Por Giovanna Galvani.
Após a farmacêutica Pfizer afirmar que não irá mais solicitar a aprovação emergencial da vacina da Covid-19 no Brasil por entraves burocráticos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), cresceu a preocupação em relação a agilidade que o Brasil tem para começar a vacinar a população contra o coronavírus.
Na análise do ex-diretor da Anvisa Gonzalo Vecina Neto, deveria ter se levado em consideração que as agências americana e europeia de medicamentos já consideram o imunizante seguro o suficiente para ser aplicado na população, e que não é papel da Anvisa pedir cronogramas e outros detalhes neste momento – algo que deveria ser operacionalizado pelo Ministério da Saúde.
“A agência pode dizer que vai analisar bem analisado, mas existe uma emergência nacional. Se trata de ser célere em um momento em que não podemos perder a mão. No momento que estamos precisando de vacina, se duas agências importantes como a FDA (Food and Drug Administration, dos EUA) e Agência Europeia de Medicamentos (EMA, em inglês) aprovaram [a vacina], não me existe nenhuma boa razão que emite que nós deveríamos ser ‘mais realistas’.”, afirmou Vecina em entrevista a CartaCapital.
O médico sanitarista explicou que tudo depende de como o registro da pesquisa no País foi feito, algo que a Pfizer não deixou claro na nota publicada na segunda-feira 28. A empresa afirmou, porém, que outros países não exigiram análises específicas em relação à população para iniciarem a vacinação, o que dá a entender que o processo poderia ser semelhante no Brasil.
“Se você fez a modelagem da pesquisa em vários países, isso compõe uma grande amostra. Essa amostra, independente de resultados neste ou naquele país, pode ser considerada uma amostra única do ponto de vista estatístico. Tudo depende de como a pesquisa foi registrada. Se no protocolo diz que ela vai apresentar país a país, tem que ser país a país. Se for compactado, tem que apresentar como uma única amostra”, explica.
Esse foi o caso do atraso na divulgação de dados da vacina Coronavac, desenvolvida conjuntamente pelo Instituto Butantan e a chinesa Sinovac Biotech.
No dia 23 de dezembro, o presidente do Butantan, Dimas Covas, afirmou que o imunizante cumpre o patamar mínimo exigido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Anvisa, mas que ainda não poderia divulgar a porcentagem de eficácia porque a Sinovac precisa reunir os dados de todos os países que participaram da fase 3 de testes.
Outro ponto alegado pela Pfizer foi que “a submissão de uso emergencial também pede detalhes do quantitativo de doses e cronograma que será utilizado no país, pontos que só poderão ser definidos na celebração do contrato definitivo”. Para Vecina, esse papel não tem ‘nada a ver’ com a Anvisa.
“O cronograma de entrega das vacinas não tem nada a ver com isso, é o comprador [o governo] que deveria pedir um cronograma. A Anvisa deve pedir apenas a certificação de boas práticas. Fora isso, não existe nenhum motivo para se envolver com a liberação de produção”, afirmou.
‘A empresa tem que querer registrar, mas nós temos que querer comprar’
Na segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro atribuiu a ‘culpa’ da demora da vacinação aos laboratórios, e não a falta de interesse do governo de ter fechado acordos prévios com as farmacêuticas.
“O Brasil tem 210 milhões de habitantes. Então, é um mercado consumidor, de qualquer coisa, enorme. Os laboratórios não tinham que estar interessados em vender para a gente? Por que eles, então, não apresentam documentação na Anvisa?”, disse Bolsonaro a apoiadores.
Vecina ressalta que, de fato, a empresa é a responsável por entrar com o pedido de registro ou de aprovação emergencial, mas, como o processo gera custos, o País deve demonstrar interesse em querer comprar. “A empresa vai ter gastos sem a perspectiva de compra?”, questionou o médico.
Para ele, o Ministério da Saúde deveria estar empenhado em definir os cronogramas e fechar definitivamente os acordos que tem interesse em cumprir. Com a Pfizer, foi assinado apenas um memorando de intenção de compra no começo do mês, que se diferencia de um contrato efetivamente fechado.
Até o momento, há doses garantidas da vacina da AstraZeneca/Fiocruz, compradas pelo governo federal, e da Coronavac, adquiridas pelo governo de São Paulo, que mantém o dia 25 de janeiro como estimativa para o início da vacinação.
Para todos os casos, porém, não há logística pronta para definir quais regiões receberão quais imunizantes, apesar do esboço de um programa de vacinação apresentado pelo ministro Eduardo Pazuello há semanas.
“Vamos supor que se estabeleça uma população a ser vacinada. Também deve-se saber qual é o software que vai controlar a distribuição e aplicação das vacinas. O DATASUS ainda não o apresentou.”, menciona Vecina.
Mesmo assim, o ex-diretor não é categórico em afirmar que existe interferência na estrutura da agência.
“Temos que tomar muito cuidado com tudo. A Agência está sob tensão? Está sob tensão. Não podemos esquecer que temos um Trump tropical, que faz bobagens e fala ignorâncias e truculências. Por outro lado, a Agência tem um corpo funcional de servidores de carreira, não tem só diretor indicado pelo Bolsonaro lá. Eles vão resistir a qualquer interferência política.”
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