Eu não falo brasileiro, Cabral! Por Flávio Carvalho

Sobre os povos indígenas e o português do Brasil

Por Flávio Carvalho, para Desacato.info.

“Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões” (Veloso, Língua).

“Flávio, você poderia me dar aula de brasileiro?”, perguntou-me um amigo catalão.

Não; lamento – assim eu lhe respondi.

Eu dou aulas de português do Brasil, já faz alguns anos. E antes que ele se decepcionasse com a confusão, tentei explicar.

“Brasileiro”, na minha opinião, quem fala são os povos indígenas, as populações tradicionais do Brasil.

De fato, não é somente um (único idioma). Há mais de 220 línguas indígenas catalogadas antropologicamente e por estudiosos de linguística, no Brasil.

Para mim, essas são as línguas brasileiras, de verdade.

Então que idioma eu falo?

Eu tenho certeza que, infelizmente, não sei falar “brasileiro” – me referindo a este conceito de “brasileiro” como qualquer idioma existente no país, antes da invasão portuguesa (europeia). O português que se fala no Brasil é, portanto, na minha opinião, o idioma estrangeiro, não nativo do Brasil, que foi forçosamente adotado, durante todo o processo de colonização.

Em seguida, no final desse texto, argumento que isso, essa opinião sobre a língua mais falada no Brasil, é perfeitamente compatível com uma opinião positiva, nada negativa, que eu tenho sobre a Nossa Língua Portuguesa.

Em outras palavras, eu não sei falar nenhuma das mais de 220 línguas originais do meu país. Os motivos, todos já sabemos: os povos indígenas brasileiros sofreram um terrível processo histórico de genocídio, que voltou a acentuar-se hoje em dia, como há muito tempo não se via – por mais que nunca tenha parado, ao longo do tempo.

Eu estou escrevendo este texto, propositadamente, (tentando ser) em bom português, exatamente porque hoje, dia 25 de agosto de 2021, o Congresso Nacional do meu país está tentando aprovar uma nova legislação de retrocesso no direito das populações mais tradicionais do Brasil: os povos indígenas. E, por isso, estão acampados em Brasília, de uma forma honrosa, linda e jamais vista na história do país.

A minha contribuição é mínima, mas para mim muito importante, diante da imensa resistência dos povos indígenas brasileiros.

Voltemos brevemente ao tema?

Eu falo a língua do colonizador português. E isso pra mim é um fato. Faz parte da história do meu país.

Agora, faço questão de deixar bem claro que, assim como escreveu Clarice Lispector, eu também Amo a Língua Portuguesa.

Porque foi a língua (a portuguesa) que ganhei da minha mãe, ainda na barriga dela. E não foi nenhum presente de Pedro Álvares Cabral – que eu aprendi primeiro a dizer que “descobriu o Brasil”; e que agora eu aprendi a dizer que Invadiu o Brasil.

E foi a língua (a portuguesa) que eu transmiti, como herança emocional, para os meus filhos.

É minha, também, portanto. Sim!

E que eu aprendi a amar ainda mais, ressignificando-a (como agora, ao escrever essa palavra, “ressignificando-a” que o corretor ortográfico do meu computador catalão nem quer aceitar).

Passei por um redescobrimento maravilhoso da língua portuguesa (a que se fala no Brasil) refletindo sobre cada palavra, muitas vezes como uma obsessão linguística de querer dissecar, analisar morfologicamente qualquer palavrinha que eu antes falava tão naturalmente que quase nem prestava atenção em cada palavra que eu falava. Não existe ensinar sem aprender ou reaprender (até melhor).

Hoje eu aprendi a dar muito mais valor à linguagem. Que muda o mundo, começando por nós mesmos. E acho até que não existe a preguiça linguística de mudar coisas que a gente fica dando desculpa de que está muito arraigada no inconsciente ou no subconsciente. Eu acho que é exatamente o inconsciente ou subconsciente que agem para que a gente engane a si mesmo, de forma hipócrita, dizendo ser preguiça o que de fato é privilégio – pois de uma forma ou de outra, essa suposta preguiça acaba nos beneficiando. Mas essa será história para outro texto.

Para concluir estas reflexões quero pedir um voto de confiança, não para mim, mas para uma grande amiga. Se chama Andreia Moroni. Mora aqui em Barcelona e é uma pessoa que me ensinou muito sobre as coisas que aqui comentei – embora eu faça questão de dizer que são opiniões minhas, e não necessariamente dela. É um prazer e honra terminar afirmando que tudo que eu sei sobre a língua portuguesa que eu falo com meus filhos, aqui em Barcelona, desde eles nascerem é também graças a Andreia. Votem nela. Nesse link: https://competition.bestofbrazilawards.com/competition/Melhor%20do%20Brasil%20no%20Mundo/nominee/Andreia%20_Moroni/560

E ajudem-nos a lutar pela preservação dos verdadeiros idiomas brasileiros, por meio dos seus povos tradicionais. Nós, o nosso país, e principalmente o presente, futuro e passado, somente teremos a ganhar.

Aquele abraço. E Viva os povos indígenas do Brasil.

Flávio Carvalho é sociólogo, escritor e participante da FIBRA e do Coletivo Brasil Catalunya.

@1flaviocarvalho @quixotemacunaima.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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