Governo estadual deixou de aplicar mais de R$ 2,1 bilhões em educação de 1998 a 2008. TC aprova contas estaduais

TCPor Nicholas Davies.

A frágil confiabilidade do Tribunal de Contas de Santa Catarina na fiscalização dos recursos da educação.

1. Introdução.

Este artigo examina alguns procedimentos adotados pelo Tribunal de Contas (TC) de Santa Catarina na apreciação da aplicação dos recursos vinculados à educação nas contas estaduais de 1998 a 2008, numa pesquisa que envolve todos os Tribunais de Contas (TCs) do Brasil nesta verificação. Foi suscitada pela experiência do autor na análise da aplicação da verba da educação por governos estadual e municipais do Rio de Janeiro e na sua fiscalização por parte do TC do Estado do Rio de Janeiro (DAVIES, 2000, 2001a), que revelou, entre outras coisas, que a interpretação dos TCs sobre as receitas e despesas vinculadas à manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) nem sempre coincide com o que parece estar na letra e espírito da lei. Isso é importante porque os governos estaduais e municipais procuram seguir (quando o fazem, é claro) as orientações dos TCs na sua prestação de contas, não necessariamente as disposições da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9.394/96) ou de pareceres e resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE). Daí a importância do estudo dessas interpretações para a avaliação menos imprecisa dos recursos vinculados à MDE.

Esta pesquisa foi iniciada em 1998 (DAVIES, 2001b) e procurou obter as normas editadas pelos TCs desde a Lei Federal nº 7.348, de 1985 (BRASIL, 1985), que regulamentou a Emenda Constitucional Calmon, de 1983, restabelecendo a vinculação de recursos para a educação, eliminada pela Constituição imposta pela ditadura militar em 1967. A Lei nº 7.348 foi tomada como marco inicial porque desde 1967 não havia vinculação constitucional de recursos (restabelecida apenas para os municípios pela Emenda Constitucional No. 1, de 1969) e porque ela vigorou integralmente até dezembro de 1996 (quando foi promulgada a LDB) e parcialmente a partir de janeiro de 1997, segundo a interpretação dada pelo Parecer nº 26, de 1997, do CNE (BRASIL, 1997). Basicamente, esta Lei nº 7.348 foi importante porque definiu as receitas e despesas vinculadas à MDE, conceito que mereceu uma definição menos elástica do que a permitida pela função orçamentária de ‘Educação e Cultura’, prevista na Lei Federal nº 4.320, de 1964 (BRASIL, 1964), que normatiza a elaboração e execução de orçamentos públicos. Desde 2001 esta função foi dividida em duas, uma para a educação (designada pelo número 12) e outra para a cultura.

Outras referências legislativas foram as Emendas Constitucionais 14, que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), em setembro de 1996, e 53, que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em dezembro de 2006, e as Leis 9.394 e 9.424 (que regulamentou o Fundef( ambas de dezembro de 1996, e a 11.494 (que regulamentou o Fundeb.

Basicamente, as informações e documentos que procurei obter junto ao TC foram as seguintes:

(1) Legislação federal, estadual ou municipal adotada pelo TC para a averiguação das receitas e despesas vinculadas à educação ou, mais precisamente, à MDE, conforme definida na Lei nº 7.348, de 1985, e nos artigos 70 e 71 da LDB. Queria saber, por exemplo, o percentual mínimo que o TC considerava correto, no caso de o percentual das Constituições estaduais e leis orgânicas ser superior aos 25% previstos na Constituição Federal (CF) de 1988. Essa indagação foi suscitada pela experiência no Estado do Rio de Janeiro, em que prefeituras cujas leis orgânicas fixavam um valor superior aos 25% alegavam que o percentual válido era o da CF, não o das leis orgânicas, e contavam com a interpretação favorável do TCE. Além disso, o governo estadual do Rio de Janeiro (na gestão de Brizola, um governante supostamente sensível à causa da educação) havia obtido em 1993 liminar do Supremo Tribunal Federal suspendendo a eficácia do percentual mínimo de 35% fixado na Constituição Estadual de 1989, o que significou, na prática, a aceitação dos 25% pelo TCE.

(2) Instruções e normas internas elaboradas pelo TC para o cálculo das receitas e despesas vinculadas à MDE desde a Lei nº 7.348. Tais instruções são fundamentais porque os governos estaduais e municipais procuram seguir os procedimentos nelas contidos, não necessariamente a CF, a Estadual ou a Lei Orgânica ou a legislação educacional.

(3) Definição dos impostos que compõem a base de cálculo do percentual mínimo. Queria saber sobretudo se eram computados as multas e juros de mora dos impostos, a receita da dívida ativa de impostos (DAI), sua atualização monetária e as multas e juros de mora sobre a DAI.

(4) Contabilização dos ganhos, complementação federal e rendimentos financeiros com o Fundef/Fundeb, receitas do salário-educação, convênios de natureza educacional (merenda e outros), e receitas de serviços prestados por instituições educacionais e operações de crédito para a educação. Eram/são contabilizados como parte do percentual mínimo ou como acréscimos a ele? Este cálculo é importante porque muitas vezes os governos omitem tais receitas ou as incluem na base de cálculo do percentual mínimo, quando o correto é acrescentá-las integralmente ao mínimo.

(5) Critérios de cálculo do valor devido em educação: valores nominais ou valores reais, ou, em outras palavras, os valores devidos são corrigidos monetariamente? Estes critérios são fundamentais numa época de inflação alta e mesmo após a decretação do Plano Real, em julho de 1994, porque a inflação persistiu, embora relativamente baixa.

(6) Definição de despesas consideradas como MDE. É fundamental a clareza sobre essa definição porque não raro os governos confundem tais despesas com as realizadas na função orçamentária ‘Educação e Cultura’, modificada para ‘Educação’ a partir de 2001, mais ampla do que o conceito de MDE, ou com o órgão responsável pela educação.

(7) Critérios de cálculo das despesas em MDE – valores empenhados, liquidados ou pagos no ano. Essa diferenciação é fundamental porque não é incomum os governos considerarem os valores empenhados como os aplicados no ensino mas cancelarem uma parte de tais empenhos no exercício seguinte, fraudando, assim, os valores supostamente aplicados no ensino.

(8) Procedimentos adotados pelo TC tendo em vista a implantação obrigatória do Fundef em 1998 e do Fundeb em 2007.

Entendo que as receitas vinculadas à educação são as seguintes:

(a) no mínimo 25% (ou o percentual maior previsto em Constituições Estaduais e Leis Orgânicas municipais, conforme estipula a LDB) de todos os impostos (inclusive as multas e juros de mora de impostos, a receita da dívida ativa de impostos e suas multas e juros de mora), mais

(b) o ganho com o Fundef ou o Fundeb, ou seja, a diferença positiva entre a contribuição para estes fundos e a receita com eles,  a complementação federal para os dois fundos e o rendimento financeiro com eles, contabilizáveis como acréscimos ao percentual mínimo, mais

(c) as receitas integralmente vinculadas à educação (salário-educação, convênios, programas e demais repasses, sobretudo federais, etc., e operações de crédito vinculadas à educação) e os rendimentos financeiros com elas auferidos, também contabilizáveis como acréscimos ao percentual mínimo.

Vale lembrar que as receitas com o Fundef ou o Fundeb não devem ser confundidas com ganhos, os quais só acontecem quando a receita dos governos com estes fundos é superior à sua contribuição para eles. Neste caso, devem ser contabilizados como acréscimos ao percentual mínimo. Porém, quando há perdas, ou seja, quando a receita é inferior à contribuição,  elas devem ser contabilizadas dentro do percentual mínimo. Neste cálculo, não entram a complementação federal e o rendimento financeiro com os fundos, sempre contabilizados como acréscimos ao percentual mínimo, mesmo quando há perdas.

As despesas, por sua vez, se vinculam a estas receitas acima, devendo se classificar como MDE, conforme definida nos artigos 70 e 71 da LDB. As despesas pagas pelas receitas (c), mesmo classificadas de MDE, não são contabilizáveis no percentual mínimo ou nas receitas adicionais (ganho, complementação e rendimento financeiro) oriundas do Fundef ou Fundeb. As despesas pagas com as receitas (a) e/ou (b) tiveram/têm as seguintes particularidades:

(1) de 1989 até 1996, pelo menos 12,5% (a metade dos 25%) da receita (a) deveriam ter sido aplicados pelos Estados, Distrito Federal (DF) e municípios na erradicação do analfabetismo e na universalização do ensino fundamental, conforme determinado pelo Art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF de 1988;

(2) de 1997 a 2006, pelo menos 15% (60% dos 25%) dos impostos deveriam ter sido aplicados por tais esferas de governo apenas na universalização do ensino fundamental, sendo que 15% de alguns destes impostos compuseram o Fundef (implantado obrigatoriamente apenas em 1998), dividido entre o governo estadual e prefeituras de cada Estado de acordo com o número de matrículas no ensino fundamental regular, bem como o peso de cada tipo de matrícula (1ª a 4ª, 5ª a 8ª, zona urbana, zona rural, educação especial). Da receita com o Fundef, pelo menos 60% deveriam ter sido destinados à remuneração dos professores (segundo a Emenda Constitucional 14, de 1996) ou dos profissionais do magistério (de acordo com a Lei 9.424, de 1996) em exercício no ensino fundamental;

(3) entre 1997 e 2006 os impostos restantes (no mínimo 10%) poderiam ser utilizados em qualquer nível ou modalidade de ensino, com a única exceção dos municípios, que só poderiam aplicá-los no ensino fundamental e na educação infantil, conforme previsto no art. 11 da LDB.

(4) com a implantação do Fundeb (em 2007), constituído de percentuais provisórios de impostos em 2007 e 2008 e definitivos (20%) em 2009, as despesas estaduais e municipais pagas pelo percentual mínimo de impostos se dividem em dois grupos. O primeiro são as do Fundeb: as estaduais só podem ser empregadas no ensino fundamental e médio e suas respectivas modalidades, enquanto as municipais se destinam somente à educação infantil e ensino fundamental e suas respectivas modalidades. Da mesma forma que no Fundef, pelo menos 60% do Fundeb se destinam à remuneração dos profissionais do magistério em exercício na educação infantil e no ensino fundamental (caso dos municípios) e no ensino fundamental e no ensino médio (caso dos Estados). O segundo grupo é formado por dispêndios financiados pela parcela restante dos impostos do Fundeb, ou seja, pelo menos os 5% de diferença entre a contribuição para o Fundeb (20%) e o percentual mínimo  (25%, se for este o percentual previsto na Constituição Estadual ou Lei Orgânica ) e pelo menos os 25% dos impostos estaduais e municipais que não entram na formação do Fundeb (Imposto de Renda recolhido pelos governos estaduais e municipais, Imposto de Operações Financeiras com Ouro (IOF-Ouro), e o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), o Imposto sobre Serviços (ISS), e o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). No caso dos municípios, a receita de impostos fora do Fundeb continua sendo vinculada à educação infantil e ensino fundamental, conforme previsto no art. 11 da LDB.

O estudo se baseou nos relatórios impressos do TC sobre as contas estaduais de 1998, 1999, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005 e eletrônicos de 2000, 2006, 2007 e 2008, identificados nas referências bibliográficas.   Pretendia incluir o relatório sobre as contas de 2009, porém ele deixa bastante a desejar, sendo uma cópia do relatório fornecido pela Secretaria Estadual de Fazenda, que não menciona supostos gastos com inativos nem as despesas por órgão. Não pude utilizar norma ou instrução do TC sobre a contabilização da receita e despesa em MDE ou sobre o Fundef ou Fundeb, porque até 2010 não a encontrei em seu portal na internet (www.tce.sc.gov.br).

Além da introdução, o estudo compõe-se das seguintes partes. A primeira comenta a contabilização da receita da educação, a segunda, as despesas classificadas pelo TC como MDE, a terceira faz uma análise específica sobre o salário-educação. A quarta apresenta e comenta 4 tabelas. Uma informa todas as receitas de impostos e as despesas classificadas pelo TC como MDE entre 1998 e 2008. A seguinte registra a receita de impostos e os 15% de impostos vinculados ao ensino fundamental de 1998 a 2006. A terceira contém dados sobre a receita e despesa do Fundef e a remuneração destinada aos profissionais do magistério no ensino fundamental.  A quarta contém os dados sobre o Fundeb.

Leia o trabalho completo aqui: A frágil confiabilidade do Tribunal de Contas de Santa Catarina na fiscalização dos recursos da educação

Foto: www.tj.sc.gov.br

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