Hugo Chávez, o mês da ausência extraordinária. Por Raul Fitipaldi.

Por Raul Fitipaldi, para Desacato.info.

Tem vidas indiferentes à morte, simplesmente são vidas que não morrem. Mais do que isso, se multiplicam nos outros e outras. Vidas que não precisam estátuas nem bustos, nem nomes em escolas e hospitais, nem indicadores nas ruas e avenidas. Vidas que se expressam em muros, paredes, partituras, livros, pinturas, poemas, lágrimas e sorrisos. Que andam entre a gente por todos lados, nas mãos que criam, nos pés que caminham atrás dos horizontes. Que espreitam nas esquinas e iluminam a noite. Tem vidas que quando querem matá-las as eternizam. São as ausências extraordinárias, porque se tornaram presença infinita.

Lembro algumas vidas assim. Existirá um dia sem encontrar um retrato de Eva Perón no coração de Buenos Aires? Poderia desparecer a imagem, a voz, o gesto de Fidel Castro no âmago mais profundo de um povo libertário? Se resistiria a história da Pátria Grande a manter no mais alto do seu destino de luta e fraternidade o nome de Hugo Rafael Chávez Frías? Nem poderia, a pegada do filho heroico de Sabaneta transita as entranhas, os pulmões e os olhos do melhor da terra de Bolívar, Artigas, Morazán, San Martín, Juana Azurduy, Túpac Amaru e Zumbi dos Palmares.

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No próximo domingo 5 de março se completarão 10 anos do Comandante Chávez, transformado em semente fundante de milhões de sonhos que sobrevivem ao imperialismo, aos bloqueios, à mídia monopólica, à mentira, à estúpida ideia de que esta desgraça que padece a “gente-de-a-pé” será eterna. Não será. Acaso não vemos os povos africanos e indígenas, os originários de toda origem, resistir após mais de 500 anos de sequestros, invasões, roubo e genocídio? Desses povos se formou esse libertador contemporâneo, por isso o ódio, o desprezo da vetusta Europa, a perseguição do verme imperialista e das oligarquias pátrias.

Lembro com exatidão o momento, e onde estava parado, quando bateu o meu celular. Era Tali Feld Gleiser que me ligava da República Dominicana para anunciar o desenlace corpóreo e a transição da ideia à eternidade da Mãe Terra. Para que mares infindáveis de lágrimas, que corriam com a força daquela chuva que beatificou o último discurso do guerreiro bolivariano, nos anunciassem que agora o Comandante estava dentro de nós para sempre.

Tem gente respeitável da esquerda que ainda não entendeu o que significava para nós, os outros e outras da esquerda, que rumamos fora das estruturas institucionais e das universidades, a liderança de Chávez. Talvez porque o significado é muito simples, Chávez é de muitas maneiras nós, nossos sonhos, nossas culturas, nossa forma de palavrear a luta. O amigo que nunca abraçamos e que, mesmo assim, nos fala baixinho ao ouvido, cúmplice, com uma verdade que a gente entendia sem precisar traduções nem longas interpretações. O companheiro que sobe no palco para dizer o que nós queremos que alguém diga, que alguém grite por nós, para desfazer o nó de centúrias que nos aperta a garganta. O camarada que não é cabresto dos ricaços.

Hugo Chávez é o poeta que unifica a cultura do seu povo venezuelano e a faz namorar as outras da região. E conhece Zitarrosa, Chico Buarque, Atahualpa Yupanqui, e quando canta é a ressurreição de Ali Primera e o vozeirão de Carlos Puebla. Chávez está vivo aqui dentro, cantando e cobrando liberdades e direitos. Com insônia ante seus erros, com baile e trovoadas de risos ante a vitória. A imagem segura de Chávez faz caminhar com fortaleza na direção do inimigo para enfrenta-lo onde se deve, na rua.

Não devo, e não vou neste mês de março, falar dos fatos e feitos que envolvem Hugo Chávez. Não faz sentido. Se alguém muito jovem quiser saber da história e do presente deste companheiro incrível, tem o Google ou as poucas livrarias e sebos que ficam no Brasil. Neste mês vou falar do significado humano que tem para o cidadão que escreve este texto, com 67 anos e uma vida toda de suportar os gringos do norte nos humilhando, Hugo Chávez. Admirar Chávez, Fidel, Che Guevara e sim, com todas as contradições, Evita Perón, é amar os nossos, os descalços, os excluídos, os perseguidos, os que produzem e constroem o que ainda nos roubam todos os dias, em alguns países porque ainda governam os inimigos da gente e, em outros, porque a governabilidade lhes tira todo propósito revolucionário. Mas, com o faro do Comandante um dia isso muda, embora nos toque vê-lo já descansando no colo da Pacha Mama.

dição, arte e publicação: Tali Feld Gleiser.

Raul Fitipaldi é jornalista e cofundador do Portal Desacato e da Cooperativa Comunicacional Sul.

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