Por Rafael Guimarães, de Ilhéus, para Desacato.info.
Revisado por Elissandro Santana.
Sou artista e professor de um curso de Artes no Ensino Superior público. Neste ano, fui docente de um componente curricular sobre arte e periferia. Ao longo do componente, com a turma, já que não costumo fazer nada que não seja coletivamente acordado, decidimos fazer um debate inicial a partir do livro “Arte inimiga do povo”, de Roger L. Taylor. As teses do livro, partindo de uma concepção marxista, indicam como as instituições artísticas e as artes estão longe de refletir as questões da cultura popular, haja vista que se encontram afastadas das necessidades das camadas sociais menos favorecidas economicamente.
Como poderíamos resolver isso? Pergunta um aluno. Resolver, talvez a gente não resolva, mas a gente poderia conhecer artistas de nossas periferias mais próximas, perguntar a eles/as como pensam isso nos seus fazeres artísticos, aponta outra aluna. Pois então, desde uma ideia inicial de nos aproximarmos para (re)conhecermos o trabalho de artistas da periferia do Litoral Sul da Bahia, e, em especial, das/os que trabalham com a cultura hip hop, acabou surgindo a ideia de um Festival.
Festival, não! Disse outro. Uma ocupação! Eu propus invasão, porque gosto da subversão desse termo, mas fui refutado! No lastro das ocupações, iríamos criar um Coletivo de produção e fizemos, em maio deste ano, a I Ocupação Hip Hop. Um trabalho difícil, cheio de negociações com a Universidade, uma dificuldade para podermos ocupar as paredes com grafite, diversos impedimentos burocráticos para conseguirmos apoio financeiro para transporte e materiais. Cada pessoa da turma tinha uma habilidade, foi juntando seus próprios equipamentos: tínhamos o som, o registro audiovisual, a fotografia, a organização. Enfim, realizamos o primeiro evento, um espanto para a comunidade universitária, pouco acostumada com a presença da comunidade do bairro ao lado, com a presença destas e destes artistas, a maior parte jamais havia pisado ali naquele campus.
A potência desse espaço construído coletivamente, no qual nos dispusemos a amplificar voz, imagem e liberdade desde os gritos das periferias, com suas agruras, felicidades, estética, belezas, tristezas, todas postas poeticamente, dentro de múltiplas poéticas, beats e cores que nos atravessam, nos emocionam, foi tamanha que decidimos continuar, pois é preciso reXistir. Neste sábado, dia 16 de setembro, aconteceu a II Ocupação Hip Hop, no campus da UFSB, em Itabuna.
Desta vez, com apoio institucional de transporte de material. Pedimos o espaço de uma escola e na última hora recebemos uma negativa. Então, fomos ao campus. Não, as paredes da frente, vejam bem, são vermelhas, difíceis de pintar, imóvel alugado. Usem as do fundo. Qual a cor delas? As mesmas. Olhando bem, pensei, elas ficam viradas para a comunidade de Ferradas e bem ali tem uma escola. Melhor mesmo que vejam as cores que vamos dar aulas, que ouçam reverberar o som deste dia que, por certo, será um dia feliz e potente.
+ Não há outro nome: é censura!
Seguimos, fizemos e mais gente se fez presente. Poesia, música, meninas e meninos dividindo o espaço. Mais uma vez, amplificamos as estéticas da nossa periferia. Ao todo, foram quase 30 artistas; isso sem contar as pessoas fotógrafas e vídeomakers. Rap, poesia, grafite e arte urbana.
Não é nada fácil lidar com a naturalização dos espaços institucionais, é preciso, na maioria das vezes, que a gente faça alguma força e eu tenho entendido que usar o meu privilégio em favor do esgarçamento dessas brechas, cada vez mais difíceis de abrir, é meu papel. Ajudei a carimbar a parede, mas, sobretudo, ajudamos a ressoar, a construir um encontro potente. É bonito ver o rosto de tanta gente coberto de sorrisos, de alegria. Por encontro. Por poder dizer, a seus modos, o que é preciso ser dito. De forma bonita.
Não vejo espaços tão respeitosos com a condição das mulheres e das pessoas LGBT+ nas reuniões dos doutos da Universidade. Não vejo relação tão horizontal como ali nas nossas salas de aula. Bonito demais de ver tantas cores, tantos jeitos, tantas belezas diferentes. Fiz um discurso inicial sobre a censura, que é preciso lutar contra ela. Não estamos no site da Universidade, pois nosso trabalho foi considerado muito “restrito”.
Desculpe-me, mas nada disso é “restrito”; somente as mentalidades das velhas instituições.
Vale à leitora e ao leitor que procurem os trabalhos de Dado Loko, Rildo Foge, Mathelo, Índio, Rafiusk, Otávio Martins, Narka, Jackson Thadeu , Billy Fat, Cijay, KBSativa MCs, Reinaldo RTS, Moa Venus, Titch, Monkeythemoney, Mr. Sense, MC Pytuna, Mr Lagos, Stella Lagos, Intuito Negro, Arte Marginal, Juninho Gonçalves, Comando 073 & Cássio Perifa, Pawlista PDF, Hemisfério Atual, Liphas, Mano Sabota, Timotê & Samir Verso Livre, Dryzinho Boladão, Grupo Kydance e Má Reputação, que participaram das ocupações.