Por Leonardo Fernandes.
A paralisação dos caminhoneiros chegou ao seu nono dia ignorando as propostas feitas pelo Governo Federal para atender às reivindicações da categoria. O descumprimento do acordo revela uma forte ausência de representatividade das entidades de classe.
Larissa Jacheta Riberti é doutora em história pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e colabora há seis anos com o portal Chico da Boleia, que discute assuntos relacionados aos caminhoneiros e caminhoneiras do país.
Em entrevista ao Brasil de Fato, ela fala sobre a complexidade da categoria, as acusações de loucaute (quando a empresa promove a greve por interesses próprios, no caso, as transportadoras) e a política de preços da Petrobras, principal responsável pela atual crise, segundo a historiadora.
Leia a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Como você analisa essa greve dos caminhoneiros que já dura uma semana?
Larissa Jacheta: Essa paralisação tem vários aspectos. O primeiro deles é a negociação que a CNTA estava fazendo com o governo para a redução do preço do combustível. No dia 15 de maio, foi divulgada uma nota que havia sido encaminhada ao governo federal pedindo o atendimento de duas demandas urgentes: uma delas era em relação ao preço dos combustíveis, e a outra tinha a ver com a cobrança de pedágios de eixos suspensos nas rodovias. Essa é uma reivindicação dos caminhoneiros há anos, pois nas rodovias estaduais ainda é cobrado o pedágio sobre o eixo suspenso. Uma medida que já havia sido adotada nas rodovias federais, mas que nas rodovias estaduais ainda está sendo praticado.
Existia uma insatisfação generalizada com relação ao preço dos combustíveis e isso era notado nas queixas que os caminhoneiros apresentavam no portal onde eu trabalho. E no dia 15, quando a CNTA encaminhou o ofício ao governo federal, ela disse que, caso não fossem atendidas as exigências, uma paralisação de caminhoneiros seria realizada no dia 21. Foi feita a paralisação de fato, mas para além da convocação da CNTA, a mobilização aconteceu de maneira espontânea, através do whatsapp, através do rádio, através das redes sociais.
E já no dia 21, antes da paralisação determinada pela CNTA, muitos focos de bloqueio já estavam acontecendo no país. Então o que sabemos agora é que, formalmente, a CNTA convocou a paralisação, mas não necessariamente os caminhoneiros que se mobilizaram estavam respondendo à convocação da CNTA.
Muita gente não entende como funciona a categoria dos caminhoneiros. Como funcionam essas representações?
É um universo muito complicado. Primeiro que os sindicatos de caminhoneiros autônomos, os pequenos sindicatos, estão distribuídos de maneira geográfica. Então os caminhoneiros são atendidos pelo sindicato da sua região geográfica. O caminhoneiro vive viajando, mas o registro nacional do trasportador rodoviário de cargas dele diz que o endereço dele é em tal cidade. Então o sindicato que representa esse trabalhador é o sindicato daquela região onde está localizada a cidade.
Existe então uma série de sindicatos de caminhoneiros autônomos e tem também os outros sindicatos, que são patronais, sindicatos muito fortes, que contam com poder econômico maior, influências políticas e com poder de barganha muito maior com o governo. Esses sindicatos de caminhoneiros autônomos estão envolvidos na greve, como a própria CNTA, como a Abcam, a Unicam.
Mas pelo visto os caminhoneiros não se submetem às decisões das entidades, verdade?
Então há um grande problema de representatividade, e que nos mostra a fragilidade da própria organização da categoria enquanto classe. Então você tem uma categoria de caminhoneiros autônomos que é de quase um milhão de trabalhadores, que não responde a um sindicato único, que não reconhece determinadas lideranças, mas que tampouco tem contado com lideranças alternativas, com sindicatos que possam de fato representar esses interesses numa mesa de negociação com o governo federal.
Essa negociação vai precisar ser feita em algum momento. A não ser que seja feita com base no diálogo público. Então, não existe uma representação única, não existe uma pauta homogênea, não existem reivindicações que estejam sendo formalizadas pelos caminhoneiros.
Claro, estão pedindo uma redução no preço do diesel, a não cobrança de pedágio do eixo suspenso, dentre outras questões como tabela de frente, melhoria das condições de trabalho, e sobretudo um acordo que gere compromissos do governo, mas eles não têm uma representação de fato. Os sindicatos estão em Brasília negociando, mas daí aos caminhoneiros reconhecerem esse tipo de negociação, já é outra história.
E sobre as acusações de locaute, o que você tem a dizer?
Hoje eu conversei com alguns caminhoneiros que estão no Paraná, em São Paulo. Eles ficam inclusive muito indignados com a leitura de que há um interesse patronal na mobilização deles, e de que a greve deles é um locaute. Claro, existe um interesse das transportadoras de redução do preço dos combustíveis porque isso incide diretamente no custo de produção deles. E é por isso que eles colocaram os seus sindicatos para negociar com o governo federal.
Mas a grande resposta do movimento, que tem um caráter autônomo, de rejeição a essas lideranças tradicionais, foi exatamente o não cumprimento do acordo. Eles estavam sendo taxados de estarem participando de um locaute, mas depois da realização do acordo na quinta-feira [24/5], os sindicatos aceitaram, mas os caminhoneiros não desocuparam as rodovias, não desmobilizaram.
Mas essa é uma pauta de interesse dos patrões?
É claro que a pauta deles pode ser apropriada porque todos querem a redução do combustível, não só o caminhoneiro autônomo. A empresa quer, o cidadão quer, a pessoa que tem um carro quer. Então, é claro que há convergência de pautas, mas daí a ser caracterizado com o um locaute pura e simplesmente, eu acho muito complicado.
Essa é uma categoria muito complexa, que vem sendo esquecida inclusive pelos setores de esquerda nos últimos anos e isso reflete no isolamento da categoria nesse momento, não é uma categoria que conta com um sindicato que leve adiante suas demandas. Então eu tenho tentado avaliar levando em conta toda essa complexidade.
Na sua opinião, qual é a origem dos problemas apontados pelos caminhoneiros?
A Petrobras está sendo acusada há algum tempo, não necessariamente pelos caminhoneiros, mas o Sindipetro, a Associação de Engenheiros da Petrobras e pelos trabalhadores de maneira geral, inclusive por alguns economistas, de ser a responsável direta pelo aumento dos preços dos combustíveis.
Em resposta, a Petrobras divulgou recentemente uma descrição da composição do preço dos combustíveis. E nessa lista, ela deixa evidente que o grande problema do preço dos combustíveis não é o barril de petróleo, não é a produção, e sim a tributação que incide sobre esses produtos. Dessa maneira, a Petrobras enquanto empresa principal de produção dos derivados do petróleo, procura se defender, dizendo que existem outros fatores que favorecem a subida dos preços dos combustíveis.
No entanto, a gente tem conversado com economistas, com o pessoal da Associação dos Engenheiros da Petrobras, com os membros do Sindipetro, e há uma percepção geral de que o grande problema do preço dos combustíveis no país é a nova política de preços praticada pela Petrobras.
Então desde o ano passado, o Pedro Parente, atual presidente da Petrobras optou por uma nova política de preços que atrela os preços dos combustíveis no Brasil ao mercado internacional. Essa nova política, obviamente, contou com o aval do presidente Michel Temer, e a partir desse momento, o governo brasileiro não tema mais garantido o controle dos preços dos combustíveis no Brasil.
Muitos defendem o fim de impostos como mecanismo de redução dos preços. Mas não se trata disso?
Em grande medida, o brasileiro médio, os empresários, a grande imprensa, tem aplicado uma percepção de que os impostos são o grande problema do país. E que o que vai colocar o país outra vez nos trilhos é o estado mínimo. Ora, se o estado mínimo fosse colocar o Brasil nos trilhos, os preços não teriam chegado onde chegaram. Porque só chegaram [neste patamar] porque o estado não tem mais o controle sobre os preços [o que é a lógica do livre mercado defendida no conceito de estado mínimo].