Por Marana Borges
Apesar do clima de “déjà vu”, com Emmanuel Macron (centro-direita) e Marine Le Pen (extrema direita) de novo disputando o segundo turno das presidenciais francesas, o jogo de forças agora é outro.
Em 2017, Le Pen, então única voz potente do extremismo anti-imigração, aproveitando a onda do Brexit, defendia a saída do euro com conhecimentos amadores de economia, o que lhe custou credibilidade nos debates televisivos.
Já Macron era novidade e, apesar do discurso liberal, no segundo turno atraiu metade dos eleitores do esquerdista Jean-Luc Mélenchon, em uma frente de voto útil contra Le Pen. O resultado final foi de 66% para Macron contra 33% para a rival.
Desta vez, a margem de Macron é mais estreita, com as projeções de um segundo turno mais acirrado. Além disso, na transferência de votos de Mélenchon (21,95% do total), Le Pen ganharia fôlego em relação a 2017, e poderá receber 20% dos votos do esquerdista (em 2017, ela se beneficiou de 10% desse eleitorado).
Macron hoje conta com 34% dos votos entre o eleitorado de Mélenchon, segundo a sondagem da Ipsos, perante 52% em 2017. Os votantes do líder da França Insubmissa, por isso, terão as eleições francesas em suas mãos.
Mélenchon orientou seus eleitores a não votarem em Le Pen, mas não declarou voto em Macron. Outras forças progressistas apoiaram o atual presidente (ecologistas, comunistas e socialistas), mas, somadas, não chegam a 10% do eleitorado. Macron, camaleônico, já se lança para ganhar terreno entre os “melenchonistas”, mas não parece disposto a comprometer pilares de seu programa – como a polêmica reforma da previdência.
Contra Macron, pesa ressentimento social,…
Apesar de o atual presidente ter alcançado quase 28% dos votos neste domingo (contra 23,4% de Le Pen), pesa contra ele um profundo ressentimento social. Depois de cinco anos no poder, sua orientação liberal deixou um gosto amargo na classe média e aposentados mais modestos, e o afastou claramente do eleitorado de esquerda.
A insatisfação dos “coletes amarelos” com a desigualdade social não se dissipou, e outros movimentos abasteceram a fúria antimacronista, como os antivacina e antipassaporte vacinal.
Mesmo as múltiplas ajudas (e endividamento) do Estado destinadas aos trabalhadores e às empresas para conter os efeitos da pandemia e a inflação em alta são vistas como uma exceção de percurso. Na memória, estão frescas a diminuição de impostos para empresas e o recente escândalo sobre os serviços prestados ao Estado pela consultoria norte-americana McKinsey.
… enquanto Le Pen fala de economia
De outro lado, Le Pen colocou no centro da campanha o poder de compra. Em uma França com inflação crescente (4%), foi uma aposta bem sucedida, especialmente entre as classes menos favorecidas, como a dos operários.
Ela também se beneficiou de Éric Zémmour. O novo candidato xenófobo monopolizou o debate ao empunhar bandeiras polêmicas contra a imigração (como a expulsão de 1 milhão de estrangeiros), sem que Le Pen tivesse de o fazer ostensivamente. O resultado é que a candidata do Rassemblement National passou a ter uma imagem mais “moderada” – mesmo se seu programa prevê a proibição do uso de véu nas ruas, sob pena de multa, no país da União Europeia com maior população muçulmana.
Perante esse cenário, o atual presidente precisará realizar uma campanha no terreno, algo que não vinha fazendo, em parte, pelo seu ativo papel de intermediação na guerra da Ucrânia.
Em seu primeiro deslocamento após o primeiro turno, ele escolheu a pequena população de Denain, no norte desindustrializado da França, onde Le Pen ganhou com folga (41,6%), seguida de Mélenchon (28,5%). Ali, teve de defender sua medida mais impopular: o aumento da idade mínima de aposentadoria de 62 para 65 anos. Resta saber se a proposta será convincente.
Leia mais:
“É uma luta comunitária garantir praias livres” diz Marquito sobre PL 4.444/2021