Por José Álvaro de Lima Cardoso.
O que o País conseguiu avançar nos governos progressistas, pouco em face das muitas necessidades, foi liquidado em pouco mais de dois anos. As políticas implementadas pelo golpe prejudicam principalmente os mais pobres, que dependem mais diretamente das ações desenvolvidas pelo Estado (por exemplo, a retirada recente de 1,5 milhão de beneficiários do Bolsa Família). Porém, políticas de destruição da renda e do mercado consumidor interno, como estão fazendo, contrariam os interesses de, pelo menos, 99% da população. Ou seja, tais políticas não afetam apenas a maioria esmagadora da população que vive do seu trabalho, mas também os de pequenos e médios empresários, cujos produtos se destinam essencialmente ao mercado consumidor interno.
A incapacidade de reagir eficazmente aos ataques, por parte da população que vem sendo vitimada, não é apenas um problema de fraqueza ou indisposição para uma luta mais vigorosa. É que, dentre os motivos para a insuficiente mobilização, está também o fato de que o inimigo, que comanda o processo, é muito poderoso. Além disso, está operando numa situação de extrema gravidade, isto é, a mais aguda crise da história do sistema capitalista mundial. Esses fatos, somados, dificultam muito uma reação vigorosa, à altura da magnitude dos ataques que os direitos dos trabalhadores vêm sofrendo.
Possivelmente em função da dramaticidade dos acontecimentos, e das dificuldades de se fazer análises mais precisas dos cenários econômicos, boa parte da população está depositando quase todas as suas fichas na “magia” das eleições. É como se as eleições, por um processo de encantamento, fossem interromper todos os ataques que os trabalhadores estão sofrendo, e começar imediatamente após o pleito, a reverter a situação de desemprego, queda da renda, e precarização que acomete boa parte da população.
Para essa interpretação da conjuntura, um presidente eleito todo poderoso, do campo progressista, irá resgatar a CLT, devolver o pré-sal ao povo brasileiro, recuperar a Petrobrás, revogar a Emenda 95, reestruturar as políticas sociais do governo e interromper as negociações para entregar o Aquífero Guarani. Tudo isso de forma rápida, e mágica, devolvendo a alegria ao povo, surrupiada pelo golpe. A história mostra que, em política, sempre se prefere o caminho mais fácil. Para as pessoas que estão vivendo uma espécie de pesadelo no Brasil, seria muito mais fácil mudar a realidade com o simples ato de se dirigir às urnas e votar.
Conforme se sabe – e os últimos anos têm mostrado isso com muita clareza – o caminho da mobilização, da luta, de remar contra a correnteza, é muito duro, muito difícil. É muito mais tranquilo ir votar do que participar de infindáveis manifestações, reuniões do sindicato, passeatas, as quais também não têm nenhuma garantia de que irão resolver os problemas no curto ou médio prazos. Porém, o fato é que a visão romântica, que prevê um final feliz sem muita luta, não se sustenta quando se analisa os acontecimentos de forma mais fria.
A gravidade da situação, tanto no Brasil, quanto na vizinhança latino-americana, exige muito mais cautela e senso de realidade. Os trabalhadores brasileiros vêm apanhando como nunca nos últimos dois anos, decorrência direta do golpe, que foi perpetrado para retirar direitos, entregar riquezas, e o que restou da soberania nacional.
É muita ingenuidade imaginar que esta operação continental, extremamente complexa e perigosa, será abandonada simplesmente em função de um suposto respeito ao desejo popular nas eleições. Este seria um enredo que destoaria do que aconteceu no Brasil nos últimos anos.
Recentemente o comandante das forças armadas, general Villas Boas, declarou (de forma ilegal), que em face dos últimos acontecimentos, é possível que o resultado das eleições possa ter a sua legitimidade questionada. As declarações de outro general também da cúpula militar, Mourão, são ainda mais reveladoras do que estão dispostos a fazer para garantir o controle do processo político. Ou seja, em face de um eventual resultado desfavorável (para eles) nas eleições, não está descartada a possibilidade de intervenção militar. Há fortes indicações de que a estratégia principal dos golpistas é aproveitar o processo eleitoral para institucionalizar o golpe, como ocorreu em outros países da América Latina, recentemente. Se esta estratégia malograr, não descartam outras possibilidades, como a do golpe militar.
O processo eleitoral, por sua vez, está muito sob controle dos estrategistas do golpe, que tentam conduzir para os resultados que desejam, intento para o qual contam com muitos recursos (aparato legal, grande mídia, instituições). Além disso, por mais róseo que seja o resultado eleitoral para os trabalhadores (o que será muito difícil), o presidente vai precisar governar. Quem garante que, eleito um presidente que queira desfazer o estrago que fizeram em dois anos, não irão repetir o roteiro que implementaram a partir do resultado eleitoral adverso de 2014?
Tudo indica que, passado o processo eleitoral, irão tentar aprofundar as medidas do golpe, terminando o “serviço” que ainda está incompleto (destruição da Previdência Social, privatização da Eletrobrás, dos Correios, Banco do Brasil e CEF, etc.). No atual cenário, extremamente nebuloso, é muito difícil prever que rumos irá tomar a conjuntura nacional. Por isso, o reforço da mobilização sindical, o debate permanente com os trabalhadores, as campanhas de sindicalização e o permanente trabalho de base, são ações e políticas que podem melhorar a correlação de forças em qualquer conjuntura. A hora é de fortalecer ainda mais as trincheiras e dobrar a resistência.
José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.