Ex-presos políticos chilenos fazem greve de fome

Por Victor Farinelli.*

Desde meados de abril, as associações de presos políticos do Chile começaram a tomar uma postura diferente com relação a suas demandas contra o Estado chileno: o uso da greve de fome como instrumento de reivindicação.

A primeira delas foi a da Associação dos Ex-Presos Políticos da cidade de Rancagua (60 km ao sudoeste de Santiago), que se iniciou no dia 13 de abril e contava com cinco grevistas. Posteriormente, outras dez iniciativas semelhantes foram lançadas em outras cidades, reunindo um total de 32 pessoas em jejum.

A demanda dos ex-presos políticos é simples: acabar com a impunidade e a aplicação da prescrição nas decisões judiciais em casos de violação aos direitos humanos e a criação de um novo modelo de indenização das vítimas, para equiparar os valores cuja diferença chega a ser de mais de dez vezes em alguns casos.

Fotos: Victor Farinelli/Opera Mundi
expp1Manifestantes em greve de fome em várias cidades do Chile pedem revisão de indenizações e fim da impunidade a agentes da ditadura

Nos anos 90, o Estado chileno estabeleceu uma indenização mínima de 120 mil pesos (cerca de R$ 700), para ex-presos políticos incluídos no Informe Rettig (1991), a primeira comissão da verdade realizada no país.

Na década seguinte, porém, foi realizada uma segunda comissão da verdade, que produziu o Informe Valech (2004). As vítimas da ditadura citadas nesse segundo relatório foram beneficiadas com uma política de reparação maior, cuja pensão mínima é de 1,3 milhão de pesos (cerca de R$ 7.500).

“Não estamos pedindo esmola, porque as companheiras e companheiros derramaram seu sangue lutando contra uma das piores ditaduras que a humanidade já viu, alguns morreram em nome dessa luta. Os que sobreviveram não podem mais encontrar trabalho, porque o poder econômico continua nas mãos dos que financiaram essa ditadura, e fecham todas as portas. Ficamos marcados, e merecemos outra coisa, uma reparação digna”, reclama Nelly Cárcamo, porta-voz da União Nacional dos Ex-Presos Políticos do Chile. Ela que lembra que algumas dos grevistas têm mais de 60 anos – “alguns já se aproximam dos 80, e não nos restam muitos anos mais, mas vamos continuar lutando enquanto seja possível”.

Divisão do grupo

Contudo, desde o final de maio, o grupo se dividiu, já que os grevistas de Rancagua aceitaram uma proposta apresentada pelo governo chileno, através do Programa Nacional de Direitos Humanos do Ministério do Interior, de iniciar uma mesa de negociação sem condições, e terminaram a greve após 51 dias. A decisão foi acompanhada pelos ex-presos políticos das cidades de Talca e San Felipe. Porém, a greve continuou nas demais oito cidades (Santiago, Valparaíso, Concepción, Osorno, Coquimbo, Punta Arenas, Iquique e Puerto Montt) e as organizações ligadas aos que mantiveram o jejum acusaram o governo de “comprar” os que desistiram para dividir o movimento.

Nelly Cárcamo reproduziu um relato de grevistas de Concepción. Nele, os manifestantes diziam que assessores regionais dos partidos políticos governistas lhes ofereceram uma quantia importante de dinheiro para desistir da greve e se somar à mesa de negociação. “Quando nós lamentamos a decisão dos companheiros de Rancagua, não sabíamos disso. Hoje, entendemos melhor porque eles resolveram aquilo unilateralmente, sem debater conosco a oferta do governo e antes que se votasse uma decisão conjunta”, comentou Cárcamo.

Segundo ela, as associações elaboraram em conjunto um documento com as petições para o governo, que incluíam a adoção, por parte do governo de Michelle Bachelet, do capítulo sobre direitos humanos anunciado na campanha. “Era uma proposta maravilhosa, mas depois das eleições virou letra morta”, diz. O documento foi rechaçado pelo subsecretário do Interior, Mahmoud Aleuy, que afirmou que “as negociações devem iniciar e se desenvolver com base na boa fé, sem exigências prévias, para que as duas partes possam ceder um pouco até chegar a um bem comum”.

Manifestantes protestam contra o que classificam de descaso de governo federal contra vítimas da ditadura de Pinochet

Manifestantes protestam contra o que classificam de descaso de governo federal contra vítimas da ditadura de Pinochet

Atualmente, ainda há 17 ex-presos políticos em greve de fome, nas oito cidades que ainda se mantêm mobilizadas.

“Falsa preocupação”

Os ex-presos políticos também acusam o governo de ter uma falsa preocupação com os direitos humanos e as vítimas da ditadura. Com respeito a isso, a União Nacional dos Ex-Presos Políticos do Chile levou à CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) uma denúncia contra o Estado chileno, na qual listou as 3.100 causas iniciadas pela entidade na Justiça, das quais 2.300 foram rejeitadas ou tiveram aplicadas a prescrição tal qual estabelece a Lei de Anistia – decretada pelo ditador Augusto Pinochet, em 1988.

No último dia 5 de maio, a CIDH aceitou a denúncia dos ex-presos políticos, o que força o Estado a dar uma resposta sobre a mesma até o dia 5 de agosto. Caso ela não seja entregue ou pareça insuficiente para a parte demandante, será iniciado o processo contra o Chile por incumprimento dos tratados internacionais que obrigam o país a considerar imprescritíveis os casos de violação dos direitos humanos. Os ex-presos políticos também alegam que a revogação da Lei da Anistia, decretada por Bachelet em setembro de 2014, ainda não foi assimilada pelos juízes, que a aplicaram em pelo menos dois casos este ano.

Segundo Cárcamo, “esses tratados internacionais foram assinados pelo Chile nos anos 90, como uma forma de limpar a imagem do país, que ainda era a do que perseguia e torturava, mas aqueles compromissos nunca foram cabalmente aplicados”. Ela completa dizendo que “as demandas que fazemos quando nos manifestamos agora é simplesmente isso, se o Chile cumprir com esses compromissos adquiridos há vinte anos, em termos de justiça e reparação, nós encerramos todas as greves de fome”.

Contudo, a União Nacional dos Ex-Presos Políticos também acusa os partidos de esquerda, especialmente o Partido Socialista, de tentar sabotar o protesto. “Embora muitos militantes socialistas e comunistas nos apoiem (incluindo a deputada comunista e ex-líder estudantil Camila Vallejo), a direção do Partido Comunista nos negou o uso das sedes em algumas cidades e a do Partido Socialista foi além, atuando diretamente sobre terceiros para impedir que nós conseguíssemos alugar algum espaço”, comentou Cárcamo.

Ela também reclama de ameaças por telefone de senadores chilenos, de partidos governistas “de centro e de esquerda, irritados porque ´todas as cidades já haviam acabado com a greve e vocês não´, e nós sabíamos que era mentira, e uma forma patética de intimidação”. No último domingo (14/06), um grupo de ex-presos políticos invadiu a sede do Partido Socialista, no Centro de Santiago, e chegou a ocupá-la durante várias horas, até ser desalojada pelos Carabineros (polícia militarizada chilena).

* Santiago do Chile.

Fonte: Opera Mundi.

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