Por Leanderson Lima, Amazônia Real.
Manaus (AM) – O Senado vota nesta quarta-feira (8) a indicação do deputado federal Jhonatan de Jesus, filho do senador pró-garimpo Mecias de Jesus, ambos do Republicanos de Roraima, para uma vaga de ministro vitalício do Tribunal de Contas da União (TCU). Aliada de Jair Bolsonaro (PL), a família “de Jesus” indicou os últimos três coordenadores do Distrito Especial de Saúde Indígena Yanomami (Dsei-Y), período em que tomou forma a crise humanitária sobre o povo indígena. Nome escolhido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e com apoio de partidos da base de sustentação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jhonatan recebeu 239 votos dos colegas no dia 2 de fevereiro.
Lideranças indígenas não concordam com a indicação de Jhonatan de Jesus ao TCU. Para eles, é necessário a conclusão das investigações por todos os órgãos competentes para depois assumir o cargo, caso seja comprovado que não há envolvimento deles na crise humanitária dos indígenas Yanomami. Eles garantem que há culpados e estes devem responder juridicamente pelo colapso na saúde indígena. “Estão envolvidos de alguma forma. É preocupante. Os cargos serviram como moeda de troca, que resultou na morte de centenas de Yanomami”, disse Ariene Susui ao se referir aos políticos roraimenses Mecias e Jhonatan de Jesus. Ariene é ativista e jornalista da etnia Wapichana e colaboradora da Amazônia Real.
Na véspera da votação no Senado, o pai de Jhonatan se movimentou junto a outros colegas parlamentares para atuar em favor dos garimpeiros, cada vez mais asfixiados com o início da operação para a sua retirada da Terra Indígena Yanomami (TIY) pelo governo federal. Mecias de Jesus não está sozinho. Os outros dois senadores de Roraima, Doutor Hiran (PP) e Chico Rodrigues (PSB), também atuam em defesa dos invasores da TIY. Na terça-feira (7), eles ganharam o reforço do governador de Roraima, Antonio Denarium (PP) para formar uma “tropa de choque” pró-garimpo. Esse grupo teve, inclusive, uma reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), para tratar do tema. Uma comissão externa deve ser criada para acompanhar a crise.
“A comissão proposta pelo presidente (Rodrigo) Pacheco, com os três senadores de Roraima, será acompanhada a pedido nosso e do presidente Pacheco, pela Procuradoria Geral da República, pelo Ministério da Defesa, pelo Ministério da Justiça e pelo Ministério dos Direitos Humanos. O que a gente quer é que tudo isso aconteça de uma forma pacífica, respeitando todos os direitos, respeitando logicamente os direitos que nós sempre defendemos, que foi o direito dos nossos povos indígenas, e é lógico, tirar isso sem provocar uma chacina”, disse o senador Mecias de Jesus, em entrevista à TV Senado. O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, está em Roraima para acompanhar a ação militar ao lado dos comandantes das Forças Armadas.
Apesar de dizer que sempre “defendeu os direitos dos povos indígenas”, o senador Mecias de Jesus, pai de Jhonatan, é autor do Projeto de Lei n° 1331, de 2022, que quer autorizar a pesquisa e a lavra de recursos minerais em terras indígenas, sejam elas homologadas ou ainda em processo de demarcação. O PL do senador do Republicanos admite a outorga de autorização de pesquisa e concessão de lavra garimpeira também a terceiros em terras indígenas. A última movimentação do Projeto de Lei foi no dia 21/12/2022 no Plenário do Senado Federal, em Brasília, mas dificilmente deve ir para frente. O próprio presidente Lula indicou, em entrevista coletiva a veículos de mídia independente, que vai acabar com a autorização de pesquisa em TIs.
Em entrevista coletiva em Roraima, na terça-feira, o secretário especial da Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Ricardo Weibe Tapeba, falou sobre o aparelhamento político no serviço público de assistência à saúde do povo Yanomami. “O que a gente experimentou no Dsei [Distrito Especial de Saúde Indígena] Yanomami, nos últimos anos, foi um verdadeiro aparelhamento político, verdadeiras oligarquias políticas que detêm o poder aqui em Roraima”, afirmou.
Tapeba evitou citar nomes de agentes políticos do estado de Roraima que atuam em favor do garimpo ilegal. “Muitos desses políticos que estão envolvidos no aparelhamento do Dsei têm relação direta com o garimpo também. Têm investigações em curso pela Polícia Federal, inclusive, que, no final, vamos ter um desfecho muito grande e tenho certeza que muita gente vai estar sendo, inclusive, presa”, disse.
Pró-garimpo
Ao lado dos senadores Mecias de Jesus e Dr. Hiran, o governador Denarium defendeu a criação de um auxílio aos garimpeiros. “Temos que criar mecanismos para que (os garimpeiros) possam sair. Uma das ações é o desbloqueio do espaço aéreo. Criar novas áreas de mineração em cooperativas de garimpeiros, fazer um programa social fora de área indígena, lógico, em áreas do estado, para que eles possam deixar essas áreas e poderem trabalhar”, disse o governador. Na entrevista, ele disse que pretende criar programas sociais para os garimpeiros e, desta vez, evitou dizer que os Yanomami devem se aculturar. “Tem que preservar os nossos indígenas, com uma saúde melhor, uma educação de boa qualidade e dê a condição para que eles mantenham a sua cultura e as suas tradições.”
O desbloqueio do espaço aéreo está vigorando desde o meio-dia da segunda-feira (6), quando a Operação Escudo Yanomami, da Força Aérea Brasileira (FAB). Foram criados três corredores de voo para possibilitar a saída coordenada e espontânea dos garimpeiros. A FAB informou que as rotas permanecerão abertas até a próxima segunda-feira (13).
O fechamento do espaço aéreo na TIY foi feito por meio do Decreto Presidencial nº 11.405/2023, e passou a vigorar a partir das 0 hora do dia 1º de fevereiro, quando foi criada a chamada Zona de Identificação de Defesa Aérea (Zida). Porém, o transporte aéreo é uma das formas mais utilizadas pelos garimpeiros e mineradores dentro das TIs. Os garimpeiros que trabalham na base da cadeia não têm outra escolha a não ser a “varação”, que são caminhadas pela mata para sair da área indígena invadida.
A reabertura momentânea do espaço aéreo para que os garimpeiros pudessem sair dos territórios indígenas teria contado com a interlocução do próprio governador de Roraima junto ao governo federal, conforme confirmou a assessoria de Antonio Denarium à Amazônia Real. A reportagem tentou falar com o governador, mas, até a publicação desta reportagem, ainda não havia recebido um retorno sobre esse pedido.
“Não são bandidos”
O senador Dr. Hiran também falou em amenizar o “dano social” com a saída dos garimpeiros da TIY, pouco denotando preocupação com os Yanomami. “Nós temos que cuidar para que não tenhamos um dano social maior”, disse. “Esta é uma responsabilidade de todos nós, do ente federal, estadual e dos municípios que estão envolvidos e que sofrem com toda essa crise humanitária que nós já vivemos e que volto a dizer, não é de hoje. Nós temos garimpo no nosso estado há 80, 100 anos.” , disse.
Já o senador Chico Rodrigues chegou a gravar um vídeo sobre o tema. “É um momento de muita inquietação e preocupação em Roraima como um todo, considerando os nossos irmãos brasileiros e brasileiras, que são trabalhadores e trabalhadoras, não são bandidos, são trabalhadoras e trabalhadores que estão no garimpo tangidos pela necessidade de um ganho, de melhorar a sua vida, das suas famílias e que em função da decisão do governo federal tem que realmente se deslocarem da área”, afirmou.
No vídeo, ele afirma que é preciso garantir segurança tanto para eles saírem, sendo “retirados pelo aparato do Estado, seja de avião, seja de helicóptero”, quanto “não serem incriminados porque estavam naquela área”.
Ex-vice-líder do ex-presidente Jair Bolsonaro no Senado, Chico Rodrigues foi flagrado em operação da Polícia Federal, em 2020, com 33 mil reais na cueca. O dinheiro foi recolhido na casa do parlamentar e a operação da PF investigava um suposto esquema criminoso para desviar recursos públicos que deveriam ser utilizados para combater a pandemia do coronavírus. Agora, ele condenou a ação do governo Lula, afirmando que “não pode ser uma ação brusca como está sendo, neste início, sem olhar o lado humano, o lado do cidadão”.
A Amazônia Real tentou entrevistar os três senadores de Roraima, mais o deputado federal Jhonatan de Jesus. Os contatos foram feitos por telefone e também por e-mail. Até a publicação desta reportagem não obtivemos retorno de nenhum deles.
Desintrusão em duas fases
Na segunda-feira (6), o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, deu detalhes sobre o plano para a retirada dos garimpeiros da TIY. De acordo com Dino, a primeira fase, que já está em andamento, foi ancorada no fechamento do espaço aéreo e também no bloqueio do transporte fluvial. A estratégia foi interromper o abastecimento da rede criminosa.
A segunda fase da operação, prometida para esta semana, deve contar com a retirada dos remanescentes de forma coercitiva. “Estamos neste momento numa transição entre a fase 1 e a fase 2”, disse o ministro na ocasião. “Queremos que a desintrusão das terras indígenas ocorra em paz, sem conflitos”, completou o ministro, que estimou que pelo menos 80% do contingente de garimpeiros devem deixar o território indígena antes de começar a fase coercitiva. “O fluxo de saída de garimpeiros está na casa de milhares e vai aumentar”, assegurou.
“Nesta segunda fase, serão destruídos equipamentos e pistas de pouso clandestinas, além de prisões em flagrante dos invasores que insistirem em ocupar ilegalmente o espaço”, detalhou o ministro, que para as ações que começam esta semana, deve contar com apoio da PF, das Forças Armadas e da Força Nacional.
Mesmo deixando o território indígena de forma espontânea, os garimpeiros serão investigados pelos crimes cometidos, ao contrário do que defendeu o senador bolsonarista Chico Rodrigues. “Desejamos uma saída sem conflitos, mas isso não significa que quem sair pacificamente estará livre de responder por eventuais crimes cometidos”, ressaltou.
Condenado por desvios
Jhonatan de Jesus foi o deputado de Roraima mais votado na última eleição, com quase 20 mil votos. Em seu quarto mandato seguido na Câmara Federal, ele tem usado as emendas parlamentares para enviar recursos para a saúde de Roraima. Para conseguir o cargo vitalício no TCU, órgão responsável pela fiscalização do Orçamento e do patrimônio da União, Jhonatan tem procurado certa distância de ações pró-garimpo, ao contrário de seu pai.
Em 2022, Mecias de Jesus foi condenado pelo juiz Felipe Bouzada Flores Viana, da 2ª Vara da Justiça Federal em Roraima, no processo que ficou conhecido como o “Escândalo dos Gafanhotos”, ocorrido entre os anos de 1998 e 2002. Na época, um mega esquema de corrupção, em Roraima, teria desviado um valor superior a R$ 230 milhões em verbas públicas, utilizando mais de 5 mil servidores fantasmas. A operação denominada “Praga do Egito” foi deflagrada no ano de 2003.
Além de Mecias, que foi condenado a restituir 1.908.135,20 de reais aos cofres públicos, foi condenado também o ex-governador do estado, ex-governador Neudo Campos (Progressistas). Na época em que a operação aconteceu, Mecias era deputado estadual.Quando a decisão da Justiça foi divulgada (ainda cabe recurso), Mecias divulgou uma nota em sua defesa, que foi publicada na Folha de Boa Vista, dizendo que “a referida ação está em curso há mais de 18 anos, sendo que, nesse tempo, o Ministério Público nunca apresentou qualquer prova de que eu tenha participado, direta ou indiretamente, de algum ato ilícito. A sentença se baseia em meras suposições e em depoimentos vagos, todos de pessoas que, por diversas razões, gostariam de me imputar falsamente algum ato ilícito”, disse à época. (Colaborou Felipe Medeiros)