O novo governo do Egito vem cooperando ativamente com Israel em relação ao bloqueio à Faixa de Gaza. Se Mohammed Mursi, o presidente deposto pelos militares, já tinha deixado claro que estava ao lado de Israel, contra os palestinos – e contra o desejo da grande maioria dos egípcios –, o atual presidente interino, Adly Mansur, mantém silêncio diante das decisões daquele que realmente dá as cartas no Egito de hoje: Abdel Fatah al-Sissi, chefe das Forças Armadas do país e ministro da Defesa durante o curto governo Mursi.
Logo após a deposição do governo da Irmandade Muçulmana, Sissi mandou fechar a passagem entre o Egito e a cidade palestina de Rafah – único ponto de contato dos palestinos de Gaza com o mundo – e mandou destruir vários túneis da rede subterrânea que liga seu país à faixa litorânea palestina. Esses túneis levam aos gazenses aquilo a que Israel não lhes permite o acesso, como variedade de alimentos, eletrodomésticos, gás e combustível. O combustível é essencial não apenas para abastecer veículos, mas para gerar energia elétrica. Como a única central de geração de eletricidade de Gaza funciona à base de óleo, sem ele a região pode ficar às escuras, com hospitais paralisados e pacientes sem UTI, sem cirurgia e sem atendimento de emergência.
Outras medidas tomadas por Sissi estão criando sérios problemas para os habitantes de Gaza. Nesta terça-feira (16), o exército egípcio anunciou que nas últimas 48 horas foram destruídos mais oito túneis e localizados 23 contêineres com mil litros de combustível, removidos com o uso de buldôzeres. Além disso, foi iniciada uma campanha para procurar e destruir todos os túneis subterrâneos. Fontes das forças de segurança egípcias, que preferiram não se identificar, disseram que Sissi deu ordens diretas para a destruição da rede de túneis, com o uso de explosivos, equipamentos pesados e até mesmo inundando-os. Sissi afirmou que não permitirá que “ninguém ponha em perigo a segurança nacional do Egito, sua economia e seus recursos naturais”, referindo-se à onda de violência e assassinatos que se instalou no Sinai depois da queda de Mursi, atribuída a seus defensores jihadistas e salafistas. O Hamás, partido que governa Gaza, já anunciou, oficial e publicamente, não ter nenhuma responsabilidade pelo ambiente tumultuado instalado no Sinai. Mas Sissi parece não ter interesse em procurar os verdadeiros culpados.
O bloqueio, dentro e fora de Gaza
O fechamento da passagem de Rafah criou outro problema grave. Moradores de Gaza em viagem ao exterior estão proibidos de voltar para casa. Não podem nem mesmo voar para o Cairo, capital egípcia, porque a ordem é deportá-los, mesmo que tenham vistos de entrada válidos. O Egito chegou a solicitar às empresas aéreas que impeçam passageiros com passaporte palestino de embarcar para o Cairo. Há informações de que a Turkish Airlines terá de pagar US$ 6,5 mil por passageiro palestino que desembarcar na capital egípcia.
O resultado dessa decisão inexplicável está obrigando milhares de palestinos a permanecer, contra sua vontade, no exterior. Muitos deles estão vivendo na área de deportação do aeroporto do Cairo, onde desembarcaram antes da ordem de banimento. Outros avisaram pelo Twitter que permanecem na sala de deportação do aeroporto de Kuala Lumpur, na Malásia, sem saber o que fazer. Professores, estudantes, intelectuais, médicos e pacientes, que saíram para cursos, conferências e tratamentos, aguardam há semanas uma solução que não vem. “Há também o prazo de validade dos vistos, em geral curtos, e a falta de dinheiro, porque só levamos o suficiente para os gastos da viagem. Tirar novos vistos e aguardar cerca de duas semanas para que sejam concedidos custa caro”, escreveu em seu blog Belal Dabour, estudante de medicina de Gaza obrigado a ficar em Amã, capital da Jordânia, onde fez um curso de um mês. Some-se a isso a necessidade de pagar hospedagem e alimentação e ter-se-á uma situação dramática. “O governo do Egito alega razões de segurança para impedir nossa entrada”, continua Belal. “Mas tudo que queremos é voltar para casa, para nossas famílias, e passar com elas o mês do Ramadã”.
Nota da autora: “razões de segurança” é a justificativa de Israel para impedir a entrada de palestinos em seu território. “For security reasons” [por razões de segurança] é uma frase que parece grudada na boca dos soldados israelenses. É usada o tempo todo, em todas as circunstâncias – e sou testemunha de que os palestinos não põem em risco a segurança de ninguém. Ao contrário, oferecem acolhimento, amizade e abrigo. Não mereciam o destino que Israel e agora o Egito, com a cumplicidade do mundo, lhes impõem.
Foto: Marius Arnesen/CC
* de São Paulo (SP), Brasil de Fato
Fonte: Pátria Latina