Islamofobia: ódio e racismo contra muçulmanos. Por Sayid Marcos Tenório

Imagem: Funci

Por Sayid Marcos Tenório. 

A religião e a crença do ser humano não deveriam constituir barreiras para a convivência fraterna e respeitosa entre as pessoas, de modo que a convivência democrática e cidadã entre membros de religiões distintas deveriam existir no mundo civilizado. A lógica deveria ser a de que todos devem ser respeitados e tratados de maneira igual perante a lei, independentemente do seu pertencimento religioso.

Por isso, a Assembleia Geral da ONU aprovou por unanimidade em 15 de março de 2022, uma Resolução proclamando o dia 15 de março como o Dia Internacional de Combate à Islamofobia, aprovada pela unanimidade dos 193 dos Estados membros e co-patrocinada por 55 países majoritariamente muçulmanos. Uma Resolução que enfatiza o direito à liberdade de religião e crença, e lembra uma resolução emitida em 1981 pedindo “a eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação por razões de religião ou crença”.

Em um Estado democrático, absolutamente todos os seus cidadãos, apesar de língua, origem étnica, pertencimento religioso ou costumes, devem ter o mesmo direito, se presumindo que qualquer pessoa tem a opção de escolher e praticar sua fé religiosa e nela se manter sem ser hostilizada ou assediada por essa escolha. O Estado Laico deve ser neutro, não prejudicando nem favorecendo de qualquer fé, tampouco permitindo que de exerçam estratégias de preconceito, o que tolhe a liberdade de expressão e depõe contra esse mesmo Estado.

Todavia, na prática não é o que tem acontecido em países como o Brasil, um país cuja Constituição evidencia a laicidade do Estado e o direito de crença e prática religiosa. Apesar disso, diariamente nos deparamos com atos e atitudes de ataques a pessoas e templos de diversas orientações religiosas, sobretudo os islâmicos. Muitos adeptos da religião passam por situações de discriminação desde um simples olhar desconfiado a agressões físicas.

É bom que se diga que, apesar do que acontece em nosso país, esse fenômeno nefasto não é uma ocorrência apenas brasileira. Mas algo que existe pelo mundo afora como na Comunidade Europeia, como uma nova forma de racismo que inclui o discurso de ódio e discriminações direcionados principalmente às meninas e mulheres muçulmanas por suas roupas, proibições discriminatórias de viagens, trabalho e do livre direito de ir e vir sem serem agredidas e violentadas.

Esse exercício de ódio em relação aos praticantes da fé islâmica atende pelo nome de islamofobia, que pode ser compreendida enquanto conceito de que todos os muçulmanos, independentemente de seus históricos pessoais, são uma ameaça (o que justifica o uso do sufixo fobia em islamofobia) a ponto de justificar que violências simbólicas ou físicas sejam deflagradas ou que sejam tratados com naturalidade os discurso que visam, em última instância, destruir os muçulmanos destituindo-os da possibilidade de professar a fé que escolheram em um Estado Laico.

A islamofobia é um crime de discurso de ódio, embora não seja interpretada como tal, pois a generalização coloca os muçulmanos apenas como os que prejudicam nunca como os prejudicados. Como qualquer crime, quem o comete deve ser punido. São criminosos que se utilizam dos ambientes midiáticos e as redes sociais para propagar, mesmo que indiretamente, o preconceito contra os muçulmanos.

O discurso de ódio contra muçulmanos ou de difamação contra os umbandistas e candomblecistas, por exemplo, levam aqueles que proferem tais discursos a tomarem postura semelhante à que condenam: a da intolerância e da defesa da violência contra concidadãos. Em uma sociedade plural é fundamental a boa convivência entre as pessoas com pensamentos diferentes dos seus, sejam elas judias, católicas, evangélicas, umbandistas/candomblecista, muçulmanas e demais profissões de fé.

Nos discursos islamofóbicos, os muçulmanos sofrem desde a calúnia, a difamação e a injúria até a incitação ao cometimento de crimes contra eles. Esse aspecto nefasto se acentua quando o muçulmano pertence à escola Xiita, associando-se conceitos e estereótipos pejorativos para a marginalização dos xiitas, como “radical” e “extremista”, conceitos que se estendem para o ambiente político e são utilizados para atacar adversários no seio dos partidos de esquerda.

Discordar da religião do outro é uma possibilidade da liberdade de expressão; difamar, caluniar, injuriar e agredir fisicamente não é um modo de liberdade de expressão. Preconizar a violência contra os muçulmanos é, além de uma violação dos direitos humanos, uma afronta ao Estado Laico, garantidor da liberdade de exercício das profissões de fé, conforme previsto na Constituição.

A defesa da liberdade de crença se faz necessária em associação à liberdade de expressão, sendo que nos espaços públicos e privados os discursos não possam propor a violência simbólica ou física contra qualquer outrem. A oposição ideológica ou intelectual não pode configurar na expressão do desejo de extermínio ou de violência física de nenhum cidadão. Isso atentaria contra a liberdade de expressão do outro, dado que negaria ao outro a existência de sua identidade e singularidade religiosa.

Ao contrário do que acreditam os que apontam o dedo para nós muçulmanos e nos manda “voltar para o seu país”, a presença de muçulmanos no Brasil não é um fenômeno recente. Mas remonta ao achamento do Brasil por Pedro Álvares Cabral em 1500. Navegadores mouros andaluzes estiveram em nosso continente antes das “descobertas” de espanhóis e portugueses, em missões envolvendo geógrafos e cartógrafos para identificar os territórios que pertenciam a Portugal e a Coroa de Castela, definidas pelo Tratado de Tordesilhas, assinado em 7 de junho de 1494.

Porém, o maior contingente de muçulmanos que chegou ao Brasil foi de negros trazidos da África para serem escravizados e a primeira leva aportou no ano de 1517, vindos de uma África onde o Islã já havia se expandido por pelo menos dois terços do continente. Muçulmanos que em 1835 realizaram uma das mais memoráveis páginas de heroísmo e martírio pelo fim da escravatura no Brasil, conhecida como a Revolta dos Malês.

Outro fluxo se deu com a chegada das primeiras levas de imigrantes vindos do Oriente Médio no final do século XIX e início do século XX, oriundos principalmente da região da Palestina, Síria e Líbano, que se encontrava sob o jugo do Império Otomano.

Ao observar esse contexto social e político advindo da interferência dessa presença islâmica no Brasil, e apesar dos valores oferecidos pelos muçulmanos à formação política, cultural e da religiosidade do povo brasileiro, considero que o Brasil ainda precisa aprender a demonstrar verdadeiramente o respeito à diversidade religiosa e à pluralidade, seja nos espaços institucionais, seja nos espaços públicos.

Muçulmanos no Brasil compõem hoje um contingente de mais de um milhão de pessoas, formado por brasileiros e por pessoas vindas de várias regiões de mundo para viver em nosso país, por considerar que temos uma sociedade plural, que respeita e convive com a diversidade cultural, racial e religiosa.

Os muçulmanos que vivem no Brasil não querem se sobrepor às religiões existentes, não querem implantar tribunais próprios concorrentes aos existentes. Os muçulmanos anseiam aquilo que qualquer cidadão merece: respeito. Querem mostrar que o Brasil, sendo um país tão diversificado, deve acolher todo e qualquer tipo de diferença e repudiam quaisquer atos de intolerância religiosa. É um pressuposto islâmico que todos os muçulmanos exerçam de maneira plena a cidadania onde quer que estejam, exigindo seus direitos e cumprindo com suas obrigações.

Sayid Marcos Tenório é historiador, autor do livro Palestina: do mito da terra prometida à terra da resistência e Imalês – Fragmentos da presença de muçulmanos nas revoltas contra a escravidão no Brasil. Twitter/Instagram: @sayidtenorio

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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