Por Igor Carvalho.
Nos últimos 114 dias, desde a confirmação do primeiro caso de coronavírus no Brasil, a Fundação Nacional do Índio (Funai) gastou apenas R$ 6,6 milhões em medidas para proteger a população indígena da doença. O valor corresponde a 1,18% do orçamento anual da entidade, que é de R$ 507 milhões. Os dados foram obtidos pelo Brasil de Fato via Lei de Acesso à Informação (LAI).
O investimento per capita, se o valor for dividido pelos 800 mil indígenas que vivem no país, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de R$ 8,35. Isso significa que no período da pandemia, cada indígena recebeu R$ 0,07 por dia da Funai. O valor foi criticado por algumas das principais entidades que defendem os direitos dos povos originários.
Luiz Eloy Terena, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), afirmou que a entidade recebeu a notícia com pesar, mas “não com surpresa”. “É a constatação dessa política genocida, especialmente em relação aos povos indígenas, que está sendo implementada no âmbito do governo Bolsonaro, que é um governo declaradamente de anti-indígena.”
A Apib mantém uma plataforma online que produz, diariamente, um boletim epidemiológico que traz dados referentes à proliferação da covid-19 nas aldeias. De acordo com os números da entidade, da última quinta-feira (18), são 6.093 indígenas contaminados com coronavírus e 301 óbitos.
Para o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Antônio Eduardo Cerqueira, o governo é responsável pelas mortes entre os povos originários e poderia ter evitado esses óbitos com investimentos que freassem o acesso de não-indígenas nas aldeias.
“Uma das coisas que achamos fundamental é a proteção dos territórios, era justamente ajudar os indígenas que estavam estabelecendo as barreiras sanitárias e ao mesmo estabelecer maior fiscalização, para impedir invasão aos territórios. Isso não foi feito”, argumenta Cerqueira.
Em abril, o governo federal publicou a Medida Provisória 942, que determinou o envio de R$ 10,8 milhões à Funai para investimento na prevenção e combate ao coronavírus dentro das aldeias.
Ana Lúcia Pontes, coordenadora do Grupo Técnico de Saúde Indígena (GTSI) da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), lamenta a fragilidade da Funai durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido)
“As instituições indigenistas vinham, desde o ano passado, particularmente a Funai, num processo de desmonte e enfraquecimento, com cortes orçamentários, diminuição de suas estruturas, que iriam comprometer a atuação regular do órgão”, explica Pontes.
Cestas básicas
Os recursos utilizados pela Funai não seriam para medidas como tratamento e assistência médica. Para essa finalidade, existe a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde, que atende aos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs).
De acordo com o portal Transparência Brasil, R$ 3,9 milhões, ou 59% dos R$ 6,6 milhões, foram gastos com cestas básicas; R$ 1,4 milhões com combustível e lubrificante para os carros da Funai; R$ 534 mil com produtos de higiene e limpeza; R$ 124 mil para peças de reposição e apenas R$ 65 mil em equipamentos de proteção.
Cerqueira, secretário do Cimi, reconhece a importância das cestas básicas, mas critica a demora da medida. “Com relação à alimentação, ela chegou tarde. Quando chegou, o coronavírus já estava instalado nas aldeias e boa parte dos indígenas tiveram que sair para buscar essa ajuda fora”, lamentou.
Eloy Terena lamentou a falta de investimento em estrutura e insiste que a Funai poderia utilizar mais recursos com outras finalidades, “que devem ser a preocupação da entidade”. “Poderiam colocar bloqueios nas terras com presença de índios isolados, combater o garimpo e desmatamento ilegal e perfurar poços nas áreas que não tem acesso a água, especialmente nos territórios dos povos Guarani e Kaiowá.”
A Funai informou que além dos R$ 6,6 milhões já investidos, outros R$ 16,5 já foram liberados e serão utilizados pelo órgão para combater o coronavírus, totalizando R$ 23 milhões em recursos. Porém, a entidade não precisou o prazo que utilizará para aplicar o valor nas aldeias.
Procurada para comentar os dados, a Funai não respondeu até a publicação desta matéria.
Edição: Rodrigo Chagas