Eu estive nos 3 protestos contra o aumento das passagens em SP

Por Yan Boechat.

Como tá todo mundo dando seu pitaco nessa questão de São Paulo, não me contive e vou dar o meu também.

Estive nos três protestos contra o aumento das passagens de ônibus em São Paulo. Nas três fui como jornalista, trabalhando para mim mesmo, ora como repórter, ora como fotógrafo. Confesso que no começo não me ficou clara a razão das manifestações. Os preços das passagens estavam sem reajuste há bastante tempo, o volume de subsídio pago pela prefeitura só fazia aumentar e o percentual aplicado ficou abaixo da inflação.

Mas, depois desses três dias no meio dos manifestantes, observando os protestos, conversando com as pessoas e assistindo de perto os confrontos com a polícia, acho que estamos diante de um movimento composto por forças heterogêneas, que pouco dialogam e que, no final das contas, nem gostariam de estar juntas. Mas que podem ter força para colocar, finalmente, a discussão sobre o péssimo transporte público desta cidade na pauta de uma forma menos burocrática

A primeira delas é a elite branca, como gosta de falar o ex-governador Cláudio Lembo. Foi ela, por meio das redes sociais, que incentivou e deu início aos protestos. Boa parte das pessoas do movimento Passe Livre – a imensa maioria de seus apoiadores mais próximos – não parece ter uma dependência tão profunda do sistema público de transporte. Nos primeiros protestos, notadamente no segundo e mais pacífico, o público que protestava era composto por bem arrumados e cheirosos manifestantes. Gente que mora no centro expandido, que acredita que uma bicicleta pode ser a solução para o problema do trânsito numa cidade das dimensões de São Paulo.
SP

Na sexta-feira, bastaram três bombas de efeito moral, umas duas de gás e alguns gritos para que a multidão deixasse a pista expressa da Marginal. O movimento que prometia parar São Paulo parou apenas as ruas que a Polícia Militar permitiu. Após posarem para fotos, os PMs ouviam a brincadeira dos repórteres: “Ah se todo jogo do Corinthians fosse assim, hein?”. Estava claro, naquele momento, que os manifestantes ali tinham muito mais a perder do que a ganhar com um enfrentamento com a polícia. Ao final do protesto, muitos diziam, ainda com máscaras de gás penduradas no pescoço e lenços com motivos árabes a lhes cobrir o rosto, que nada foi quebrado. Estavam orgulhoso que tudo ocorreu pacificamente na manifestação docilmente controlada. Afinal, rebeldia tem limite.

Na outra ponta do que ocorre em São Paulo hoje está uma parcela da população, a vasta maioria dela, que genuinamente sofre com o péssimo sistema de transporte público. Uma quantidade considerável dos moradores dessa cidade vê uma parte importante de sua renda ser comprometida para se locomover por trens, ônibus e metrô. Não é que falta dinheiro para ir ao bar da Vila Madalena ou da Augusta e pagar R$ 9,00 por uma cerveja long neck. É dinheiro que falta para comprar uma roupa melhor, que falta para pagar a mensalidade da faculdade dos filhos, ou que faz a TV de plasma ficar mais cara. Até porque não há quem tenha dinheiro para pagar R$ 6,40 para ir e vir que esteja passando fome.

É essa parcela da população que tem mais a ganhar do que perder ao entrar em confronto com a PM. É essa a parcela que tem raiva, que se sente, de fato, injustiçada e explorada por pagar R$ 3,20 numa passagem de ônibus. Essa população, no entanto, não tem o mesmo poder de mobilização que os organizadores dos protestos. Não tem a mesma voz.

O que aconteceu ontem em São Paulo foi o encontro dessas duas São Paulo, sempre tão distantes uma da outra. A rica e a pobre. A educada que vê o mundo sob o prisma de Londres e Nova York e a outra, que vê a Zona Oeste, por exemplo, como se ela já fosse Londres ou Nova York. É desse encontro, explosivo, é verdade, que pode, de fato, sair alguma mudança mais significativa na histórica má vontade do poder público paulista para com o transporte de massa.

Ontem estavam lá os office boys, os advogados recém formados que são o orgulho da família da Zona Leste, os técnicos em informática que voltavam para casa. Enfim, uma população heterogênea, como só o centro de São Paulo tem. Não foram eles, necessariamente, os responsáveis pelo confronto e pela violência. Mas muitos deles, com certeza, se recusaram a simplesmente aceitar as determinações da Polícia Militar.

A violência, as depredações, o clima de insegurança, infelizmente, são os efeitos colaterais de qualquer disputa em que o povo queira se fazer ouvir de forma efetiva, goste-se ou não. Uma manifestação sem confronto, sem embate e sem estragos é quase sempre inócua. E não vale citar Ghandi, porque ainda há muito sangue e lágrimas sendo derramados na Índia e no Paquistão.

Cabe agora à parcela que consegue se organizar se fazer ouvida pela grande massa que sofre de forma mais profunda com o sistema de transporte público. Se o discurso sair das rodas de chopp, dos grupos do Facebook e das salas de aula das Universidades mais caras da cidade e chegar aos terminais de ônibus e às estações de Metrô, aí sim São Paulo vai parar se o transporte não melhorar de forma efetiva. Caso contrário, uns 10 centavos de redução já seria o bastante para comemorar a vitória no Instragram.

Fonte: https://www.facebook.com/yboechat?hc_location=stream

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