Investigação mostra ligação de Eduardo Bolsonaro com argentino que espalhou fake news sobre eleição no Brasil

Um consórcio de jornalistas latino-americanos vem revelando os trâmites dos serviços de desinformação, na série batizada de “Mercenários Digitais”. Uma das descobertas relativas ao Brasil foi a contratação pela campanha do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL) de um funcionário de um consultor argentino que espalhou fake news sobre as urnas brasileiras.

Manifestações terroristas em Brasília. Foto: Reprodução

A série de reportagens fala sobre “operadores políticos marqueteiros que têm cada vez mais utilizado as fake news e a desinformação como um instrumento para impulsionar certos candidatos e para prejudicar outros candidatos”, conta à RFI Natália Viana, diretora da Agência Pública, que faz parte do consórcio de mais de 20 veículos latino-americanos.

O CLIP (Centro Latino-Americano de Investigação Periódica) lançou a iniciativa há cerca de seis meses. Do Brasil participa também o UOL. A Agência Pública vem investigando o fenômeno há cerca de dois anos.

Esses empresários da mentira “utilizam ferramentas e estratégias de desinformação – essas estratégias de desinformação estão muito mais evoluídas no Brasil por conta do governo do Jair Bolsonaro, que teve seus filhos como alguns dos principais elos da desinformação aqui no Brasil”, acrescenta Viana.

“O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) contratou um funcionário do consultor político Fernando Cerimedo para sua campanha de reeleição à Câmara dos Deputados, segundo a prestação de contas à Justiça Eleitoral”, explica o site da Agência Pública.

A investigação esmiúça a influência de Cerimedo na indústria de fake news em campanhas da extrema-direita no continente.

Giovanni Larosa, correspondente no Brasil do site de Cerimedo, o La Derecha Diario, pelo menos desde 2021, acompanhou Eduardo quando este esteve em Buenos Aires no dia 12 de outubro de 2022, em meio ao disputado segundo turno das eleições presidenciais, em viagem “patrocinada” por Cerimedo, segundo La Derecha Diario.

De acordo com prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Larosa recebeu R$ 3.900 por seus serviços. Segundo documentos obtidos pela Agência Pública por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), a ida do deputado para a Argentina contou com apoio institucional do Itamaraty e da Câmara dos Deputados. “Mas o parlamentar nunca informou publicamente o caráter oficial da viagem nem quem foi encontrar no país vizinho”, observa a Agência Pública.

“Eduardo escondeu que foi ao país vizinho em missão oficial, mas, em vez de exercer funções parlamentares, usou seu tempo para fazer campanha para o pai, o que, na avaliação de advogados ouvidos pela reportagem, pode configurar abuso de poder político”, acrescenta a reportagem.

Campanha pelo pai

Quando esteve na Argentina, às vésperas do segundo turno das eleições no Brasil, Eduardo Bolsonaro se encontrou com lideranças locais da extrema-direita, deu entrevistas e gravou vídeos para a campanha do pai. Em Buenos Aires, ele entrevista pessoas na rua que reclamam da inflação e falam a favor da reeleição de Jair. Por trás, o objetivo era passar a ideia aos eleitores indecisos de que, se Lula ganhasse, o Brasil mergulharia numa crise econômica como a da Argentina. Todos os passos de Eduardo foram divulgados pelo canal de Cerimedo. Todas as postagens do parlamentar brasileiro tinham hashtags para Giovanni Larosa e La Derecha Diario.

“Os perfis do La Derecha Diario Brasil no Twitter, Instagram e Telegram foram suspensos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por disseminar mentiras sobre a segurança das eleições brasileiras”, relata a Pública.

No mês seguinte, Cerimedo fez uma live pelo canal do YouTube do La Derecha Diario repleta de informações falsas sobre supostas falhas do sistema eleitoral brasileiro, justamente após a derrota de Bolsonaro pai, alimentando o extremismo que levou à invasão do Planalto em 8 de janeiro por bolsonaristas. “No vídeo, de mais de uma hora, ele explica uma suposta irregularidade das urnas, levantando dúvidas. Ele mostra gráficos e dados”, disse à RFI Maria Teresa Ronderos, diretora do CLIP.

O vídeo de Cerimedo foi desmentido pelo TSE e por agências de checagem. O argentino concedeu entrevista de duas horas aos jornalistas do consórcio por vídeo e negou ter sido contratado para fazer a live.

Tentáculos

O site da Pública traz um perfil de Fernando Cerimedo, levantado pelo conjunto de veículos. Além do La Derecha Diario, Cerimedo diz possuir outros 35 pequenos meios digitais.

A investigação apurou que o consultor político usou estratégias semelhantes na Argentina e no Chile.

No Chile, Cerimedo atuou contra a proposta de nova constrição pelo governo de Gabriel Boric. Na Argentina, espalhou informações falsas sobre o atentado ocorrido em 1.º de setembro do ano passado contra a vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner.

O consórcio também apurou que Giovanni Larosa estava na equipe de Cerimedo que trabalhou na campanha da argentina Patricia Bullrich, presidente do partido de direita Proposta Republicana. A mesma equipe hoje colabora com Javier Milei, candidato da ultradireita à presidência argentina e aliado da família Bolsonaro.

Mentira como arma política

“A desinformação é uma arma política utilizada por vários atores”, explica Natália Viana. “Você tem desde grupos de esquerda até grupos de direita”, acrescenta. Isso está acontecendo como um fenômeno político que já avançou muito nos Estados Unidos, no Brasil e que agora está chegando e se expandindo em outros países da América Latina. Isso é muito preocupante, porque é o tipo de atuação que ainda não é criminalizada. Quer dizer, não existe punição para esse tipo de ação, que é o que a gente está vendo nos Estados Unidos, no Brasil.”.

A Agência Pública e o Uol publicam novas revelações de “Mercenários Digitais” na próxima semana.

 

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