Fim do PPI e correlação de forças na Petrobrás. Por José Álvaro Cardoso.

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Por José Álvaro de Lima Cardoso, em Desacato.info. 

No dia 16/05 a Petrobrás anunciou o fim da política de Preço de Paridade de Importação (PPI), que regulava cotações do petróleo e dos derivados (como gasolina, diesel e gás de cozinha), com o dólar e o mercado internacional do setor. Por essa política, adotada desde outubro de 2016, os preços internos acompanhavam as oscilações internacionais da cotação do produto. No cálculo do PPI a Petrobrás levava em conta o valor do petróleo no mercado mundial, mais custos logísticos como frete de navios, taxas portuárias, custo dos dutos nos portos, e outros. 

Segundo nota da empresa “Os reajustes continuarão sendo feitos sem periodicidade definida, evitando o repasse para os preços internos da volatilidade conjuntural das cotações internacionais e da taxa de câmbio”. Conforme ainda a nota da Petrobrás, com a nova política a empresa terá “mais flexibilidade para praticar preços competitivos, se valendo de suas melhores condições de produção e logística e disputando mercado com outros atores que comercializam combustíveis no Brasil, como distribuidores e importadores”. 

O PPI mudou a metodologia de definição do preço da gasolina, do diesel e do gás de cozinha comercializados pela Petrobrás. Com essa política se levava em conta o custo de importação dos derivados dos outros países, normalmente os EUA, e do custo da logística de colocação dos produtos nos postos brasileiros. Com o fim dessa política a direção da Petrobras procura estabelecer uma operação intermediária, evitando tanto a estagnação de preços, que já ocorreu em outros períodos, quanto a maluquice de reajustes de preços quase que diários. Em 2017, por exemplo, houve 118 reajustes para o diesel, o que levou à uma explosiva crise do setor de transportes de caminhões, culminando com a greve dos caminhoneiros naquele ano. 

Como já está bastante documentado, com o golpe de 2016, a Petrobrás foi colocada ao serviço dos acionistas minoritários, tendo se tornado, mais do que em outro momento da história, uma verdadeira galinha dos ovos de ouro dos especuladores, com a distribuição dos maiores dividendos do mundo, entre as petroleiras. Obviamente, na definição dos preços, a empresa tem que levar em conta os preços internacionais do petróleo, mas não é possível se referenciar quase que exclusivamente na oscilação internacional para estabelecer preços internos. A nova estratégia da Petrobrás parece ter encerrado a subordinação obrigatória ao preço de paridade de importação. De qualquer forma, a empresa ainda não divulgou de forma clara e específica qual será a fórmula de reajuste dos preços a partir de agora. Anunciou que fará isso nos próximas dias. 

A direção da empresa vem sendo duramente criticada pelos sindicatos do setor pela manutenção dos baixos investimentos, pela própria manutenção da política de PPI e pelos pagamentos absurdos de dividendos, verdadeiro assalto aos cofres da empresa. O vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), Felipe Coutinho, publicou um artigo recentemente, analisando a relação entre os dividendos pagos e o investimento líquido da Petrobrás, entre 2005 e o primeiro trimestre de 2023 (“Petrobrás: direção parasitária corta investimentos para pagar dividendos altos e insustentáveis”).  O artigo constata, dentre outras conclusões relevantes, que: “Em 2021 e 2022 a razão média entre os dividendos pagos e o investimento líquido foi de 804%, no 1º trimestre de 2023 foi de 735,6%, enquanto entre 2005 e 2020 foi de 12,7%, em termos médios. Ou seja, houve aumento de 58 vezes do pagamento de dividendos em relação ao investimento no último trimestre, em comparação com a média de 2005 a 2020”.

A análise do dirigente da AEPET evidencia com precisão matemática o risco que significa elevar o pagamento de dividendos a níveis absurdos, em prejuízo de investimentos fundamentais da companhia, e ao mesmo tempo entregar ativos altamente rentáveis. A estratégia dos dirigentes anteriores era extrair o máximo possível, no menor tempo, sem nenhuma preocupação com o papel estratégico da empresa no desenvolvimento e soberania nacionais.  Coutinho fez também no artigo uma comparação com as políticas de investimentos e de distribuição de dividendos com as de outras grandes companhias petrolíferas integradas, do mundo, com as quais a Petrobrás concorre diretamente. Os dados estão na Tabela abaixo.

Conforme a Tabela, no 1º trimestre de 2023, a Petrobrás, mesmo tendo tido a menor receita entre as seis empresas listadas, pagou o maior valor em dividendos. Ao mesmo foi a empresa que realizou o menor investimento líquido, tendo sido de apenas 14% em relação à média dos investimentos realizados pela demais empresas. Como mostra o artigo, a relação entre os dividendos pagos e os investimentos líquidos da Petrobrás foi 15 vezes superior à média praticada pelas outras petrolíferas, no período. Em um outro estudo (Insustentáveis Dividendos Pagos pela Atual Direção da Petrobrás), o dirigente mostrou que os investimentos realizados em 2021 e 2022 – que são insuficientes para repor as reservas e manter a produção de petróleo e a venda de ativos rentáveis e estratégicos da Petrobrás – também contribuíram para a festa dos pagamentos predatórios dos dividendos, nos anos de 2021 e 2022. 

Na Petrobrás está depositada boa parte das possibilidades de uma política de desenvolvimento, que possibilite uma retomada da indústria nacional, alavancada pelo aumento dos investimentos. Não foi por acaso que sua destruição enquanto empresa pública foi o centro econômico do golpe de 2016. O fim do PPI é importante, e já veio com o anúncio, no mesmo dia, de redução do preço médio do diesel, da gasolina e do gás de cozinha. O que é de grande importância para a população brasileira, que depende diretamente do consumo de derivados, e para a economia em geral. O controle interno do preço dos combustíveis abre a possibilidade de redução da inflação em geral, especialmente nos itens fundamentais para os brasileiros, como a alimentação. 

Segundo dados elaborados segundo da Subseção do Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos (DIEESE), da Federação única dos Petroleiros (FUP), durante a vigência do PPI (15 de outubro de 2016 até 16 de maio), o preço do botijão de gás de cozinha de 13 quilos (GLP), na refinaria variou 223,8%, registrando 34 altas e 14 baixas. Enquanto isso, o barril do petróleo em reais, subiu 61,9% no período e a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA/IBGE) acumulou 36,6%. No mesmo período, a gasolina aumentou 112,7% e o diesel, 121,5%. Segundo a Subseção do DIEESE, antes da existência do PPI, entre janeiro de 2003 e 14 de outubro de 2016, o preço do GLP acumulou alta de 15,5%, com dois reajustes em 13 anos. No mesmo período o barril do petróleo no mercado internacional, também convertido em reais, tinha aumentado 95,2%. 

O que acontece na Petrobrás é sempre fundamental para a compreensão do cenário conjuntural brasileiro. O fim da política de PPI é uma mudança importante, mas não parece inverter a lógica de distribuição de dividendos fora de qualquer medida, com prejuízo direto para a política de investimentos. Por outro lado, o governo não menciona a recuperação dos ativos entregues a preço de banana nas gestões golpistas de Temer e Bolsonaro. Como é conhecido, as privatizações da BR Distribuidora, os gasodutos da NTS e da TAG, das refinarias RLAM (BA) e Reman (AM), das distribuidoras de GLP (Liquigás) e de gás natural (Comgás), estão lotadas de irregularidades. Mesmo se ignorarmos que tais vendas decorreram de governos que assumiram em função do golpe de 2016, que são ilegais por princípio, já que decorreram da violação da democracia. 

O fim do PPI é um primeiro passo importante. Qual o sentido de estabelecer preços de derivados do petróleo a partir das cotações internacionais, quando o país tem autossuficiência na produção de petróleo, e nas refinarias a maior parte do petróleo utilizado é nacional? O sentido é rapinar a empresa e inviabilizar o seu futuro, já que o pagamento de bônus bilionários vem sendo feito às custas da redução dos investimentos. A decisão do governo impacta interesses extremamente poderosos, que estão na origem do golpe de 2016. As medidas de resgate e colocação da empresa ao serviço do país precisariam ser aprofundadas, mas aqui temos um problema de correlação de forças, que é simplesmente decisivo. 


José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

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