Investigador denuncia perseguição na polícia após se manifestar contra Bolsonaro

‘O que mais dói é ter sido chamado de traidor. É o contrário. Queremos repensar o sistema para ter uma polícia melhor’, diz Alexandre Félix, que integra o Movimento Policiais Antifascismo

Alexandre Félix segura plaquinha do #EleNão, movimento contra Bolsonaro | Foto: arquivo pessoal

Por Jeniffer Mendonça.

O investigador da Polícia Civil de São Paulo Alexandre Félix Campos afirma que tem sofrido perseguições por conta da sua atuação no movimento Policiais Antifascismo. O policial foi surpreendido por volta das 13h da segunda-feira passada (3/12) com um ofício emitido pela delegacia que trabalha para comparecer à corregedoria no mesmo dia, às 15h, sem ser informado do que se tratava. “Para um policial ser convocado, precisa existir uma acusação formal. Quando cheguei na corregedoria, descobri que não havia apuração instaurada. Queriam saber quem organizou o movimento Policiais Antifascismo, se eu tinha participado da organização do ato #EleNão [contra o presidente eleito Jair Bolsonaro] em São Paulo”, afirma.

O ofício foi expedido no dia 29 de novembro. Porém, Alexandre estava de férias do dia 1 a 30 do mês passado e recebeu o documento quando retornou ao trabalho na própria segunda-feira. As férias, segundo ele, que estavam previstas para serem tiradas em dezembro foram antecipadas após a publicação de uma entrevista que deu à Carta Capital, antes do segundo turno das eleições de 2018, em que apontava que a repressão policial poderia aumentar com a possibilidade de vitória do militar da reserva.

De acordo com o investigador, cerca de 12 delegados passaram a questioná-lo sobre declarações, entrevistas que ele deu a veículos de imprensa e publicações em redes sociais. “Eles compilaram todo esse material num relatório de inteligência. Chegaram a apontar uma foto do Orlando Zaccone [delegado de polícia do RJ, membro do movimento] na Marcha da Maconha questionando como eu me associava a uma pessoa dessa, que eu estava fazendo apologia às drogas porque o movimento defende a descriminalização”, relata.

Uma alteração de 2002 da Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo prevê que havendo uma infração ou crime cometido por policial, a corregedoria é notificada e é instaurada uma apuração preliminar de caráter investigativo “quando a infração não estiver suficientemente caracterizada ou definida a autoria”. Em até 30 dias, a corregedoria deve compilar elementos que demonstrem a irregularidade, ouvindo denunciantes, o policial suspeito, para então definir se será aberta uma sindicância (para apurar infrações de natureza leve, em que as penas vão de advertência, multa, suspensão) ou um processo administrativo (investigação para infrações de natureza grave, que podem levar à demissão).

Para Alexandre, o ofício foi de caráter “intimidatório” e não respeitou o rito processual. “Havendo uma apuração preliminar instaurada, eu teria que ter sido intimado com antecedência, ter conhecimento dessa apuração, constituir um advogado para ter acesso aos autos e ter um tempo hábil para a minha defesa se organizar. Nada disso foi respeitado”.

O investigador denuncia, ainda, que após essa reunião, não foram permitidas cópias do ofício convocatório e do termo de declaração que deu à corregedoria. “Eles afirmaram que vão abrir um processo administrativo pedindo minha demissão porque a minha atuação estaria ferindo e manchando os princípios da instituição”, aponta.

“O que mais dói disso tudo é ter sido chamado de traidor, sendo que não só a minha atuação, mas a do movimento em si, é justamente o contrário. É repensar o sistema de polícia, mostrar as condições de trabalho do policial para que essa estrutura melhore”, desabafa. “Se essa represália está acontecendo comigo, é porque a atuação do movimento está funcionando e incomodando as pessoas que estão lá e que corroboram esse sistema que está falido”.

O direito à liberdade de expressão e de manifestação é um dos motes do movimento Policiais Antifascismo, já que, por lei, os servidores públicos são proibidos de criticar as instituições em que trabalham. No entanto, para a desembargadora do TJ-SP Ivana David, “usar o termo ‘perseguição’ não é compatível porque todos os servidores que se manifestaram contra ou a favor do Bolsonaro estão tendo que prestar esclarecimentos”. Ivana cita como exemplo o caso do desembargador Ivan Sartori, que utilizou uma estampa na sua foto em rede social com o slogan da campanha do presidente eleito, apesar do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) proibir que magistrados declarem posicionamento político. “Para mudar esse cenário, só pressionando para que a lei seja mudada porque até aí não há irregularidade”, garante.

Em agosto, a Ponte mostrou que o corregedor da Polícia Militar paulista, Coronel Marcelino Fernandes, fez publicações em redes sociais em apoio ao presidente eleito durante a campanha. Apesar da PM ser submetida a outro regimento, o corregedor afirmou na época que “uma coisa é o apoio, outro a manifestação da ordem durante a campanha”, em que “ter uma manifestação política durante o serviço é uma transgressão disciplinar média, punível com advertência”.

“Cerceamento de expressão”

Declarações públicas e entrevista dada à imprensa também serviram de mote para uma denúncia anônima que foi encaminhada à Corregedoria Geral da União e depois encaminhada à Polícia Rodoviária Federal contra o policial rodoviário federal de Goiás Fabricio Silva Rosa, que foi candidato ao senado nas eleições de 2018.

Fabricio Rosa | Foto: arquivo pessoal

Em agosto, e já licenciado do cargo, Fabrício foi convocado para prestar esclarecimentos sobre uma denúncia anônima que afirmava que ele teria “agido com falta de lealdade ao órgão PRF e com falta de moralidade administrativa”. O documento se baseava numa matéria intitulada “PSOL lança pré-candidatura de policial assumidamente gay ao governo de Goiás“, quando ainda estava sendo definido para qual cargo Fabricio concorreria; e uma declaração que ele deu durante palestra do Policiais Antifascismo no Forúm Social Mundial, em março na cidade de Salvador (BA), sobre como as “guerras às drogas” é danosa à instituição policial, já que ele também integra a LEAP Brasil, grupo de agentes da lei e da segurança pública que é favor da legalização das drogas.

“Mesmo licenciado, eu compareci à essa audiência, que foi super constrangedora, em que me questionaram se eu era alvo de homofobia dentro da instituição e eu disse que sim porque existe homofobia na sociedade e isso não é deslocado da PRF”, conta Fabrício. “Isso deixou a corregedoria com raiva porque eu estava sendo crítico à instituição”.

Fabrício é policial há 19 anos, tendo iniciado a carreira na Polícia Militar, corporação que acabou deixando cinco anos depois, sendo hoje oficial da reserva. “Para mim, a liberdade de expressão é um valor muito caro e, com a estrutura militar da PM, você não tem esse direito. Na PRF eu me encontrei porque é uma estrutura diferente que me permite atuar em diversos projetos voltados à cidadania e aos direitos humanos”, explica. “Eu já fui corregedor e o que é mais dolorido é terem me convocado sem ter cometido infração alguma, baseada em declarações públicas, o que mostra esse cerceamento de liberdade de expressão e que, por eu ser assumidamente gay e ter visibilidade com a minha militância, eu estaria manchando a instituição. Se a gente não critica a estrutura, como a gente vai melhorar enquanto sociedade, enquanto policial?”, questiona.

De acordo com o policial, o procedimento foi paralisado durante o processo eleitoral e seria retomado após o pleito. No entanto, até o momento não teve respostas. Ao Dia Online, na época, Eduardo Zampieri, do departamento de Assuntos Internos da Corregedoria da Polícia Rodoviária Federal, havia declarado que “No procedimento administrativo ainda não há a aceitação de denúncia. É apenas uma análise, um pré-procedimento”.

Perguntado sobre o retorno do período da licença, Fabrício respira fundo durante a ligação e declara: “está sendo bem pior do que eu imaginei”. “Pessoas que antes me cumprimentavam, não me cumprimentam mais e isso está totalmente ligado à minha atuação. Na equipe de um dos projetos na PRF que eu tenho orgulho de ter criado, que se chama Policiais Contra o Câncer Infantil, em que vamos nos hospitais, fazemos doações e raspamos a cabeça em solidariedade às crianças, já não me deixaram participar representando a instituição”, exemplifica.

“A gente sente que há uma pressão dentro das corporações que já existia antes, mas que está pior agora, que é te colocar de escanteio. Nas operações que realizamos contra o tráfico de pessoas, contra a violência sexual infantil, eu começava a perceber que várias vezes colegas não queriam dividir o mesmo quarto que eu ou até mesmo integrar a mesma equipe”, prossegue.

Outro lado

Ponte entrou em contato com as assessorias de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, sobre o caso do investigador Alexandre Felix, e da Polícia Rodoviária Federal sobre o procedimento administrativo contra Fabrício.

Por telefone, a In Press, assessoria terceirizada da SSP-SP, informou que não havia conhecimento nem informação de que o investigador compareceu à Corregedoria da Polícia Civil, apesar da reportagem informar sobre o documento. Nesta terça-feira (11/12) a SSP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) enviou uma nota na mesma linha. “Não há na Corregedoria até o momento, qualquer procedimento instaurado contra o agente citado em relação a sua posição política. Não houve convocação na data mencionada”.

Já a assessoria da PRF de Goiás não respondeu até a publicação.

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