Eu grito!! Eu vivo!! Eu luto!!

Foto: Caroline Dall’Agnol, para Desacato.info.

Por Elenira Vilela, para Desacato.info.

Cada dia um dia…

Não consigo escrever sobre outra coisa, o texto que publiquei semana passada foi um marco na minha história de muitas maneiras. Você já tinha imaginado como ia ser? Não. Eu tinha um medo grande: me arrepender. Mas isso não aconteceu, nem por um segundo, foi muito difícil, mas é muito melhor do que o tempo que guardei. É como um remédio amargo, muito amargo e dolorido, mas o alívio veio depois. Ainda dói, ainda sinto o alíviando.

Bom, agora eu sei as reações…

Abraços, muitos abraços!! Abraços diferentes, que vêm depois de olhares diferentes, abraços apertados e longos, de pessoas muito próximas, de pessoas distantes, abraços virtuais (leve meu forte abraço, sinta-se abraçada, queria muito estar aí e te dar um abraço).

Existem silêncios, pessoas que eu tenho certeza absoluta que leram e não me disseram nada. Mas existem as falas silenciosas: oi, quero te dar um abraço, mas você entende se eu não disser nada? Você me perdoa por não saber o que dizer?
Não há o que perdoar e é muito simples de entender.

A mais comum foi: seu relato/depoimento é muito forte, muito revoltante, muito triste, muito emocionante, fiquei estarrecid@… chorei muito, chorei por horas, só falei com você hoje, porque ontem quando li chorei demais.

Muita gente me contou que gente chorou e que sentiu dor. Dá uma sensação estranha, dar cara para os números da violência que sofremos todos os dias também era uma das coisas que eu queria e se sensibilizou e tocou, então cumpre o papel. Mas é esquisito saber que de uma vez tanta gente chorou com você, por você, por si mesma, por amor, por raiva, por solidariedade, por revolta, por empatia e por impotência.

O texto está tão bem escrito que deu vontade de sair chutando tudo. Isso também me escreveram… que elogio!?

Muitas, mas muitas pessoas mesmo falaram da minha coragem e que aumentou a admiração que têm por mim. Eu entendo o que cada uma quis dizer, da coragem de contar, mas sempre me vem à mente a coisa do não foi coragem, nem falta dela, que me fez viver o que vivi. Acho que desenvolvi alguma coragem em sobreviver e depois essa de conseguir contar, mas foi bem depois. Mas muitas dessas agradeciam, valorizavam, viam a importância, diziam que ajudou, que se sentiam contempladas, agradeciam, agradeciam. Obrigada por falar por mim.

Agora, já esperado, mas a parte mais importante e também a mais difícil são os relatos que recebi. A solidariedade e a cumplicidade da dor. Mulheres que, como eu, viveram violências e vinham me contar. Elas precisam contar para aliviar seu próprio peso e se sentiram à vontade para falar com alguém que passou por coisa parecida. Também contavam pra eu não me sentir sozinha, para nos vermos mutuamente como sobreviventes e nos apoiarmos. Colegas professoras, ex-alunas, companheiras de movimento sindical e social. Eu também fui estuprada, foi pelo meu namorado da época, você lembra dele? Eu também fui estuprada duas vezes na adolescência e na juventude. Tive uma namorada que tinha sido violada quando criança por uma pessoa da família, ela ainda encontra ele com frequência. Vivi um casamento abusivo. Estou ajudando uma mulher a se livrar de um marido abusador. Muitos outros. Também chorei muito ouvindo/lendo os depoimentos, me sentindo impotente e com raiva. Por que isso tem que acontecer? Isso NÃO tem que acontecer!!!

Mas agradeço a cada uma e cada um a confiança, a abertura, o me permitir viver junto. Graças a você, pra mim, essa sua confiança é mais uma tarefa, a luta contra essas violências é um reforço no compromisso que nenhum de nossos rostos esconda mais essas dores, um compromisso de vida. Também agradeço o suporte, o apoio, a preocupação, os carinhos e cuidados, agradeço cada abraço. Sou outra mulher graças a cada uma e cada um de vocês. SORORIDADE, eu entendi e senti o que é isso.

Nunca me senti tão feminista. Apesar das violências sofridas eu demorei a colocar lugar de prioridade do feminismo na minha trajetória, era um bloqueio, era uma reprodução do próprio machismo em mim, que também doía, doía inconsciente e constantemente. Desde 1995, quando estava no Movimento Estudantil, eu me aproximava e me distanciava do movimento e tenho uma vergonha disso, de ter demorado a entender a importância essencial dessa luta como uma luta por liberdade, uma luta civilizatória. Faz tempo que isso vinha mudando significativamente e hoje sou totalmente comprometida com as lutas feministas, sem abrir mão da luta pela superação do capitalismo (que aliás é o feminismo que melhor tem encampado abertamente essa luta) e da revolução!!

Claro que o caso da Marielle me abalou demais e hoje ninguém consegue deixar de falar disso. Não falo dela diretamente, a sua importância e trajetória está contada aos quatro cantos do planeta.

Vou apenas colar aqui o cabeçalho que coloquei quando compartilhei a postagem do Julian Rodrigues no FB:

“Algumas pessoas diziam que para a população pobre e preta nunca existiu Estado de direito e tinham razão. Mas o golpe dado atinge ainda mais brutalmente a essas pessoas.
O primeiro lugar onde a vida piora é onde elas estão. As primeiras pessoas a sentirem a perda de direitos sempre são as que tem poucos direitos e onde essas poucos direitos fazem a diferença mais brutal.

E as primeiras lideranças políticas e do povo a estarem sob ameaça são justamente as que defendem essa parcela da população.

É fundamental saber quem puxou o gatilho. Mas cada pessoa que foi a uma passeata com a camisa da CBF tem sangue nas mãos. Cada pessoa que compartilha a defesa da intervenção militar tem sangue nas mãos. Cada pessoa que propaga discurso de ódio tem sangue nas mãos. Cada um que teve a oportunidade de enxergar o que estava acontecendo e não denunciou e não reagiu e não defendeu quem está sendo atacado pelo golpe que veste toga, carrega microfones e dirige o mercado financeiro tem sangue nas mãos. Cada um que fingiu não ver o golpe para marcar posição ou se fazer de revolucionário tem sangue nas mãos. Cada pessoa que tergiversou a defesa dos atingidos pelo golpe tem sangue nas mãos. Cada liderança ou militante que dificultou a unidade da esquerda pelos seus interesses individuais ou de grupos políticos tem sangue nas mãos.
E ainda haverá muito sangue. Mais sangue do que já havia de pretos e pobres das favelas, mais sangue de mulheres e LGBTs, mais sangue de trabalhadores e trabalhadoras do campo do que já havia, agora misturado com o sangue das lideranças políticas que denunciavam a situação de guerra em que se vive nas favelas e no campo, agora esse sangue terá menos vozes…  Ou mais, se cada um de nós assumir par si ir pras ruas e dizer não ao golpe, não à intervenção militar, não à falsa guerra ao tráfico como desculpa para o encarceramento e o genocídio da juventude negra. Não foi em vão!”

#MariellePresente #AndersonPresente

#SolidariedadeTrabalhadoresDeSãoPaulo

#ForaDoria

Agradeço #StephenHawkings, você vai ganhar uma coluna todinha sua dia desses…

 

[avatar user=”Elenira Vilela” size=”thumbnail” align=”left” link=”attachment” target=”_blank” /]Elenira Vilela é professora e sindicalista.

 

2 COMENTÁRIOS

  1. Elenira

    Dias atrás estava escrevendo algumas observações sobre teu depoimento relativo à violência sexual de que foste vítima, quando ocorreu o assassinato político dramático da Marielle Franco. Como ficamos num estado de comoção coletiva achei conveniente aguardar. Agora, um tanto atrasado, pego o gancho em que fazes uma reflexão sobre as manifestações de solidariedade que recebeste para voltar ao assunto.
    Com o depoimento em que relatas aquele evento dramático de tua vida, sinto-me encorajado a escrever-te como um gesto de apoio e solidariedade que nos caracteriza enquanto companheiros de lutas, de jornadas e projetos de transformação histórica.
    Quebras um silêncio deliberado, um silencio de muitos anos, um silêncio penoso, um silêncio que te custou uma imensa e contínua dor, para agora expor, numa corajosa torrente de palavras, uma violência da qual foste vítima, você e tantas outras mulheres. Vítimas de uma cultura machista, vítimas de pulsões indomadas de homens não contidos por valores civilizatórios, eles próprios vítimas da miséria social, privados de direitos, reduzidos à abjetas condições de vida, que os tornam homens privados de princípios morais, desprovidos de elementares noções de respeito à dignidade e à vida de seus semelhantes.
    Mas é do fundo destes traumas que, em algum momento reemerge – por força de um caráter íntegro, de uma vivaz personalidade e do apoio e solidariedade de tantas pessoas de teu campo afetivo-, uma nova energia que brota do fundo da alma, superando afrontas e violências sofridas e recolocando a vida num curso que pode ser novamente trilhado. Sim, sair deste inferno pessoal foi uma luta prolongada, como relatas, tiveste que te desafiar, elevar-se acima e além de forças que nem sabias possuir.
    Neste longo percurso de transformar a memória sombria daquele episódio em autoconsciência, liberada dos sentimentos contraditórios de vergonha, humilhação, culpa ou impotência, eliminas um pesado fardo e crias um ponto de virada catárquico.
    Esta árdua elaboração interna, pela qual recuperaste tuas condições dignas de vida, é também um indicador de tua resiliência diante das desventuras da vida, das quais ninguém está isento.
    O teu depoimento sobre aquele inominável episódio é um atestado eloquente de quanto tens avançado na superação de suas sequelas, um gesto de despojada grandeza em expô-lo publicamente, para que não apenas um maior número tome ciência das tragédias pessoais e coletivas que se abatem sobre tantos, especialmente sobre as mulheres, mas também sobre enormes contingentes de despossuídos, discriminados, vulneráveis de todo tipo.
    Atitudes como a que tomaste com esta dolorosa revelação, também pode contribuir para expandir uma consciência social, que leve à luta para transformar as condições e as estruturas que tornam possíveis semelhantes atos de barbárie.

    Abraço solidário,
    Remy JF
    Fpolis. 23/03/2018

  2. Elenira Vilela, parabéns pelo seu artigo, sua história, é igual… as mulheres do mundo inteiro ,quero abraçar-te com muito carinho, essa pessoa linda que sempre foste, vai meu convite para criarmos uma página que possa tornar nossos jovens proativos, e não em tristes meliante cujo final, destino são somente fétidas, prisões, escolas do crime.
    y ????Bom Dia, que bom amiga, que foste tu a aparecer, esta manhã com tão lindo texto, a solução está no ensino e no trabalho, e não somente no”choro” arregaçar as mangas e apontar os defeitos e as qualidades: uma avaliação. Sentei no PC com um firme propósito de criar esta nova página. Ocupar-nos o quanto podemos da educação, e convidando a todos a participar, temos bons jovens, formandos ou não, mas cheios de qualidades e talentos, vamos começar a caminhar, para diminuir todos os obstáculos e dificuldades que está fazendo nosso país, um país tão imenso e rico, no pior país do mundo…. há muito o que fazer…. vamos fazer… e sem interesse, apenas o de agregar, já se tornará um país economicamente sustentável para todas as classes, cores, crenças e demais opções… ao trabalho. fica meu convite. beijos

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