Intersecções entre turismo e lixo na orla de Porto Seguro

Foto: Elissandro dos Santos Santana.

Por Elissandro dos Santos Santana e Denys Henrique R. Câmara.

No segundo semestre de 2014, durante a elaboração de anteprojeto de pesquisa para a seleção de mestrado em Saúde, sociedade e ambiente, ao aprofundar leituras em torno do fenômeno “Os déficits socioambientais oriundos de práticas insustentáveis no turismo de Porto Seguro”, concomitante às leituras bibliográficas acerca do tema de pesquisa, comecei pesquisa in loco, com vistas a mapear áreas degradadas com relação direta com as ações do turismo. Durante a pesquisa de campo, houve a constatação de que em vários espaços do perímetro conhecido como Orla Norte, há acúmulos de resíduos sólidos e resíduos líquidos que poluem o meio ambiente e interferem na Psicologia Ambiental dos visitantes que passam por esses locais de lazer, de contemplação da natureza e de convivência.

Para a elaboração do projeto de investigação, dado a complexidade do Turismo, optou-se por uma pesquisa bibliográfica e de campo. Ressalte-se que a pesquisa ocorreria em uma perspectiva de análise dupla, qualitativa e quantitativa, partindo-se do pressuposto de que a proposta de pesquisa atingiria dimensões sociais e ambientais. Qualitativa, pois haveria a análise dos elementos que fazem parte da consciência dos atores sociais envolvidos nas atividades turísticas e/ou adjacentes a ela e comportamento não se quantifica, a não ser que existam perspectivas bem específicas. Quantitativa, pois a pesquisa alcançaria dimensões que ultrapassariam o social, chegando ao ambiental e uma das intenções seria investigar áreas degradadas para mapeamento e localização de espaços e isso passaria por quantidade, já que a meta final era saber quais são as áreas que sofrem estresse ambiental nos espaços de exploração de turismo e lazer na cidade de Porto Seguro..

Para a pesquisa in loco, pesquisa de campo, partiu-se do que afirma Gil (2002):

O estudo de campo apresenta muitas semelhanças com o levantamento. Distingue-se, porém, em diversos aspectos. De modo geral, pode-se dizer que o levantamento tem maior alcance e o estudo de campo maior profundidade. Em termos práticos, podem ser feitas duas distinções essenciais. Primeiramente, o levantamento procura ser representativo de universo definido e oferecer resultados caracterizados pela precisão estatística. Já o estudo de campo procura muito mais o aprofundamento das questões propostas do que a distribuição das características da população segundo determinadas variáveis.

Para a consecução da pesquisa, optou-se por um marco teórico multirreferencial haja vista a transdisciplinaridade do tema investigado, pois para pesquisar questões relacionadas às intersecções/inter-relações entre o turismo e o lixo, com o acúmulo de resíduos sólidos em pontos de lazer da/na cidade, há que se investigar o comportamento humano, na figura do turista e dos moradores que frequentam as zonas de praia da cidade, consumo, economia, turismo, meio ambiente e outras temáticas correlatas ligadas, diretamente, ao campo de pesquisa apresentado. Diante disso, recorri a teóricos como Gilles Lipovetsky (com a discussão em torno de “A sociedade da decepção”), Leonardo Boff (com os conceitos em torno da sustentabilidade), Edgar Morin (e sua discussão em torno da Cabeça bem-feita), Fritjof Capra, James Lovelock (e a discussão em torno de “La venganza de Gaya”) e outras referências nesse âmbito. .

Nas visitas de campo aos espaços recortados no anteprojeto de pesquisa para mapeamento inicial das áreas com acúmulo de resíduos sólidos, Orla Norte, no sentido Centro de Porto Seguro a Coroa Vermelha, distrito da cidade de Santa Cruz Cabrália, foram detectados pontos de acúmulo de resíduos sólidos e líquidos em diversos espaços.

À medida que as áreas eram mapeadas, constatou-se que, em primeira instância, era possível correlacionar o lixo deixado na orla com o comportamento sócio-histórico-político dos turistas e moradores locais.

A partir de questionários semiestruturados aplicados durante os meses de junho e julho de 2014, a um grupo amostral de 100 pessoas, verificou-se que a maioria dos visitantes que frequentava os espaços mapeados é de moradores de Porto Seguro, de cidades do Extremo Sul, do Sul e Sudoeste baiano e de cidades mineiras que fazem fronteira com a Bahia, conforme os dados abaixo, do período coletado:

  • 59% – Pessoas oriundas de cidades do Extremo Sul, Sul e Sudeste do Estado da Bahia;
  • 23% – Pessoas que residem em Porto Seguro;
  • 10% – Pessoas de cidades mineiras que fazem fronteira com o Extremo Sul da Bahia;
  • 8% – Não informaram.

Faz-se importante destacar que as áreas mapeadas, mesmo que localizadas na Orla Norte, perímetro bastante explorado pelo turismo na cidade, não são pontos do roteiro turístico oficial. Diante desse dado, cabe destacar que nos referidos espaços não há a presença de barracas de praia, portanto, seriam pontos alternativos de lazer, sem a infraestrutura necessária.

Ocorrências de resíduos sólidos em alguns pontos mapeados: perímetro Centro-Orla Norte

Perímetro: Orla do Rio Buranhém: entre o ponto de ônibus localizado atrás do Banco do Brasil e a Praça das Pitangueiras. Presença de garrafas e copos plásticos, canudinhos plásticos e outros tipos de resíduos.

Perímetro: Orla do Rio Buranhém: entre o ponto de ônibus localizado atrás do Banco do Brasil e a Praça das Pitangueiras. Presença de garrafas e copos plásticos, canudinhos plásticos e outros tipos de resíduos.

Resíduos sólidos deixados por pessoas em situação de rua, embaixo de uma das pontes no perímetro da Orla Norte.

Resíduos sólidos deixados por pessoas em situação de rua, embaixo de uma das pontes no perímetro da Orla Norte.

Pesquisador recolhendo resíduos às margens do Rio dos Mangues.

Pesquisador recolhendo resíduos às margens do Rio dos Mangues.

Pesquisador retirando resíduos sólidos na desembocadura do Rio Sabacuzinho com a praia.

Pesquisador retirando resíduos sólidos na desembocadura do Rio Sabacuzinho com a praia.

Pesquisador recolhendo resíduos sólidos. Ponto frequentado por pessoas que estacionam o carro na rodovia e acampam no local, com vistas à diversão e banho na praia, deixando resíduos para trás, em qualquer lugar, mesmo com essa espécie de lixeira encontrada no local.

Pesquisador recolhendo resíduos sólidos. Ponto frequentado por pessoas que estacionam o carro na rodovia e acampam no local, com vistas à diversão e banho na praia, deixando resíduos para trás, em qualquer lugar, mesmo com essa espécie de lixeira encontrada no local.

Pesquisador recolhendo resíduos. Sinalização de venda de cerveja e acúmulo de resíduos na orla.

Pesquisador recolhendo resíduos. Sinalização de venda de cerveja e acúmulo de resíduos na orla.

Algumas considerações finais

Diante da constatação da presença de lixo deixado pelos turistas e/ou moradores da própria cidade de Porto Seguro nas áreas mapeadas, percebe-se que, para além da ausência de políticas como infraestrutura nesses espaços fora dos limites oficiais de exploração do turismo, há uma questão de arquitetura mental do visitante na relação com o local visitado e de ausências de políticas públicas de educação ambiental para a sociedade por parte da gestão pública e de empreendedores que exploram o turismo na cidade.

As consequências advindas dessas ações insustentáveis são muitas e, dentre elas, podem ser citadas as seguintes: os plásticos deixados nos espaços mapeados, pela proximidade com o mar, podem ser levados, pela força do vento, para a praia e, assim, serem ingeridos por peixes e outros espécimes marítimos na região, ocasionado mortandade de animais marinhos, déficits ambientais e, consequentemente, perda de biodiversidade, além de outras consequências. Outro fator importante causado pelo acúmulo dos resíduos sólidos nas áreas mapeadas é o impacto negativo que a imagem da cidade como centro turístico nacional e internacional pode sofrer, com a consequente diminuição do fluxo de turistas na região.

Por último, constata-se que no comportamento dos turistas que frequentam os espaços apresentados, há uma dissociação entre homem e meio ambiente, pois os mesmos espaços usados para o lazer também são depredados, como se não houvesse o sentimento de pertença e a noção de que a Terra é a casa comum, portanto, devendo ser preservada e respeitada. Nessa linha de raciocínio, pode-se recorrer ao que afirma Boff (2012, p. 14):

Nunca antes da história conhecida da civilização humana, corremos os riscos que atualmente ameaçam nosso futuro comum. Estes riscos não diminuem pelo fato de que muitíssimas pessoas, de todos os níveis de saber, deem de ombros a esta máxima questão. O que não podemos é, por descuido e ignorância, chegar tarde demais. Mas vale o princípio de precaução e prevenção do que a indiferença, o cinismo e a despreocupação irresponsável. Se dermos centralidade à aliança de cuidado, seguramente chegaremos a um estágio de sustentabilidade geral que nos propiciará desafogo, alegria de viver e esperança de mais história a construir rumo a um futuro mais promissor.

Para a compreensão das atitudes dos turistas que frequentam as partes mapeadas na pesquisa e uma análise da crise ecológica com a perda da religação universal, é possível recorrer ao que afirma Boff (2015): na identificação das causas devemos estar atentos a um mecanismo frequente na psicologia pessoal e coletiva: a invenção de desculpas que tem como objetivo não assumir a culpa e as responsabilidades devidas.

À guisa de conclusão, pode-se mencionar o seguinte: mesmo que as áreas mapeadas nas quais foram encontrados resíduos sólidos não ofereçam as condições de infraestrutura necessárias para um lazer sustentável, já que mesmo localizadas no perímetro explorado pelo turismo, estão fora do roteiro oficial, faz-se imprescindível uma mudança de paradigma por parte do próprio visitante, pois somente diante de uma arquitetura mental sustentável haverá mais consciência e cobrança da gestão pública para a criação de áreas alternativas de recreação, lazer e banho fora dos limites da especulação pecuniária das grandes barracas de praia na cidade.

Faz-se necessário pontuar que a culpa não é somente do visitante que procura esses espaços fora do circuito de exploração do turismo oficial. Parte do problema verificado, sem dúvidas, recai sobre a gestão pública local, pois esta, em parceria com a sociedade e com empreendedores, necessita repensar as práticas e espaços de exploração do turismo na cidade, a partir da lógica da sustentabilidade.

Referências bibliográficas

BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é, o que não é. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

______________. Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres: dignidade e direitos da Mãe Terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

 

Contato: [email protected]

1 Especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais, especialista em gestão educacional, especialista em linguística e ensino de línguas, especialista em metodologia de ensino de língua espanhola, licenciado em letras, habilitado em línguas estrangeiras modernas, espanhol e membro editorial da Revista Letrando, ISSN 2317-0735.

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2 Especialista em educação de jovens e adultos; especialista em língua portuguesa; licenciado em letras, língua materna e língua inglesa pela Universidade Federal da Bahia. Professor de inglês da Secretaria Estadual de Educação do Estado da Bahia.

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Fonte: EcoDebate

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