Por José Álvaro de Lima Cardoso.
É importante sistematizar um balanço do governo Bolsonaro em 2019, mesmo que inicial, que foi de aprofundamento dos ataques aos trabalhadores e aos interesses soberanos do país. Antes mesmo de seu início, claro, já se sabia qual era a missão do governo Bolsonaro, sobre a qual os membros do governo nem procuravam disfarçavam: aprofundar as ações decorrentes do golpe de 2016, no referente ao fim da soberania e dos direitos sociais e trabalhistas. Era sabido que o governo objetivava destruir instrumentos públicos de intervenção estratégica do Estado, e que iria aprofundar a entrega do país para o sistema financeiro e grandes grupos multinacionais.
Desmontar tudo que é público, já sabíamos no final de 2018, era a missão principal do governo Bolsonaro/Guedes. Bolsonaro cumpriu em parte, ao longo do ano passado, promessa feita nos Estados Unidos, em jantar com representantes da extrema-direita, de que teria chegado ao poder para levar adiante um projeto de destruição nacional. “O Brasil não é um terreno aberto onde nós iremos construir coisas para o nosso povo. Nós temos que desconstruir muita coisa”, afirmou em 18.03.2019, na sede da Agência Central de Inteligência norte-americana (CIA), em Washington.
Algumas avaliações divulgadas neste início de ano fizeram um esforço de listar alguns ataques aos direitos sociais e trabalhistas, ações contra a cultura, contra o meio ambiente, contra a educação, etc. Mas a maioria das avaliações têm sido insuficientes, dados o número e a profundidade dos ataques. Foram centenas, eventualmente mais de mil ações ao longo do ano, abolindo ou reduzindo direitos, ou ferindo a soberania nacional, enfraquecendo instrumentos de intervenção estatal, e assim por diante.
Vale destacar pelo menos alguns dos principais movimentos do governo, que ajude num balanço geral do governo em 2019:
- Diminuição do valor do salário mínimo estipulado pelo Orçamento da União em R$ 1.006, para R$ 998, R$ 8 a menos;
2. Entrega da Base de Alcântara, uma das melhores bases para lançamento de foguetes do mundo, sem qualquer contrapartida importante para o Brasil;
3. Redução significativa do mercado consumidor interno, com achatamento da renda e manutenção das altíssimas taxas de desemprego;
4. Aumento do número de pessoas que passam fome, com a destruição de políticas de combate à fome e com aumento da precarização e desemprego;
5. Liquidação, com dezenas de medidas, das políticas de proteção ao trabalho;
6. Aprofundamento do processo de destruição da indústria;
7. Aprovação da PEC da Previdência, reduzindo valor das aposentadorias e a chance de muitos brasileiros se aposentarem;
8. Profunda deterioração da imagem internacional do Brasil;
9. Desmonte da Petrobrás e entrega do Pré-sal;
10. Olímpico fracasso da política econômica: o Brasil continua com a economia estagnada;
11. Inúmeras ações para desarticular a organizações dos trabalhadores, especialmente suas entidades sindicais (por exemplo, a MP 873);
12. Manutenção do orçamento em ciência e tecnologia em quase nada e o congelamento de gastos primários (como educação e saúde) por 20 anos;
13. Aprofundamento do processo de primarização do Brasil, ou seja, a condenação do Brasil, a ser um eterno fornecedor de matérias primas para o mundo desenvolvido, se adequando aos interesses dos países imperialistas, especialmente dos EUA. No ano passado o Brasil teve mais produtos básicos (baixo valor agregado, como minerais, frutas, grãos e carnes) exportados que manufaturados. Desde 1980 isso não acontecia;
14. Num momento em a economia mundial pode ter a sua mais grave crise da história, expuseram ainda mais o país às crises financeiras. Inclusive torrando as reservas internacionais, deixadas pelo governo anterior. Em 1º de janeiro de 2019, as reservas internacionais eram de US$ 374,715 bilhões, e em 31 de dezembro de 2019 estavam em US$ 365,481 bilhões;
15. Ataques aos servidores, com redução de salários e quadro de pessoal. Estão sucateando as repartições públicas e extinguindo órgãos. Proibiram concursos e extinguiram 27,5 mil cargos públicos;
16. Aprofundamento do processo de explosão de desigualdade social trazida pelo golpe de 2016. Desde quando, em 1960, o IBGE passou a coletar informações sobre o rendimento da população nos censos demográficos, nunca se havia observado;
17. Mobilização das bases do governo para aprovação do Projeto de Lei 3261/2019, que prevê a abertura da concessão do serviço de água e esgoto para empresas privadas no Brasil;
18. Encaminhamento de três PECs (Projetos de Emendas Constitucionais), chamadas, no conjunto, de Plano Mais Brasil. Na prática, o Plano Mais Brasil destrói o setor público brasileiro, em todas as instâncias;
19. Envio da Medida Provisória nº 905, de 11.11.2019 que trouxe a carteira verde e amarela e uma série de ataques aos direitos dos trabalhares.
As ações de destruição de direitos e da soberania são em muito maior número, foram destacadas acima algumas consideradas mais importantes. Já se sabia que o governo Bolsonaro tinha vindo para aprofundar as ações do golpe de 2016 e levar em frente a política anunciada de destruição nacional. Mas o balanço do governo, para ter utilidade, não deve ser um rosário de lamentações, já que essa atitude, pura e simplesmente, o máximo que pode fazer é conduzir à depressão. Na realidade, o mais importante é apurar o saldo das lutas travadas ao longo do ano, um saldo, obviamente, extremamente negativo. Temos que reconhecer que, do ponto de vista da população, à exemplo do que ocorre desde o golpe em 2016, as perdas foram catastróficas.
A quantidade de direitos sociais e sindicais, liquidados pelo governo de extrema direita no ano são, por si só, a demonstração de que a correlação de forças continua muito desfavorável aos trabalhadores. Isso leva à conclusão inevitável de que os métodos e/ou a intensidade da luta travada pelos trabalhadores, foram, no mínimo, inadequados. Um dos problemas colocados, claramente, foi o da falta de uma avaliação correta da natureza do governo Bolsonaro, ou seja, da percepção de que este governo, conforme disse Bolsonaro em Washington, veio para fazer terra arrasada dos direitos da maioria, visando resolver a crise do capitalismo internacional. Não se pode desconsiderar que o governo Bolsonaro é cria do golpe de 2016 e da fraude eleitoral ocorrida em 2018.
Uma das consequências do desconhecimento da natureza do governo, foi querer enfrentar as suas políticas de forma isolada. Ao invés da população enfrentar o governo coletivamente, considerando o conjunto de sua política de guerra, tentou-se combater cada ação especifica, na medida em que iam sendo implementadas. O que seria impossível, até mesmo pela quantidade de ataques que foram realizados desde o início do ano, quase que diários. O resultado dessa política é que os protestos foram insuficientes e muitas vezes limitados à categoria que era mais prejudicada por este ou aquele ataque específico. Isso levou à uma fragmentação da luta. Os trabalhadores da Petrobrás, dos Correios, funcionários públicos, encaminharam suas lutas específicas, sem uma grande mobilização nacional, visando enfrentar o conjunto das políticas, que, na essência, vão contra o interesse de 90% da população, pelo menos.
Não há nada que indique que 2020 será melhor. Os ataques aos direitos serão tão fortes, quanto menos vigorosas forem as mobilizações dos trabalhadores. Por isso é fundamental precisar a avaliação da natureza da política econômica e social do governo, para calibrar melhor as estratégias de organização e de encaminhamento das lutas.
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José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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