Por Assessoria de Comunicação do CIMI.
Povos indígenas protestam por todo o país contra o governo Bolsonaro, neste dia 19, Dia do Índio. Em Brasília, 110 indígenas realizaram um ato simbólico, mas enfático, com faixas, na Praça dos Três Poderes, logo no início da manhã, a partir das 6 horas, em que alertaram a sociedade brasileira contra as intenções do governo federal de legalizar o garimpo em Terras Indígenas com o Projeto de Lei (PL) 191/2020. Também pediram Fora Bolsonaro!.
Indígenas dos povos Xerente, Krahô, Krahô Takaywra, Xokleng, Kaingang, Terena, Guarani e Kaiowá, Kinikinau, Munduruku, Tupinambá e Arapium fizeram um grande círculo e abriram suas faixas direcionadas ao Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF). Para a ação, foi estabelecido um protocolo sanitário com distanciamento social, máscaras e álcool em gel.
Nas faixas, mensagens contra o garimpo em terras indígenas, definido pelos indígenas como invasão, rechaço ao PL 191, pedidos de apoio aos ministros do STF para que os direitos indígenas não sejam violados por um governo distintamente anti-indígena, apelo ao caráter originário do direito à terra e contra a tese marco temporal, que busca impor restrições inconstitucionais à demarcação.
A ação ocorreu de forma pacífica e simbólica, sem aglomerações ou idas aos órgãos públicos. Ainda na mesma manhã, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) estendeu um bandeirão num dos quadrantes da Esplanada dos Ministérios, pouco antes do Congresso Nacional, em que pedia “Justiça aos Povos Indígenas”, “Demarcação Já!”, “Nossa Luta é Pela Vida!” e “Fora Bolsonaro!”.
Irmão contra irmão: a estratégia do governo
Kretã Kaingang, presente no ato da Praça dos Três Poderes e destacada liderança indígena do país, lembra que estar ali, para os povos indígenas, é difícil diante da pandemia: “nós não poderíamos estar aqui, mas devido a posição do governo Bolsonaro de ataque sobre nós, povos indígenas, fez com que a gente chegasse até aqui hoje”.
O indígena Kaingang, filho de Ângelo Kretã, liderança das retomadas de seu povo na década de 1970, assassinado após emboscada, lembra que este dia 19 “o Estado brasileiro denominou como Dia do Índio para comemoração, mas usamos como dia da luta”. Kretã lembra que participaram do protesto apenas os indígenas que receberam as duas doses da vacina contra a covid-19.
Ele explica que o governo Bolsonaro vem adotando uma estratégia de dividir os povos indígenas para “colocar irmão contra irmão, um matar o outro para que o governo tenha benefício com a morte ou a criminalização dos envolvidos”. O garimpo e o arrendamento de terras, na análise de Kretã, têm sido as duas principais correias de transmissão desta estratégia em curso.
“(Bolsonaro) faz um jogo político de irmão contra irmão, de expulsões de famílias das áreas a serem exploradas (pelo garimpo e arrendamento)”
Se por um lado há impedimentos ou dificuldades constitucionais para a garimpagem de minérios em terras indígenas, como também para o arrendamento dessas terras para a cadeia do agronegócio, se são os indígenas que pedem tais cadeias exploratórias fica estabelecido um contraponto diante da imensa maioria de povos e do próprio movimento indígena que se posiciona contra tais atividades predatórias.
“(Bolsonaro) faz um jogo político de irmão contra irmão, de expulsões de famílias das áreas a serem exploradas (pelo garimpo e arrendamento). Essa política dele de jogar irmão contra irmão é para efetivar a política genocida do governo. Então aqui tá um grupo de irmãos financiado por garimpeiros para contrapor nosso grupo, contrário a esse PL de regularização de garimpo: esse câncer dentro de terras indígenas”, diz Kretã.
Indígenas patrocinados por garimpeiros
A liderança se refere a um grupo que também aportou na Praça dos Três Poderes na manhã desta segunda (19), mas para defender o garimpo e atividades minerárias dentro dos territórios e terras indígenas. Conforme foi noticiado pela imprensa, com áudios e provas documentais, estes indígenas são patrocinados por organizações de garimpeiros por sua vez ligadas a políticos regionais da base bolsonarista.
Kretã Kaingang lembra que indígenas que vivem em terras exploradas pelo garimpo vivem acossadas pela violência trazida pelos invasores e o resultado da depredação ambiental, onde os rios, peixes e terra estão contaminados por mercúrio, e outros metais pesados, adoecendo comunidades inteiras. “Regularizar mineração em Terra Indígena é regularizar garimpo”, crava.
Se o garimpo é o que mais preocupa na Amazônia, Kretã lembra que no Sul do Brasil o arrendamento de terras é um mal que tem levado indígenas contrários à prática à perseguição e morte. “Você tira o invasor da Terra Indígena e ele fica do lado. Amanhã ele arrenda. Durante a pandemia, as maiores terras que tiveram áreas arrendadas foram as que mais receberam cestas básicas do Estado”, diz.
“Por isso pedimos ao STF que paute o julgamento do Recurso Extraordinário com repercussão geral, que trata da Terra Indígena Ibirama Laklãnõ, do povo Xokleng, que pode afetar as demais terras indígenas por conta da tese anti-indígena do marco temporal”
Isso se dá porque o arrendamento é controlado por poucas famílias, enquanto a maioria da comunidade perde áreas para plantar, caçar e fazer com que a terra cumpra seu papel: garantir autodeterminação e o máximo de autossuficiência alimentar. A prática tem acirrado conflitos internos e preocupa porque se mostra tão letal quanto a violência que vem de fora, de pistoleiros e matadores contratados.
Diante de tal cenário, Kretã agradeceu aos ministros da Suprema Corte pelas decisões e pronunciamentos mais recentes favoráveis aos direitos indígenas, com destaque aos territoriais. Ele explica que um momento em que há um governo contra os povos indígenas, que perdeu a Funai e vê projetos de garimpo e arrendamento avançarem, o STF destoa e reafirma a Constituição.
“Por isso pedimos ao STF que paute o julgamento do Recurso Extraordinário com repercussão geral, que trata da Terra Indígena Ibirama Laklãnõ, do povo Xokleng, que pode afetar as demais terras indígenas por conta da tese anti-indígena do marco temporal. Muito importante que os ministros afastem essa tese das nossas terras para que possamos viver em paz e protegendo a natureza”, encerra.
Não devíamos estar aqui, mas não teve jeito
Para Elizeu Guarani e Kaiowá, sair de sua terra e ir a Brasília não era algo planejado. Para ele, que vive no Mato Grosso do Sul, se no país houvesse um governo interessado em evitar mortes e garantir a vida, os povos indígenas poderiam estar protegidos em suas terras vigiadas pelo Ibama e Polícia Federal contra invasores, abastecidos de cuidados de saúde e contribuindo para que o país passe por esse momento difícil. Não é o caso.
“No meio da pandemia, estamos aqui (em Brasília), dia 19 de abril, Dia do Índio, não comemorando, mas em manifesto pedindo respeito. Esse pesadelo de pandemia, que já morreu mais de mil indígena, a gente ainda tem invasor nos territórios pra garimpo, grilagem, arrendamento. Não tamo aguentando isso. Precisamos sair das áreas pra vir aqui dizer que tamos morrendo”, denuncia.
No Pará, na Terra Indígena Sawre Muybu, do povo Munduruku, a comunidade se manifestou contra o garimpo
O pedido do Guarani e Kaiowá é direto: sangue indígena, nenhuma gota a mais. “O segundo objetivo do nosso manifesto é que a gente não aceita garimpo nas terras indígenas, não aceita marco temporal, não aceita PEC 215. Somos contra mineração, arrendamentos. Não aceitamos. Por isso estamos aqui hoje, enfrentando a pandemia e o governo do Bolsonaro”, conclui.
Além de Brasília, os povos indígenas se manifestaram em outras regiões do país. No Pará, na Terra Indígena Sawre Muybu, do povo Munduruku, a comunidade se manifestou contra o garimpo, projetos agrominerários e grandes empreendimentos que afetem seus modos de vida, pediram “Demarcação Já!” e “Fora Bolsonaro!”. Cacique Juarez Munduruku liderou os atos ao lado das crianças e mulheres.
Leia, abaixo, a carta divulgada pelos povos indígenas presentes na mobilização em Brasília, ou clique aqui para baixá-la:
Não aceitamos que um governo genocida, juntamente com políticos ligados ao agronegócio e à mineração, promovam armações na tentativa de atacar nossos direitos e tentem criar um ambiente favorável à aprovação de projetos voltados à exploração e DEVASTAÇÃO de nossos territórios.
O coronavírus, aliado ao descaso criminoso do governo Bolsonaro, já levou a vida de mais de 1000 indígenas, infectou 52 mil e afetou mais de 160 povos de acordo com dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Em muitos casos, levou anciões, guardiões dos nossos saberes ancestrais. Exigimos a imediata vacinação de todos os indígenas do Brasil, inclusive aqueles que vivem em contexto urbano, conforme a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
O governo do capitão Bolsonaro se aproveita desse cenário de crise sanitária, que ele próprio fortaleceu, para impor a sua pauta e seus projetos de morte, entre eles o PL 191/2020 que libera a mineração, a exploração de recursos hídricos e outros projetos de destruição em nossas terras; o PL 490/07 que impede a demarcação de nossas terras.
Por isso, decidimos vir à capital federal, mesmo sabendo dos riscos que corremos no momento, porque entendemos que os riscos trazidos pelos projetos de morte do governo Bolsonaro são ainda maiores, comprometem nossos territórios e o futuro de nossas gerações e podem causar nosso genocídio. Colocamos nossas vidas em risco, hoje, para que nossos filhos, netos e bisnetos tenham a possibilidade de uma vida digna amanhã.
Para amenizar os riscos que corremos, tomamos todos os cuidados que estão ao nosso alcance: apenas lideranças já imunizadas com a segunda dose da vacina integram nossas delegações, estamos mantendo o distanciamento social, o uso de máscaras e álcol em gel e demais cuidados para evitar a contaminação. Vamos nos cuidar e nos proteger – o mesmo que fizemos ao longo deste último ano.
Estamos aqui para manifestar apoio à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), suas lideranças e ações. Reforçamos, com nossa mobilização, o Manifesto divulgado pela APIB neste dia 19 de abril de 2021.
Exigimos a imediata retomada das demarcações de todas as terras indígenas do Brasil, que estão totalmente paralizados desde a posse do atual governo. Que o delegado indicado pela bancada ruralista para a presidência da Funai pare de servir aos interesses antiindígenas e cumpra seu papel institucional na efetivação dos nossos direitos.
Estamos aqui para lutar contra o PL 191/2020, a PEC 215/2000, o PL 490/2007, dentre outras proposições legislativas que nos agridem e atacam nossos direitos consagrados constitucionalmente.
Estamos aqui para defender o direito constitucional ao usufruto exclusivo de nossas terras. Denunciamos que casos de exploração de terras indígenas por não indígenas, a exemplo de arrendamentos, retirada de madeira e minérios, dentre outros, são usados por fazendeiros, madeireiros, garimpeiros e alguns políticos como mecanismo estratégico de divisão e promoção de conflitos internos nas terras indígenas.
Exigimos a imediata retirada de todos os invasores que exploram ilegal e criminosamente as nossas terras.
Estamos aqui para defender e agradecer o STF, seus Ministros e Ministras, pelas decisões tomadas no âmbito da ADPF 709 (que obrigou o governo a apresentar um plano de combate ao coronavirus entre os povos e determinou a retirada de invasores de terras indígenas); da Ação Rescisória 2686 (que reabriu a discussão sobre a demarcação da Terra Indígenas Guyraroká); das liminares tomadas no âmbito do Recurso Extraordinário 1.017.365, com Repercussão Geral (que impediram despejos de nossas comunidades e retrocessos administrativos e judiciais na demarcação de nossas terras).
Reforçamos o pedido ao Presidente do STF, Ministro Luiz Fux, para que coloque em pauta, com urgência, o julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, com Repercussão Geral.
Estamos aqui para denunciar e lutar contra a tese do Marco Temporal. Defendemos o direito originário sobre nossas terras. Neste sentido, demandamos e esperamos que todos os Ministros e Ministras do STF, ao julgar o Recurso Extraordinário acima citado eliminem de uma vez por todas essa ideia do Marco Temporal e reafirmem definitivamente o direito originário sobre nossas terras.
A Pandemia vai passar. Mas a boiada aqui não passa.
Fora Bolsonaro.
Brasília, DF, 19 de abril de 2021.