Google e Facebook fazem lobby com esquerda e direita para não dividir lucros com a mídia

Investida tenta impedir aprovação de projeto de lei nos EUA que obriga as empresas a compartilharem receita publicitária com sites de notícias.

Por , para The Intercept.

Ilustração: The Intercept/Getty Images, AP

A LEI DA CONCORRÊNCIA e Preservação do Jornalismo, apresentada por democratas e republicanos no Congresso dos EUA, seria a primeira proposta a desafiar de forma fundamental o modelo de negócios das gigantes que das redes sociais, forçando-as a dar às grandes organizações jornalísticas uma parte da sua receita publicitária.

Enquanto os legisladores consideram a possibilidade de anexar a medida aos pacotes de gastos do final do ano, o Google e a Meta – que comanda Facebook, Instagram e WhatsApp – estão despejando dinheiro em duas mensagens aparentemente contraditórias na busca por derrotar o projeto.

A estratégia joga com as preocupações à esquerda e à direita quanto às redes sociais: segundo a mensagem, a JCPA, como a lei é conhecida por sua sigla em inglês, é simultaneamente uma proposta apoiada por progressistas para “silenciar vozes conservadoras” e uma iniciativa da extrema direita que financiará vozes pró-Trump consideradas fonte de “perigosa desinformação”.

A retórica exagerada era parte de uma campanha maior para impedir qualquer proposta de compartilhar a receita publicitária, a principal fonte de renda das empresas de redes sociais e de mecanismos de busca. A mensagem destinada a orquestrar a oposição republicana à JCPA é patrocinada pela NetChoice, e a mensagem que busca levantar a oposição democrata à JCPA é apoiada pela Associação da Indústria de Computadores e Comunicações, ou CCIA na sigla em inglês. As duas organizações são financiadas por Google e Meta, e servem para influenciar os congressistas e a opinião pública em nome das preocupações compartilhadas pelas duas megacorporações.

No início de dezembro, vazaram relatos de que apoiadores da JCPA – incluindo os senadores Amy Klobuchar, uma democrata do Michigan, o republicano John Kennedy, da Louisiana, o democrata Cory Booker, de Nova Jersey, e o republicano Chuck Grassley, do Iowa – tinham convencido os líderes do Senado a incluir o texto como parte da Lei de Autorização da Defesa Nacional, ou NDAA na sigla em inglês, um projeto abrangente que financia as forças militares. O projeto de lei foi aprovado pelo Comitê de Justiça do Senado em setembro.

A investida lobista, até aqui, tem sido bem-sucedida. O texto bicameral da NDAA, publicado no último dia 6, não inclui a JCPA, uma mudança que demonstrou a influência do Vale do Silício sobre as lideranças do Congresso.

Embora o caminho para utilizar a NDAA pareça fechado, quem apoia a JCPA espera por um acordo em potencial que inclua a legislação no pacote de gastos que o Congresso vai discutir neste mês.

A JCPA, que teve como modelo uma nova lei australiana de 2021, proporcionaria uma isenção legal às regras antitruste, permitindo que os veículos de mídia negociassem coletivamente com as plataformas do Vale do Silício, em busca de uma fatia das receitas publicitárias que eles ajudam a gerar.

Os defensores argumentam que o domínio do Google e do Facebook sobre a indústria de publicidade online dizimou o modelo de negócios tradicional dos veículos de notícias. Enquanto as companhias de redes sociais têm lucros de bilhões de dólares, a indústria de notícias viu a destruição de mais de 70 publicações diárias e mais de 2 mil veículos semanais desde 2004. Uma pesquisa do Paw Research Center, feita antes da pandemia, descobriu que as redações americanas tinham fechado 30 mil postos de trabalho desde 2008, um número que provavelmente cresceu nos últimos dois anos.

O argumento em prol do JCPA também aponta para o relativo sucesso do modelo australiano, que levou à distribuição de 200 milhões de dólares australianos entre veículos de notícias. Muitas publicações, grandes e pequenas, relataram que obtiveram sucesso graças ao acordo, incluindo o The Guardian, que ampliou sua redação na Austrália em 50 jornalistas após negociar um acordo com as plataformas de redes sociais.

Um ponto de discórdia diz respeito a quais tipos de veículos se qualificariam para participar da negociação coletiva, e como essas negociações poderiam impactar o conteúdo editorial. Durante o debate do comitê do Senado a respeito do projeto de lei, o senador republicano Ted Cruz, do Texas, conseguiu acrescentar provisões de que “a isenção antitruste será apenas para discussões sobre valores, excluindo explicitamente quaisquer discussões ou acordos entre as gigantes de tecnologia e os veículos de mídia que digam respeito à moderação de conteúdo”, de acordo com um comunicado de seu gabinete.

A lei australiana permitiu negociações para veículos grandes e estabelecidos, e também para algumas editoras menores. Nelson Yap, editor do Australia Property Journal, observou em um e-mail ao Intercept que sua publicação pôde se juntar a um grupo de 24 pequenas editoras locais para negociar um acordo com o Google, o que ajudou seu veículo a expandir sua equipe de notícias. A Meta, no entanto, recusou-se a negociar com o grupo de pequenos editores australianos.

A indústria de tecnologia teme que o modelo australiano venha a se espalhar por outras partes do mundo. Um projeto de lei semelhante está sendo debatido no Canadá.

Além dos anúncios de televisão da NetChoice e da CCIA, a notícia de que o NDAA poderia incluir a lei de negociação com os veículos de notícias acendeu os alarmes em uma série de organizações de esquerda e direita financiadas pela indústria tecnológica, atacando o projeto como uma iniciativa equivocada.

A Câmara do Progresso, um grupo de comércio bancado por Google e Meta para influenciar progressistas, advertiu que a JCPA supostamente distribuiria sete vezes mais receitas aos veículos conservadores do que à mídia local. O Instituto R Street, que recebe financiamento do Google, apareceu no programa de rádio do Breitbart News para alertar que a JCPA só ajudará “grandes conglomerados de mídia” às custas de pequenos veículos conservadores.

Uma carta divulgada no dia 5 por organizações financiadas por empresas de tecnologia, incluindo a NetChoice, o Instituto Copia e a Câmara do Progresso, afirmou que a JCPA vai “aumentar a quantidade de desinformação, discurso de ódio e assédio em rede”.

“Eu acho que é muito astroturf”, disse Jon Schweppe, diretor de política e assuntos governamentais do Projeto Princípios Americanos, um grupo de vigilância de direita que adverte contra a influência da indústria tecnológica. “Esses caras, as grandes empresas de tecnologia, são brilhantes em fazer discurso duplo para os dois lados ao mesmo tempo”.

ANDY STONE, um porta-voz da Meta, disse em uma declaração escrita que sua empresa seria “forçada a considerar a remoção de notícias” do Instagram e do Facebook em vez de se submeter a negociações de receita com editores de notícias.

A ameaça repete o debate em torno da lei australiana. Na época em que ela era discutida, o Google alegou que a proposta da Austrália “quebraria” seu serviço de busca, e o Facebook também ameaçou sair do país e banir links para sites de notícia australianos. O Google alegou até mesmo que a proposta “poderia levar a que seus dados fossem entregues a grandes empresas de notícias”.

No fim, a indústria da tecnologia recuou. Após uma breve suspensão, o Facebook voltou à Austrália e, juntamente com o Google, participou de negociações com os editores.

“Como estamos vendo com a JCPA, a Austrália também viveu uma grande propaganda das gigantes de tecnologia contra sua lei de negociação com a mídia”, disse Emma McDonald, assessora sênior de políticas da Fundação Minderoo, uma organização filantrópica australiana que apoiou a lei.

“Facebook e Google têm tirado proveito de graça dos veículos de mídia há anos. A legislação aborda o desequilíbrio nas negociações e faz as gigantes de tecnologia pagarem sua parte”, acrescentou McDonald. “A lei tem funcionado na Austrália e não há razão para não funcionar nos EUA. As pequenas publicações negociaram coletivamente com o Google e conseguiram um bom acordo”.

Tradução: Maíra Santos

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