Entrevista de Leonardo Fernandes.
Na Alemanha, o grupo de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) aumentou o número de representantes no Parlamento alemão desde setembro de 2016. Na França, a Frente Nacional, com uma agenda anti-imigração, tem conquistado cada vez mais espaço na política, embora sua máxima representante, Marine Le Pen, tenha perdido as últimas eleições presidenciais. Na Grécia, o partido de extrema direita Aurora Dourada surfou na crise econômica e acabou se tornando a terceira força política do país.
Estudiosos têm discutido a origem da onda conservadora no mundo e seus limites. Em entrevista ao Brasil de Fato, Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), aborda a situação global das forças políticas de direita e a relação com a recente eleição brasileira. Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: A crise econômica que começou em 2008 é elemento suficiente para explicar o avanço de grupos de direita e extrema direita no mundo?
Reginaldo Nasser: Quando a gente vai fazer essas análises, é preciso pensar que as ideias conseguem mobilizar, tendo um terreno favorável a elas. Não se trata só de vontade e desejo. Essa discussão sempre surge, ainda mais agora com todo o debate que se faz nas redes sociais. Durante a Primavera Árabe esse debate veio à tona, mas eu sempre acho que há um exagero nisso. As mobilizações no Egito continuaram acontecendo mesmo depois de derrubarem as redes. Então não há dúvida nenhuma de que é preciso ter um terreno propício para esse crescimento da extrema direita, e a crise econômica é um dos elementos. Todos os estudiosos vão apontar, lembrando os momentos clássicos da Alemanha e da Itália, com o nazismo e o fascismo, e outros momentos da Europa, quando a crise econômica facilitou esse crescimento. E também isso ocorre como uma reação que vem acontecendo em toda a sociedade, o que aparece no Brasil desde a década de 1990. No início, como é algo pequeno, a gente vê de forma caricata.
Foi a mesma coisa com todos os outros movimentos totalitários. Alguns pesquisadores colocaram, por exemplo, discursos de Hitler e Mussolini para crianças e elas morreram de rir. Então nos governos Lula e Dilma, quando houve vários avanços, a reação começa a surgir. Ela não aparece de forma concreta, muito visível, mas ela vem. Então, isso forma um terreno propício para o crescimento de todos esses movimentos no mundo, e reage, principalmente, contra alguns fluxos de pessoas, sejam os migrantes, refugiados, que são questões mais chamativas, para mobilizar, pois elas se articulam com a ideia de ameaça. Quando há avanços de direitos, isso é visto como ameaças. Então esses grupos se colocam como defensores de alguma coisa que está ameaçada. Tudo isso é um terreno comum para que eles floresçam. Mas para eles florescerem precisa do momento propício e de organização. Então essas variáveis vão definir até que ponto eles avançam mais em uns lugares ou em outros.
Em países como Hungria e Filipinas, por exemplo, esses grupos de extrema-direita conseguiram chegar ao poder. Podemos comparar com a recente eleição de Jair Bolsonaro no Brasil?
Eu tenho visto bastante a situação da Hungria, da Filipinas e da Polônia. Eu acho que há uma distinção. Por enquanto, não é muito semelhante ao processo no Brasil. A gente olha o discurso, algumas manifestações e afirma que é semelhante. Mas é preciso analisar a sociedade, a estrutura da sociedade, os grupos políticos. Não é uma análise comparativa correta e há outros elementos da estrutura social daqueles países que felizmente não existem no Brasil.
No leste europeu, ainda existe outro ingrediente, que é a reação muito forte ainda ao comunismo, que teve uma história naquela região; houve repressão e guerra. Ou seja, há um perfil de constituição de sociedade diferente. Por isso eu digo que é preciso ter cuidado para não avaliar como se fosse terra arrasada.
O PT [Partido dos Trabalhadores], como representante da esquerda, teve 45% de votos, ganhou quatro eleições consecutivas para presidente. E o que eu quero mostrar com isso? Que há uma resistência muito forte na sociedade.
Ainda assim, Bolsonaro ganhou as eleições mantendo um discurso de extrema-direita. Ele terá que prestar contas disso ao seu eleitorado…
Ele nem tomou posse, já levou uma cacetada e está voltando atrás. Veja só, a gente tem que avaliar esse contexto com base em custos. A razão para suas decisões vão começar a aparecer agora. A pessoa em campanha é uma coisa, em governo é outra. Em relação à Jerusalém [mudança da embaixada do Brasil de Tel Aviv para a cidade sagrada], ele fica fazendo mimetismo com o Trump. Mas há uma diferença: o Trump tem a grande potência e Bolsonaro o Brasil. Ou seja, há custos para os Estados Unidos tomarem esse tipo de decisão, mas os custos para o Brasil são muito mais altos. Ele sinalizou que vai mudar a embaixada para Jerusalém e em seguida o Egito cancelou a visita do chanceler brasileiro Aloísio Nunes. Começou uma pressão dentro do governo.
A futura ministra da Agricultura, por exemplo, já disse que está recebendo telefonemas de quem apoiou e apoia esse novo governo, preocupados com isso. Então o cara que vende frango está se lixando para saber o que é Palestina, o que é Israel. Ele quer saber de vender. E são as pessoas que sustentam o governo. Então começa a ter custos. As pessoas vão medindo até onde vão, a troco do quê. Por outro lado, ele se elegeu em torno disso. Ele deve tentar manter o discurso, mas tentar moderar as ações.
Do ponto de vista econômico, Bolsonaro e o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, tem se referenciado bastante no modelo neoliberal chileno, inaugurado no fim da ditadura de Augusto Pinochet, um dos regimes mais sanguinários do período das ditaduras do Cone Sul? Qual sua análise?
Esse ideário do Pinochet está virando uma coisa popular, inclusive nas redes sociais. Mas como dizia o Garrincha, é preciso combinar com os russos. A fórmula econômica que foi aplicada pelo Pinochet só poderia ser feita em uma ditadura daquele porte. Nós sabemos de todos os problemas do nosso judiciário, que vai de mal a pior, o golpe que foi dado na Dilma, a prisão do Lula, mas está longe de ser o regime político do Pinochet.
Ao implementar um programa econômico desses, ele vai causar problemas não só para a classe popular, mas para os próprios grupos que apoiam Bolsonaro. Vai ter resistência tanto de grupos empresariais, como de parte do funcionalismo público que o apoiou, como entre os militares. A chamada ala nacionalista dos militares não sumiu. Eu não sei se ela é capaz de dar o tom, de preponderar, não sei. Mas ela não sumiu. Por exemplo, quando o Paulo Guedes anunciou a privatização da energia e logo voltou atrás.
Analistas apontam que os primeiros meses do governo é uma fase em que o presidente tem superpoderes. Como o senhor acha que será esse primeiro período?
Eles vão seguir a teoria do choque que é, nos seis primeiros meses, ou talvez um ano, tentar fazer tudo aquilo que reza a cartilha da direita. Enquanto intencionalidade eu não tenho dúvida.
Eu tenho dúvidas em relação à resistência. Primeiro, acho que o MST e o MTST estão na linha de frente, e já há algum tempo. Mesmo nos governos do PSDB houve uma reação na sociedade, de empresários, classe média, porque são vistos como aqueles que ferem o direito da propriedade privada. Agora eles vão dar um impulso e eu acho que para esses dois movimentos vai ser muito perigoso, inclusive com o auxílio da Justiça.
O Brasil, com esse tipo de excepcionalidades, de regras de exceção no jurídico, nós estamos nas mãos, cotidianamente, de juízes que vão agir de forma arbitrária em eventos, atos, contra esses movimentos. Acho que esses movimentos vão estar em um momento muito complicado, muito delicado, e vão precisar de muito apoio.
De qualquer forma, para além da institucionalidade, o discurso de Bolsonaro “tira do armário” uma série de ideologias da extrema-direita que estavam escondidas. O que acha?
É preciso estar atento, atuando, não tenha dúvida nenhuma, porque se não fizer isso, eles vão para cima. Quer dizer, vai aumentar o número de reações de pessoas no cotidiano. O racismo, os ataques à [população] LGBTs, isso vai aumentar, não tenha dúvida.
É como nos Estados Unidos, onde esses grupos de extrema-direita começam a ver uma permissividade para agir. De outro lado, não será logo. Se o governo Bolsonaro em relação àquilo que está falando, ainda assim vai ser péssimo. Mas ele moderando, vai gerar frustração em alguns grupos. Então vai ter uma tendência de aparecer, por incrível que pareça, grupos à direita do Bolsonaro. Em Israel, o Ariel Sharon era de extrema-direita. De repente ele virou direita, depois centro-direita, depois centro. Não porque ele tenha mudado de posições, o que mudou foram os grupos que começaram a rejeitá-lo pela direita. O Netanyahu era extremíssima direita, hoje é direita. Tem gente lá hoje mais à direita, porque ao ir para o governo, as pessoas ficaram frustradas, porque achavam que de um dia ao outro, tudo ia se resolver, e do jeito que elas querem.
Edição: Daniela Stefano