Flávio Dino descarta censura a shows de Roger Waters no Brasil
Defensor da causa palestina, músico fundador do Pink Floyd foi alvo de ataques da Confederação Israelita do Brasil. Shows no país serão em outubro e novembro, em cinco capitais
RBA.- O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, afirmou no sábado (10) que não há possibilidade de censura prévia aos shows no Brasil do músico britânico Roger Waters, cofundador e ex-integrante banda inglesa Pink Floyd. O artista está em um giro mundial com a turnê This is Not a Drill e que vem ao país para uma série de apresentações, em outubro e novembro, em cinco capitais: Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. “Ainda não recebi petição sobre apologia a nazismo que aconteceria em show musical. Quando receber, irei analisar, com calma e prudência”, escreveu o ministro em uma postagem no Twitter.
Em seguida, Flávio Dino alertou de que “consoante a nossa Constituição, é regra geral que autoridade administrativa não pode fazer censura prévia, sendo possível ao Poder Judiciário intervir em caso de ameaça de lesão a direitos de pessoas ou comunidades”. Na postagem, o ministro lembrou ainda que, no Brasil, é crime a veiculação de símbolos ou propaganda que utilizem especificamente a cruz suástica ou gamada para fins de divulgação do nazismo.
Causa Palestina
A declaração de Dino foi uma resposta a matérias veiculadas na imprensa de que um integrante da Confederação Israelita do Brasil (Conib) teria entrado com uma petição no ministério para pedir que o músico seja impedido de fazer sua performance. Alegam suposta apologia ao nazismo. Roger Waters é notório defensor da causa palestina e, na apresentação, exibe nomes de vítimas atingidas pelas forças de Israel. O artista é, ainda, um dos nomes mais conhecidos do movimento global BDS (Boicote, Desinvestimento, Sanções), plataforma que coordena campanha de boicote artístico, acadêmico, econômico e cultural contra o governo de Israel.
O objetivo da iniciativa é pressionar os israelenses a conter as violações de direitos humanos cometidas contra a população palestina. Em 2015, Waters chegou a enviar uma carta pública aos músicos Gilberto Gil e Caetano Veloso para demovê-los, sem sucesso, de uma apresentação que fariam em Tel-Aviv. A mesma tentativa ocorreu em 2019, quando da apresentação de Milton Nascimento. Mais recentemente, em 2020, antes de iniciar a atual turnê – que acabou sendo adiada para 2022 por causa da pandemia de covid-19 – a Liga de Baseball dos Estados Unidos chegou a cancelar a divulgação dos shows do artista após pressão de grupos de advogados judeus.
A Agência Brasil, base para a redação dessa matéria, afirma que tenta contato com a Confederação Israelita do Brasil, sem retorno.
Martelos cruzados
Anunciada como a primeira turnê de despedida de Roger Waters, a This is not a Drill já percorreu dezenas de cidades na América do Norte e Europa. Virá à América do Sul no segundo semestre para shows em ao menos cinco países. Na apresentação, similar a uma realizada pela banda Pink Floyd na icônica The Wall em junho de 1990 em Berlim, há uma performance onde o músico usa um casaco negro com uma braçadeira vermelha com símbolo de martelos cruzados. Segundo o próprio Waters, a ação representa a alucinação de um demagogo fascista, ação sempre lida como uma clara manifestação antiautoritária.
Há algumas semanas, novamente em Berlim, ele sofreu pressões para cancelar apresentações e chegou a ser investigado pela polícia, procedimento ainda em andamento. Na ocasião, o músico alegou que a apresentação em Berlim “atraiu ataques de má-fé daqueles que querem me caluniar e me silenciar porque discordam de minhas opiniões políticas e princípios morais. Os elementos de minha performance que foram questionados são claramente uma declaração em oposição ao fascismo, injustiça e fanatismo em todas as suas formas. As tentativas de retratar esses elementos como algo diferente são dissimuladas e politicamente motivadas. A representação de um demagogo fascista desequilibrado tem sido uma característica dos meus shows desde The Wall do Pink Floyd em 1980?, escreveu.
Shireen Abu Akleh, Anne Frank, George Floyd
Um dos nomes de vítimas da opressão israelense que Waters exibe no telão é de Shireen Abu Akleh, jornalista com cidadania palestina e estadunidense do canal Al Jazeera que morreu em uma operação israelense no ano passado. Há, ainda, os nomes de Anne Frank, adolescente judia que morreu em um campo de concentração nazista; Sophie Scholl, integrante de movimento de resistência alemã antinazista morta em 1943; Mahsa Amini, que morreu após ter sido detida pela polícia da moralidade no Irã, no ano passado. Além de George Floyd, morto sufocado pela polícia dos Estados Unidos em 2020, no que desencadeou uma série de protestos organizados pelo movimento Black Lives Matter.
“Passei minha vida inteira falando contra o autoritarismo e a opressão onde quer que os veja. Quando eu era criança, depois da guerra, o nome de Anne Frank era frequentemente falado em nossa casa, ela se tornou um lembrete permanente do que acontece quando o fascismo não é controlado. Meus pais lutaram contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial, com meu pai pagando o preço final. Independentemente das consequências dos ataques contra mim, continuarei a condenar a injustiça e todos aqueles que a cometem”, acrescentou.
Repulsa a Bolsonaro
A performance hoje contestada pelo Conib foi executada por Waters em quatro shows no Brasil em 2012. Sua última vinda ao país foi em 2018, na turnê Us+Them, durante o segundo turno das eleições presidenciais. Na época, Waters exibiu no telão o nome do então candidato Jair Bolsonaro chamando-o de neofascista, ao lado de nomes como o de Viktor Orbán, presidente da Hungria, e o do ex-presidente dos EUA, Donald Trump.
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