, sem Tekoha”, diz uma carta assinada pelo cacique Fernando Lopes.
Ao mesmo tempo, em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF), a Justiça federal determinou que a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) conclua em definitivo, no prazo máximo de dois anos, os procedimentos de demarcação da Terra Indígena Guarani no município de Santa Helena, além da ampliação da Terra Indígena do Ocoy, reserva comprada pela Itaipu em Foz do Iguaçu.
Além do Tekoha Pyahu, que está em uma área de preservação próxima ao Reservatório da Itaipu, atualmente existem outras quatro aldeias no município de Santa Helena. Outras duas aldeias Guarani estão no município vizinho, em Itaipulândia. Do total de sete aldeias, cinco estão ameaçadas por processos de reintegração de posse movidos pela Itaipu.
A maioria das famílias veio das reservas indígenas compradas pela Itaipu Binacional e pela FUNAI. A compra dos terrenos foi feita após o alagamento de parte do território tradicional Guarani, quando as famílias foram removidas para a construção da Usina Hidrelétrica (UHE). Em nota, veiculada pelo H2Foz,a Itaipu Binacional afirma que as áreas que constituem as reservas indígenas atendiam à demanda das comunidades envolvidas no processo de desapropriação das áreas delimitadas para a formação do reservatório de Itaipu, de Foz do Iguaçu até Guaíra.
O laudo pericial-antropológico, elaborado por Maria Lucia Brant de Carvalho e divulgado pela Comissão Estadual da Verdade do Paraná, indica que a inundação provocada pelos reservatórios da Itaipu provocou o desaparecimento de 32 aldeias Guarani entre os anos 1940 e 1980 na região Oeste do Paraná. Também nos municípios vizinhos, de Guaíra e Terra Roxa, as memórias das aldeias antigas são vivas até hoje nas comunidades Guarani, conforme reportagem de Isabel Harari e Stefano Wrobleski para a Agência Pública.
Para as comunidades indígenas, as reservas compradas não levaram em consideração o modo de vida Guarani. Em alguns casos não são apropriadas para o plantio, em outras não possuem áreas de caça e coleta. Além disso, são muito pequenas para uma população com dinâmicas próprias de mobilidade e de crescimento populacional.
O relatório da Comissão Estadual da Verdade aponta essas e diversas outras violações de Direitos Humanos contra os Avá-Guarani no Oeste de Paraná por ocasião da construção da Itaipu, na época da Ditadura Civil-Militar, tais como esbulho territorial, remoção forçada, agressões físicas e queimas de casas.
Na falta de uma solução por parte da Itaipu Binacional e na longa espera por um processo de demarcação de uma Terra Indígena na região, as comunidades Guarani passaram a retomar partes de seu território tradicionalmente ocupado.
“Desde que rio Paraná cresceu, a Itaipu não indenizou o indígena e o povo Guarani está sofrendo até agora”, afirma outro trecho da carta da comunidade, assinada pelo cacique Fernando.
Para as comunidades Guarani, as novas aldeias nos municípios de Santa Helena e Itaipulândia estão nos poucos espaços que restaram das áreas antigas de ocupação. Buscam na mata e no lago lugares para viver de acordo com seus costumes e tirar desses lugares seu sustento.
“Estamos aqui porque aqui é o melhor lugar. Existe mato, pesca e remédios naturais. Nós muitas vezes dependemos destes remédios”, comenta o cacique na carta.
Violência contra os indígenas
No município de Santa Helena, as comunidades Guarani passaram a enfrentar hostilidades a partir do momento que decidiram retomar partes de seu território tradicional. No caso do Tekoha Pyahu, o cacique Fernando Lopes já havia relatado ao MPF e à FUNAI ameaças sofridas pela comunidade. No final de abril deste ano, dois indígenas foram ameaçados quando saíram para pescar próximo à aldeia. “Se vocês não saírem, qualquer dia vai morrer um índio ou qualquer criança aqui”, disse o autor das ameaças na ocasião.
Em relatório da Comissão Guarani Yvyrupa, organização indígena do povo Guarani no Sul e Sudeste, em parceria com o Centro de Trabalho Indigenista – CTI, diversas violações de direitos humanos contra os Avá Guarani do Oeste do Paraná foram denunciados. O relatório fez um levantamento dos casos ocorridos nos município de Guaíra e Terra Roxa, próximos a Santa Helena, onde as comunidades indígenas sofrem formas de discriminação parecidas.
As comunidades das retomadas de terras Guarani também enfrentam um processo de criminalização de sua forma de vida tradicional. Também em Santa Helena, cinco indígenas foram presos por retirar uma taquara, espécie de bambu nativo, em uma ilha formada pelo lago da UHE Itaipu.