Há 100 anos em Sarajevo: o dia em que começaram a apagar-se as luzes na Europa

Prisão de Gabrilo Princip Arquivo Corbis 2

Por Jorge Almeida Fernandes.

www.público.pt – Portugal

Foto principal: detenção de Gabrilo Princip (arquivo Corbis)

28/06/2014

A história da I Guerra não começa em Sarajevo mas muito antes. Deriva da crise dos impérios multinacionais sob pressão dos nacionalismos e da disputa pela hegemonia do continente.

28 de Junho de 1914: era domingo e fazia sol em Sarajevo, capital da Bósnia-Herzegovina. De manhã chegam à cidade, de comboio, o arquiduque Francisco-Fernando (Franz-Ferdinand), herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro, e a sua mulher, a duquesa Sofia. Sobem para um automóvel descapotável. Os cinco carros da comitiva dirigem-se à câmara municipal para a cerimónia de recepção. Seguem pelo cais Appel, junto do rio Miljacka, no meio da multidão de curiosos. A visita tinha sido anunciada em Março.

Na mesma manhã, seis jovens nacionalistas sérvios da Bósnia espalham-se ao longo do cais. Apenas um tem mais de 20 anos. Estão armados com bombas e pistolas. O primeiro a entrar em acção é Muhamed Mehmedbasic, o único muçulmano do grupo, que entra em pânico supondo-se vigiado por um polícia e desaparece na multidão.

Um pouco mais longe, o segundo terrorista, Nedeljko Cabrinovic, tira a bomba do invólucro e lança-a sobre o carro de Francisco-Fernando. Não o atinge e explode sobre o terceiro carro, ferindo alguns oficiais da comitiva. O mais jovem, Vaso Cubrilovic, fica perturbado ao ver a duquesa, cuja vinda não estava prevista. “Não puxei do revólver porque a duquesa estava lá e tive piedade dela”, dirá no julgamento. Outro, Cvijetko Popovic, era míope e não conseguiu distinguir o alvo. O principal conjurado, Gavrilo Princip, ouviu a explosão, acreditou no sucesso. Depois viu Cabrinovic detido pela polícia e percebeu que era tarde para agir.

Neste preciso instante o atentado falhara e com ele evaporava-se a causa mítica da I Guerra Mundial. A fortuna não quis assim. O arquiduque chega à câmara, colérico pelo risco que a mulher correu, abrevia a cerimónia e decide ir ao hospital visitar os feridos. Sofia cancela uma reunião com mulheres bósnias e decide acompanhá-lo.

Desta vez vão a alta velocidade, mas o motorista engana-se no caminho, mete-se num beco, pára o carro (sem marcha atrás) e este tem de ser empurrado para a estrada. Está lá, no passeio, Gavrilo Princip, que vê subitamente Francisco-Fernando à sua mercê. Aperta o gatilho – não saberá dizer quantas vezes – e atinge ao mesmo tempo o arquiduque e a mulher. Morrerão em minutos.

Arquiduque em Sarajevo antes do atentado AFP 2

Foto: Arquiduque em Sarajevo, momentos antes do atentado. Arquivo AFP

Princip tentou disparar contra si mesmo, mas é agarrado pela multidão e pela polícia. Antes, Cabrinovic saltara para o rio e terá vomitado a pastilha de cianeto com que deveria suicidar-se. O rio estava quase seco e foi detido por um barbeiro e dois polícias.

Às 11 da manhã está tudo consumado. Raros perceberam que em breve se iriam “apagar as luzes na Europa”.

“Sou um herói sérvio”

“Gavrilo Princip e os seus camaradas não queriam matar em especial Francisco-Fernando, qualquer Habsburgo teria servido para o efeito, ou mesmo o governador da província, o general Potoriek, odiado pela brutalidade com que reprimia os movimentos de contestação”, escreveu o historiador Jean-Jacques Becker. Os conjurados não imaginavam provocar uma crise internacional. Queriam atentar contra os Habsburgo. Eram nacionalistas românticos que cultivavam a filosofia do atentado individual. Um deles, ao ser preso dias depois, gritou: “Eu sou um herói sérvio.”

Princip nasceu numa família camponesa da Bósnia e estudou num liceu. Era bom aluno, mas não conseguiu entrar no exército sérvio. Devorador apaixonado da literatura nacionalista, adere aos 17 anos à sociedade secreta Jovens Bósnios, dominada por sérvios mas também com croatas e muçulmanos. Continuará os estudos em Belgrado e viajará permanentemente entre as duas cidades. Torna-se um conspirador profissional.

Antes do atentado, foi recolher-se junto do túmulo de outro “herói sérvio”, Bogdan Zerajic, que em 1910 preparara um atentado contra o imperador em Mostar, desistindo no último momento. Zerajic falhou a seguir um atentado contra o governador da Bósnia e suicidou-se. Princip tê-lo-á tomado como modelo. Tinha 19 anos quando assassinou Francisco-Fernando. Por ser menor, não podia ser condenado à morte. Morrerá tuberculoso, em 1918, na prisão de Theresienstadt.

A Mão Negra

Por trás do atentado está uma organização nacionalista sérvia, a Mão Negra. É manipulada pelo coronel Dimitrievic, mais conhecido por “Ápis”, chefe dos serviços secretos militares e uma das figuras mais poderosas do Estado. É inimigo do primeiro-ministro Nikola Pasic. Todos estão intoxicados pelo desígnio de unir todos os sérvios, expandir as fronteiras e ganhar um acesso ao Adriático – uns sob a forma de Grande Sérvia, outros de Jugoslávia. O que os separa não é o objectivo mas “como” o alcançar.

As guerras balcânicas de 1912-13, efeito da desagregação do Império Otomano, fizeram da Sérvia o mais forte Estado balcânico. Mas os austríacos tinham anexado a Bósnia-Herzegovina em 1908 e facilitado a independência da Albânia (1912), fechando à Sérvia o acesso ao mar.

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