A mesa “Amada vida” foi a mais contundente desta quinta-feira (26.07). Tanto na apresentação de abertura de Bell Puã, quanto em momentos das falas de Djamila Ribeiro e Selva Almada, o público, que ocupou todos os assentos do Auditório da Matriz e o do Auditório da Praça, aplaudiu de pé. Foi um sinal de que as falas das convidadas – que tocaram em temas como conservadorismo branco, racismo, feminicídio e as dificuldades de ser uma mulher negra – reverberaram na plateia.
A slammer pernambucana Bell Puã abriu a sessão apresentando Da pertença e do revide, na qual sua poesia falada fez as vezes de um grito contra a opressão que o povo negro sofre historicamente no Brasil. “Era uma vez um Brasil conservador: branco dono, preto propriedade”, declamou. “Minha pertença não é prisão, cozinha ou na mira da polícia. Aquela que não pertence a patrão nem a senhor de engenho”, completou de maneira enérgica.
Na sequência, as autoras leram trechos de seus livros: a argentina Selva Almada escolheu uma passagem inicial de Garotas mortas (Todavia, 2018), sua obra mais conhecida e que trata do feminicídio de três jovens ocorridos no interior da Argentina nos anos 80. No fragmento, uma rádio dá a notícia de que uma adolescente de San José – cidade próxima a Entre Ríos, local de origem da autora – havia sido assassinada com uma punhalada no coração enquanto dormia em sua própria cama.
“O feminicídio da Andrea, assassinada com uma facada no coração enquanto os pais dormiam no quarto ao lado, me alertou que as mulheres não estavam seguras em lugar algum, fosse nas ruas ou nas próprias casas. O crime aconteceu quando eu começava a me tornar adulta, e foi uma revelação brutal para mim do que é ser mulher, da minha essência”, disse a autora. Tanto o crime contra Andrea como o das outras duas personagens do livro seguem sem solução até hoje.
Djamila Ribeiro leu um excerto de Que tem medo do feminismo negro? (Companhia das Letras, 2018). O trecho narra a relação afetiva que mantinha com sua avó, que a ensinava a trançar os cabelos. A obra da filósofa e militante é uma das mais celebradas da literatura brasileira recente e trata dos processo de apagamento da personalidade pelo qual passou por ser mulher e negra. No livro, a autora explica como, ao entrar em contato com a obra de autoras negras – entre elas Chimamanda Ngozi Adichie, Bell Hooks e Conceição Evaristo –, finalmente tomou coragem para nomear a invisibilidade que sentia.
A violência física narrada por Selva Almada se traduz na obra de Djamila Ribeiro de maneira simbólica. “Passei longos anos da minha vida não me aceitando, não gostando de quem eu era. Quando comecei a ter contato com obras de feministas negras, comecei a enxergar o mundo pela perspectiva daquelas mulheres. Eu não era tímida, eu tinha sido silenciada. Minha luta é para existir como mulher negra de modo não pautado pelo colonialismo”, disse.
Ambas as escritoras falaram da importância de que o feminismo seja compreendido de maneira ampla e múltipla, já que o movimento feminista tradicionalmente volta a atenção para mulheres brancas, de classe média e universitárias. Djamila alertou para a necessidade de se pensar em ações específicas de mulheres negras, e Almada sobre como mulheres pobres e aborígenes da Argentina também nunca tiveram um olhar atencioso sobre as suas questões. “O feminismo não é um movimento feminino, é um movimento social”, finalizou Djamila.