Estudo da Fiocruz confirma que a falta de testes por parte de governos leva à subnotificação

Foto: Reprodução/Esquerda Diário

Por Fernando Pardal.

Estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz aponta um pouco da dimensão do descaso criminoso dos governos brasileiros que tem como decorrência a morte de milhares por COVID-19.

Segundo os números apontados pela Fiocruz, o número de pessoas internadas por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) em 2020 no Brasil é o maior desde 2010. Dados associados a esse número, como o aumento de internações fora de época, a presença de idosos como grupo mais afetado e o maior percentual de testes negativos para outras gripes são indicativos consistentes de que tais casos são de COVID-19, o que não é confirmado pela ausência de testes massivos para a população.

O levantamento da Fiocruz é feito por meio de um sistema denominado Infogripe, no qual todos os casos de SRAG são relatados pelos hospitais ao Ministério da Saúde e os dados são compilados nessa plataforma.
Segundo o levantamento feito pela Fiocruz a partir desses dados, até 4 de abril deste ano, o Brasil teve 33,5 mil internações por SRAG, um número muito superior à média anual desde 2010, de 3,9 mil casos. Mesmo em 2016, ano em que ocorreu um surto da gripe aviária (H1N1), foram registrados 10,4 mil casos até abril.

De acordo com Marcelo Gomes, coordenador da Infogripe, a causa para esse expressivo aumento é o contágio por COVID-19, que, no entanto, não é notificado como tal por não haver confirmação por meio de testes.

Outro especialista, Antonio Baneira, diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia, corrobora a tese levantada pela Fiocruz: “Não tem nada que justifique o aumento do número de casos de idosos. A gente teve até vacinação antecipada dessas pessoas neste ano. Pode ter certeza que é Covid-19. É provavelmente quase tudo Covid-19. Não tem outra explicação pra isso”.

Ainda de acordo com a Infogripe, 70% dos testes realizados em pacientes que apresentam síndromes respiratórias agudas tem confirmado o diagnóstico de COVID-19, mas apenas uma pequena fração destes tem sido testados, indicando mais uma vez o imenso tamanho da subnotificação. Os números dão uma ideia mais precisa: até a última segunda-feira, 20, haviam sido diagnosticados 8.318 pacientes com COVID-19, contra 1.925 com outro vírus dentre o total dos pacientes com SARG; contudo, os classificados como “não-especificados” eram 15.752 e os que sequer haviam sido investigados, não recebendo nenhum tipo de teste, eram 42.817. Ou seja, nos baseando no número de 70% de diagnósticos para COVID-19 obtidos com os já testados podemos estimar em um número de 40.992 casos não notificados poe falta de testes. Esse é um índice concreto do tamanho do crime que o Estado brasileiro vem praticando.

O total de testes aplicados até hoje no Brasil é de 132.467, um número equivalente a 624 testes por milhão de habitantes. Comparemos esses números com os da Coréia do Sul (11.221 testes por milhão), Alemanha (25.211) ou EUA (o epicentro da crise hoje graças ao negacionista Trump que inspira Bolsonaro – 12.537 por milhão). E não é que estes governos estejam agindo de maneira consequente para salvar sua população, como vimos pela heróica greve dos trabalhadores da Amazon. A questão é que estão muitíssimo à frente do Brasil na questão mais elementar de todas: testar.

A verdade é que o governo Bolsonaro não fornece sequer uma estimativa confiável de quantos testes estão sendo realizados. De acordo com os últimos dados disponíveis, que retratam os dias entre 7 e 20 de abril, eram realizados ínfimos 5.400 testes por dia, o equivalente a 25 por cada um milhão de habitantes!

Segundo Aurélio Krieger, presidente da Fiocruz, o principal empecilho hoje está na capacidade de processamento dos testes, e não tanto na coleta. Ele diz que hoje o Brasil já ampliou sua capacidade para 10 mil testes diários, quando antes era de apenas 2 mil. Apenas no estado de São Paulo são 2 mil, e afirma ainda que a meta é chegar a até 8 mil por dia até o fim desse mês. Segundo sua previsão, em breve o Brasil atingirá a capacidade de 30 mil testes diários. Para termos uma dimensão da gravidade, para atingir o mesmo patamar de testagem que há hoje nos EUA (ainda insuficiente), seriam necessários 95 mil testes por dia no Brasil.

Máquinas de auto-testagem que poderiam processar em menos de meia hora as amostras são vistas como uma possível solução. A China está competindo para ser a fornecedora dessas máquinas. E aqui vemos mais uma vez qual é o real “gargalo” da sociedade capitalista: o lucro. Se todos os recursos que a humanidade possui fossem destinados a resolver essa crise na saúde, rapidamente poderíamos ter essas máquinas de auto-testagem feitas e produzidas em todos os cantos do mundo. Os laboratórios da indústria farmacêutica poderiam facilmente ser reconvertidos para a produção de kits e o processamento das amostras, colocando uma das indústrias mais ricas e poderosas do mundo a serviço das nossas necessidades. Mas não: a propriedade privada e os lucros capitalistas interferem.

Medidas ainda mais elementares esbarram nas fronteiras de classe: hoje qualquer um que for a um laboratório privado com sintomas leves e uma quantia suficiente de dinheiro para pagar será testado. Isso se demonstra no caso exemplar de um clube paulistano de elite que realizará testes em todos os seus associados que desembolsem a modesta quantia de R$ 300. Essa capacidade de testes, que deveria estar sendo direcionada para quem mais necessita, como os profissionais da saúde ou para conter a calamidade que está se abatendo sobre Manaus, estão a serviço dos ricos.

Por isso que a unificação do sistema de saúde, com todos os serviços privados sendo incorporados ao SUS sob controle dos trabalhadores da saúde, com a quebra das patentes dos testes e das máquinas necessárias, a reconversão da indústria e outras medidas que sirvam para atender de fato à demanda mais elementar são a única forma de garantir que milhares de vidas não sejam perdidas. É por isso que precisamos lutar.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.