O ex-secretário de Estado e Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Henry Kissinger, morto recentemente aos 100 anos, disse numa entrevista sobre a derrota dos EUA no Vietnã, no ano de 1969, que, enquanto os americanos lutavam uma guerra militar, os vietnamitas lutaram uma guerra política. O criminoso de guerra repetia sempre que, “enquanto o exército estadunidense buscava o desgaste físico do inimigo, os adversários visaram a nossa exaustão psicológica”. E concluiu afirmando que os EUA perderam de vista uma das máximas fundamentais da guerra de guerrilha: O guerrilheiro ganha se não perder. O exército convencional perde se não ganhar.
Após mais de 70 dias de confrontos entre a resistência palestina e as forças armadas israelenses, esse ponto de vista de alguém com experiência em tantas guerras de ocupação e rapina, se encaixam perfeitamente na realidade dos combates na Faixa de Gaza e na derrota das forças de ocupação.
O primeiro-ministro sionista e criminoso de guerra, Benjamin Netanyahu, declarou que Israel usaria toda sua força militar e logo destruiria o Hamas. A guerra genocida de Israel contra o povo palestino na Faixa de Gaza, utilizando todos os tipos de armas, munições e bombas internacionalmente proibidas, bombardeando indiscriminadamente escolas e hospitais protegidos pelo Direito Humanitário Internacional, Israel não conseguiu nem será capaz de alcançar nenhum dos seus objetivos agressivos, principalmente o de aniquilar a resistência palestina.
Tudo isto e muito mais acontece com o apoio dos EUA, do Reino Unido e de alguns países europeus, diante dos olhos e da incapacidade da comunidade internacional e da ONU, que não movem nenhum esforço para impedir esta agressão, devido a intransigência e arrogância dos EUA no uso descarado do poder de veto no Conselho de Segurança da ONU.
A resistência palestina continua de pé, atingindo duramente e infligindo perdas significativas ao inimigo sionista, seja nos veículos e tropas israelenses. As Brigadas Al-Qasam (Hamas) e as Brigadas Al-Quds (Jihad Islâmica) são forças bem treinadas para atuarem nas condições de Gaza, um tipo de terreno que o apoio aéreo e a artilharia israelenses perdem a sua eficácia, porque não são capazes de atacar sem ao mesmo tempo pôr em perigo os seus próprios soldados.
Quando Kissinger se referia aos enfrentamentos no Vietnã, repetia a frase que mencionei acima: enquanto EUA lutavam uma guerra militar, os vietnamitas lutavam uma guerra política. No caso dos combatentes de Gaza, além de lutar uma guerra política, há um forte componente islâmico que muitos ocidentais não sabem que existe ou não levam em consideração: o martírio.
O martírio é um dos conceitos importantes do Islã, e diz respeito não apenas ao sacrifício e à entrega da própria vida em benefício do coletivo, da Ummah (Nação) islâmica. Segundo o Islã, são mártires (Shahid, em árabe) aquelas pessoas que sofrem perseguição e que morrem no campo de batalha, enfrentando o inimigo por uma causa justa e legítima. No caso de Gaza, os que morre para salvar seus irmãos do massacre israelense e libertar a Palestina da ocupação israelense.
Nesse contexto, o mártir é, antes de tudo, um Mujahideen ou fida’yyin, um guerrilheiro da resistência palestina, um combatente muçulmano disposto ao sacrifício da própria vida por uma causa baseada na justiça e na luta contra a opressão. No Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, está dito: “E não creais que aqueles que sucumbiram pela causa de Allah [Deus] estejam mortos; ao contrário, vivem, agraciados, ao lado do seu Senhor.” (Alcorão 3:169)
Ao longo de séculos, o povo palestino deu milhares de mártires à sua causa de libertação, em enfrentamentos que remontam às batalhas contra cruzados, romanos, persas, otomanos, britânicos e, nos últimos 75 anos, contra os judeus sionistas vindos da Europa para implantar um projeto colonial de supremacia judaica na Palestina.
O líder histórico da Organização para Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, morto por envenenamento por Polônio-210 em 11 de novembro de 2004, em Paris, se dizia um soldado palestino disposto ao martírio, que usaria sua arma para defender não apenas ele mesmo, mas também todas as crianças, as mulheres e os homens palestinos. Arafat questionava sempre seus companheiros: “Há alguém na Palestina que não sonhe com o martírio?”.
Outros mártires são reverenciados pelos palestinos, como o Sheikh Ahmad Yassin, um dos fundadores do Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), martirizado num ataque seletivo do Mossad em Gaza, no dia 22 de março de 2004, quando um helicóptero disparou um míssil que o atingiu enquanto se deslocava em sua cadeira de rodas pelas ruas da cidade, vitimando também mais nove mártires palestinos.
Os feitos da Resistência Palestina desde 07 de outubro vêm surpreendendo Israel e o mundo pelos avanços tecnológicos militares das forças da Resistência. Mas acima de tudo e mais importante, seus combatentes mostram elevado espírito de coragem e de disposição ao martírio, o que lhes permite manter a sua vantagem como combatentes jihadistas nesta guerra, enquanto os soldados sionistas além do medo, são moralmente incapazes de vivenciar um conflito a distância zero contra os combatentes palestinos.
Israel já perdeu a batalha na opinião pública mundial, através do evidente crescimento da impopularidade do Estado sionista em todo o planeta. As constantes baixas de Israel em todos os terremos e a sinalização da diplomacia sionista por nova trégua, demonstram que o Hamas não é um inimigo derrotado, mas um adversário resiliente, que dita os termos nas negociações com aqueles que juraram sua destruição.
A única conquista que Israel pode ostentar são os crimes de guerra, o genocídio, o assassinato em massa de crianças e mulheres, a destruição de infraestruturas e a eliminação de todos os aspectos da vida na Faixa de Gaza. Enquanto isso, o povo palestino exibe as mais maravilhosas imagens de paciência, resiliência, patriotismo, apego à pátria e apoio incondicional à sua resistência.
A Palestina será vitoriosa porque, segundo Kissinger, “O guerrilheiro ganha se não perder, e o exército convencional perde se não ganhar”.
Sayid Marcos Tenório é historiador, especialista em Relações Internacionais e vice-presidente do Instituto Brasil-Palestina (Ibraspal). Autor do livro Palestina: do mito da terra prometida à terra da resistência (Anita Garibaldi/Ibraspal). Twitter/X: @soupalestina
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