Filho ‘zero três’ de Bolsonaro teve reunião com empresa de espionagem dos Emirados Árabes

Eduardo Bolsonaro se reuniu com representantes de empresa de sistemas de espionagem capazes de invadir redes e sistemas

Comitiva brasileira recebida por empresa estatal dos Emirados Árabes Unidos envolvida em escândalo de espionagem; à direita, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) – Reprodução/Twitter – @_edgegroup

Por Paulo Motoryn, Brasil de Fato.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) participou de uma reunião com integrantes do governo federal e representantes do Grupo Edge, empresa estatal dos Emirados Árabes Unidos (EAU) envolvida em um escândalo internacional de espionagem. O encontro ocorreu na sede da empresa, em Abu Dhabi, no último dia 26 de maio.

O filho do presidente integrou uma delegação diplomática, militar e comercial do Brasil na visita à empresa. A reunião também teve a presença do secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência, Flávio Rocha, e do secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa, Marcos Degaut Pontes, entre outras autoridades.

Eduardo Bolsonaro não publicou fotos do encontro nas suas redes sociais. A reunião foi registrada pela agência de notícias local Emirates News Agency. No Brasil, o encontro foi noticiado apenas pelo site da LRCA Defense Consulting, que se identifica como uma “entidade sem fins lucrativos que se dedica a divulgar notícias e análises sobre as Empresas Estratégicas de Defesa”.

Parceiro do Ministério da Defesa, o Grupo Edge é apontado como dono de sistemas de espionagem, como BeamTrail e Digital14, capazes de invadir redes e sistemas. O conglomerado estatal dos Emirados Árabes Unidos também detém a tecnologia de espionagem DarkMatter, utilizada por ditaduras para monitorar opositores.

A plataforma foi adotada pelos regimes sauditas e dos Emirados Árabes. A empresa surgiu como uma tentativa de prestar serviços para o governo local, que temia os efeitos da Primavera Árabe. Para isso, passou a monitorar jornalistas, políticos e defensores de direitos humanos.

A tecnologia DarkMatter foi desenvolvida por ex-agentes da CIA (agência central de inteligência dos EUA) e militares de inteligência, além de ex-programadores da Unidade 8200, força de hackers de elite vinculada ao exército de Israel.

O DarkMatter passou a ser temido após diversos veículos de comunicação denunciarem, a partir de 2016, que a empresa estava servindo de fachada para o grupo de espionagem secreta dos Emirados Árabes, chamado Project Raven, que mirava ativistas e jornalistas.

A aquisição de programas como este levanta preocupações sobre possíveis usos de apps espiões em campanhas eleitorais ou contra opositores do governo, embora a maioria dos países que adquire softwares como esse alega que usa a tecnologia para facilitar a busca e prisão de criminosos.

Como nasceu o Grupo de Trabalho

A existência de um grupo de trabalho da empresa com o Ministério da Defesa foi revelado pelo site ComeAnanás, depois que o governo divulgou uma portaria, no Diário Oficial da União, mostrando que integrantes da pasta usaram uma reunião com a empresa dos Emirados como justificativa para uma viagem ao país, logo após integrarem a comitiva presidencial na Rússia.


Portaria cita Grupo de Trabalho Conjunto estabelecido entre o Ministério da Defesa do Brasil e o Grupo Edge / Reprodução/Diário Oficial da União

Em resposta aos questionamentos do Brasil de Fato, o ministério afirmou que a proposta de criação do GT surgiu em 3 de agosto de 2021, por meio de uma carta enviada pelo Secretaria de Produtos de Defesa do ministério ao presidente da divisão de Mísseis e Foguetes do Grupo Edge.

No documento, o órgão convidou uma delegação do grupo estatal emirático para uma visita técnica às empresas da Base Industrial de Defesa (BID) brasileira. A visita ocorreu de 29 de agosto a 4 de setembro de 2021, com passagens pelo Distrito Federal e cidades do estado de São Paulo.

De acordo com o governo brasileiro, durante o encontro “foi aventada então a proposta de criação de um Grupo de Trabalho conjunto entre o Ministério da Defesa e o Grupo EDGE”. De acordo com a justificativa oficial, o GT serve para “estreitar as relações bilaterais entre o Brasil e os EAU na área de Produtos de Defesa”.

A segunda reunião do GT ocorreu entre os dias 19 e 20 de fevereiro de 2022, em Abu Dhabi, capital dos Emirados na sequência da participação na comitiva de Bolsonaro que se encontrou com o presidente russo, Vladimir Putin, poucos dias antes da deflagração do conflito entre Rússia e Ucrânia.

Foram designados para a missão de “natureza militar” o secretário de Produtos de Defesa, Marcos Degaut, o capitão de corveta Vagner Piedade Garcia de Araújo, da mesma secretaria; o brigadeiro do ar José Ricardo de Meneses Rocha e o capitão de mar e guerra Pedro Oliveira de Sá, ambos do Departamento de Promoção Comercial da Defesa.

Reuniões são sigilosas, decreta Defesa

O governo federal decretou sigilo nas atas e listas de presenças da reunião do GT do Ministério da Defesa com o Grupo Edge. A classificação das informações como sigilosas consta em reposta a um pedido de acesso à informação feito pelo Brasil de Fato.

“Os temas tratados nessas reuniões foram qualificados de alta sensibilidade e acesso restrito, a fim de evitar prejuízos às negociações e às cooperações nacionais na área de defesa, em andamento, conduzidas no âmbito desse GT”, diz um dos trechos da reposta do Ministério da Defesa, protocolada na tarde desta terça-feira (31).

A pasta alega que a decisão é resguardada por um inciso da Lei de Acesso à Informação (LAI) que permite o sigilo de informações que tenham potencial de “prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do país ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais”.


Resposta a pedido de acesso à informação feito pelo Brasil de Fato / FalaBR

Edição: Rodrigo Durão Coelho.

 

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