Fórum: Áudios mostram que ‘contaminação’ no GSI permanece e Lula e Dino são alvos

Fórum teve acesso a diálogos de agentes que espalham narrativa bolsonarista do 8 de janeiro, objetivando minar governo do PT. Fonte da PF no Planalto relata “dissonância incurável”

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por Henrique Rodrigues, Revista Fórum.

A ‘contaminação’ do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI) por bolsonaristas, que prevaleceu durante todo o período do governo anterior, segue existindo e tornou-se um problema para a gestão atual do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). É o que revelam áudios com diálogos entre agentes do órgão obtidos com exclusividade pela Fórum, nos quais os militares propagam abertamente a versão pouco verossímil de que os ataques terroristas de 8 de janeiro, levados a cabo por seguidores extremistas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que destruíram as sedes dos três poderes da República, seriam responsabilidade, “na verdade”, de Lula e de seu ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino.

Diante da acusação grave feita por esses servidores, o Ministério da Justiça e Segurança Pública respondeu à reportagem da Fórum informando que todos os acontecimentos na esteira da dinâmica dos atos terroristas de 8 de janeiro só ocorreram pelo não cumprimento, da parte da Secretaria de Segurança Pública do DF, subordinada ao GDF, de suas funções institucionais, uma vez que a Polícia Militar do DF não agiu conforme deveria. Ao final da matéria, leia a íntegra da nota do MJSP.

Os trechos dos áudios serão transcritos, já que várias pessoas estão nos diálogos e a intenção não é colocar em risco cidadãos que não estejam envolvidos com o teor do que é dito e, tampouco, expor a fonte que encaminhou o material à nossa redação. As identidades funcionais dos declarantes foram confirmadas pela reportagem.

As recentes divulgações de reportagens sobre uma suposta inação e conivência do atual governo com as ações criminosas dos bolsonaristas, imputadas diretamente a Dino, e por consequência a Lula, que teriam vindo à tona por meio de supostos relatórios do GSI, que sequer tiveram sua existência comprovada, ganharam ainda mais dimensão nos últimos dias após o senador Marcos do Val (Podemos-ES) “brilhar” na imprensa com uma história confusa e com pelo menos quatro versões diferentes sobre uma “tentativa de grampear” o ministro Alexandre de Moraes, do STF, na qual estariam participando das conversas o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ). Do Val aproveitou os holofotes para emplacar a narrativa da “responsabilidade” do atual governo pela selvageria provocada inequivocamente por militantes bolsonaristas, exigindo a partir daí uma CPI para fustigar o mandato petista no Palácio do Planalto que sequer começou.

Áudio 1

Numa das conversas, um agente, que é militar do Exército Brasileiro, atualmente lotado na Secretaria de Assuntos de Defesa e Segurança Nacional da Presidência da República, instalada dentro do GSI, dispara uma série de acusações contra o ministro Flávio Dino, reproduzindo as acusações que o senador Marcos do Val e os grupos bolsonaristas reverberaram esta semana, ignorando totalmente a ação dos terroristas, assumidamente seguidores do ex-presidente de extrema-direita. Leia o trecho do áudio 1.

“Se eles (governo atual, de Lula) tivessem decretado GLO, eles (terroristas) não tinham chegado nem no STF… Eles (Ministério da Justiça) até desmobilizaram a tropa adicional do Palácio do Planalto, do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP), e ainda avisaram o general Dutra, do Comando Militar do Planalto (CMP), que não precisava de mais gente, aí eles desmobilizaram a tropa, não tinha ninguém… Só tinha mesmo a tropa do contingente que protege o Setor Militar Urbano, da Polícia do Exército”, diz o agente do GSI, que é confrontado por um interlocutor. O homem que dialoga com o militar diz, no mesmo áudio 1, que não há evidências de que tais fatos tenham ocorrido, mas o agente segue com as acusações que replicam a tese bolsonarista que busca tirar a responsabilidade dos atos das costas do ex-presidente e jogá-la na do atual.

“O comandante do BGP, quando dá uma merda dessa, a gente tem o plano de chamada e aí é questão de chamar e correr… Sai ligando pra todo mundo, ‘volta agora e não sei o que’, e os caras ainda conseguiram mobilizar uns 40, porque até todo mundo vir, demora, porque tem gente que mora longe e tem que se equipar, mas se a gente tivesse de sobreaviso, aí a coisa tinha sido outra… Não tinha ninguém, meu amigo… Tava só o efetivo reduzido da segurança aqui do GSI, porque o Ministério da Justiça não considerou isso aí, o informe do GSI e da Abin”, insiste o servidor do órgão de Inteligência.

A teoria que procura colocar Flávio Dino e Lula, assim como todo o bojo do governo do PT, na cena do crime praticado por seguidores de Jair Bolsonaro parece ter dificuldade de se manter de pé. Chefe do Comando Militar do Planalto no dia dos trágicos fatos, o general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, enviou ao Ministério Público Militar (MPM) um relatório no qual afirma que todo o planejamento de segurança relacionado ao dia 8 de janeiro foi realizado em consonância com os documentos do GSI que analisaram os riscos naquele momento. O cenário apontado pelo órgão foi de “normalidade” e que, portanto, “não havia necessidade de reforço preventivo para evitar os ataques e depredação”. Um detalhe: o Comando Militar do Planalto é a divisão do Exército responsável pelo Batalhão da Guarda Presidencial (BGP), sobre o qual o agente do GSI atribuiu responsabilidade a Dino, um ministro civil da pasta da Justiça.

“O Anderson Torres, acusaram ele de prevaricação, dizendo que eles não ligaram pro Dino e tal, mas assim, o Ibaneis tava lá na dele, e o Anderson Torres viajando no exterior, mas o Flávio Dino não fez o que tinha que fazer… Aí quebraram o sigilo do Torres e o Ibaneis entregou o telefone dele… Agora, tá lá, 32 ligações feitas pelo Ibaneis e 24 ligações feitas pelo Anderson Torres, e eles falam com o Dino… Aí, o que tá claro é que ele (Flávio Dino) não deu uma assistência eficaz pro presidente”, continua o agente do GSI no áudio 1.

O interlocutor lembra o militar que, segundo documentos enviados pelo próprio comandante do CMP, o GSI só solicitou um aumento da segurança na área do Palácio do Planalto quando os terroristas iniciaram um “comportamento hostil nas proximidades da Esplanada dos Ministérios”, minutos antes da quebradeira, o que refutaria a tese de que o Gabinete de Segurança Institucional alardeava um perigo maior dias antes do acontecimento. De nada adianta, a tese do agente do GSI, então, passa a ser a intervenção federal decretada na Segurança Pública do Distrito Federal logo após a cessão dos ataques.

“Quem orientou o presidente a decretar intervenção federal, que deveria ser posterior a uma GLO? O Flávio Dino… A PM precisou deslocar gente lá, gente que tava de folga, no plano de chamada deles… Eles ignoraram o documento, eles não levaram aquilo adiante… Era só ele falar assim ‘ó, mantém… Não precisa vir agora, não, mas mantém a tropa aí de prontidão…’ Eles não fizeram nada, mas era só ter ouvido o GSI”, reafirma.

Na sequência, num claro discurso de criminalização do atual governo federal, reforçando a retórica bolsonarista, o agente critica, ainda no áudio 1, a intervenção e a nomeação do secretário-Executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, para a função de interventor federal, endossando ainda a “autonomia” dos militares, que comprovadamente auxiliaram bolsonaristas a se evadirem do acampamento golpista da porta do QG do Exército na madrugada do dia 9, antes do cumprimento da determinação judicial do ministro Alexandre de Moraes para pôr abaixo o aglomerado ilegal que reunia radicais numa área militar.

“Quando ele decreta intervenção, qual é a primeira atitude do interventor, que não tem experiência nenhuma com a coisa? Vai lá e ‘cata’ a PM e manda pro Setor Militar Urbano pra tirar o acampamento… Não pode, meu irmão! Não pode! Como é que você vai entrar num setor militar, numa área federal assim? O pessoal do GSI deixou claro que não era pra fazer isso”, diz o agente.

Áudio 2

Um outro funcionário do GSI atual, lotado na Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial, no áudio 2, segue na mesma linha de “demonização” do PT, procurando dirigir a responsabilidade dos crimes de 8 de janeiro a Dino e ao governo Lula. Ele vai numa toada idêntica à do colega e ainda passa a atacar a ex-presidenta Dilma Rousseff.

“Vê aí, ó… A Dilma, aquela anta de merda, vai assumir os Brics (na verdade, o banco dos Brics) lá”, diz o segundo militar.

Áudio 3

A coisa não para por aí e mais gente quer falar sobre a tal “responsabilidade do Dino e do governo do PT” na arruaça eivada de crimes dos seguidores de Jair Bolsonaro colocada em prática nos primeiros dias do ano. Um terceiro agente, também servidor da Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial, no áudio 3, engrossa a tese que versa sobre a tal culpa do ministro Dino e do Partido dos Trabalhadores.

“Um monte de informes foram emitidos pelo GSI pra Casa Civil e pro Ministério da Justiça… O responsável por aquilo lá foi o Flávio Dino, até porque o Anderson Torres e o Ibaneis avisaram o governo federal”, afirma o agente do GSI, ignorando o fato de que o governo do Distrito Federal é parte central do esquema de segurança da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes, mantendo inclusive um batalhão com mais de 300 homens apenas com essa finalidade.

Fonte da Fórum, servidor da PF no Planalto

Fórum ouviu também uma fonte da Polícia Federal que é lotada no Palácio do Planalto desde o governo de Jair Bolsonaro e que fez revelações em primeira mão, ainda em dezembro de 2022, sobre as ações golpistas do GSI então comandado pelo general Augusto Heleno. De acordo com esse servidor, o quadro de “contaminação” do órgão “segue praticamente o mesmo” e o discurso que busca colocar a culpa em Flávio Dino, Lula e na atual gestão pelos atos terroristas de 8 de janeiro, de fato, estão cada vez mais disseminados entre esses agentes.

“A narrativa que tem se proliferado em quem é do GSI é exatamente essa, de que há um documento interno, do dia 3 de janeiro, emitido para a Casa Civil informando que haveria manifestações hostis em Brasília. O fato é que o GSI segue profundamente bolsonarista. Por mais que muitos tenham saído de suas funções e hoje estejam fora, na verdade esse parece ser um problema do Exército, que forma a imensa maioria desse contingente do GSI. Não foi possível acabar com essa contaminação e o que se vê todo dia é que esses caras odeiam o governo atual e o PT. Sinceramente, eu diria que já não sei mais o que seria preciso fazer pra acabar com isso. Seguem fortes essas narrativas e esse golpismo, com os caras agora querendo ir lá no Congresso, numa comissão, que é uma comissão de Inteligência, que esse senador aí (Marcos do Val) vem falando, e que precisa abrir pra puxar todas as informações e quebrar sigilos para reverter o óbvio, criar um fato… Aliás, um fato irreal, do mundo paralelo, de que o governo atual é o responsável por aquilo que todo mundo viu quem fez. Essa contaminação do GSI já é uma espécie de dissonância incurável”, revela o servidor da PF.

Fórum tentou contato com a assessoria de imprensa Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, mas até o momento da publicação da reportagem não recebeu retorno. Já o Ministério da Justiça e Segurança Pública, como dito no início do texto, se manifestou refutando as acusações. Confira a íntegra da resposta:

“O Ministério da Justiça e Segurança Pública reitera que é de responsabilidade do Governo do Distrito Federal (GDF) garantir a segurança da Praça dos Três Poderes e que oficiou GDF sobre a necessidade de fechamento da Esplanada. Informa, em adição, que a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal elaborou um plano de segurança a ser executado no 8 de janeiro e que este não foi cumprido pelas forças policiais, resultando na intervenção federal na SSP.”

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