Estudo aponta conexão entre mudanças climáticas e os temporais que afetam o Nordeste

Cálculo feito pela World Weather Attribution usou comparação entre dados atuais e simulação de mundo pré-industrial

No fim de maio, partes de Pernambuco registraram 70% do volume de chuvas esperado para todo mês em apenas 24 horas – Sergio Maranhão/ AFP

Por Alex Mirkhan, para Brasil de Fato.

Mais de 25 mil pessoas ficaram desabrigadas e 133 morreram, além de milhares de casas terem sido inundadas ou deslizarem morro abaixo. Algumas tristes consequências dos temporais que caíram em parte do Nordeste, especialmente Pernambuco, entre o fim de maio e o início de junho e que constam em estudo do World Weather Attribution (WWA), divulgado nesta terça-feira (5).

A iniciativa reúne cientistas de Brasil, Reino Unido, Holanda, França e Estados Unidos que, nesta etapa brasileira, se basearam nestes eventos extremos, desde seus primeiros sinais meteorológicos até suas consequências finais. O objetivo era aferir a influência do aquecimento global de 1,2ºC para a ocorrência e a intensidade dessa catástrofe natural.

Baseado em dados relativos ao período entre 7 e 15 dias mais agudos de chuva, o grupo projetou que a intercorrência humana aumentou consideravelmente as probabilidades de ocorrências como essa no futuro. Segundo o pesquisador Lincoln Alves, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o estudo demonstra que as probabilidades de eventos extremos como esse se tornarem mais intensos no futuro são cada vez maiores.

“Quando a gente analisou a variabilidade natural do clima, considerando as emissões dos gases do efeito estufa, o desmatamento, a gente conseguiu quantificar e dizer que esse evento, apesar de ter sido raro, teve a chance de ser em torno de 20% mais intenso com a mudança do clima”, explica.

Assista ao vídeo:

Outras regiões sofrem com o excesso de chuvas em julho

O recorte geográfico feito pelos pesquisadores inclui Pernambuco, Alagoas e Rio Grande do Norte, mas não reúne dados relativos aos desastres que voltaram a ocorrer nesses estados nos primeiros dias de julho.

Apenas nos primeiros cinco dias deste mês, mais de 12 mil pessoas estavam desabrigadas e cerca de 52 mil desalojadas. Cidades da Zona da Mata Sul e do Agreste apresentaram os piores indicadores, de acordo com dados disponibilizados pelos governos estaduais.

Além do inverno ser o período de chuvas no litoral nordestino, outras características socioeconômicas e geomorfológicas ajudam a explicar a ocorrência de picos de chuva como os vistos nos dias 27 e 28 de maio. Em pouco menos de 24 horas, partes de Pernambuco registraram 70% do volume de chuvas esperado para todo mês.

Entram nessa conta também alguns problemas históricos de urbanização desordenada, ocupação de margens de rios e encostas, além dos elevados níveis de pobreza e marginalização das populações mais vulneráveis. É o que aponta Alexandre Köberle, pesquisador do Grantham Institute na Universidade Imperial de Londres.

“Fatores como a expansão urbana em áreas de risco de deslizamento e enchentes é um dos fatores que ampliam os impactos de chuvas e inundações. Construções que não são feitas necessariamente com os padrões de segurança e o problema de drenagem também são recorrentes em certas regiões”, sublinha Köberle.

Prevenção é um dos desafios para o futuro

Também participante da pesquisa da WWA, a meteorologista Edvânia Pereira dos Santos, da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), ressalta os esforços feitos pela Defesa Civil para alertar a população antes das ocorrências de maio e junho. Segundo ela, a Apac acionou os órgãos competentes sobre os prognósticos de chuva com três meses de antecedência.

“A partir disso já foram tomando decisões da Defesa Civil, buscando ter mais ações de resposta, apesar de não ter sido tão eficiente porque o evento foi maior do que a gente esperava”, relata.

Edvânia acredita no potencial das redes sociais para ajudar a estabelecer uma comunicação mais eficiente e ágil com a população. “Por conta do evento extremo, nós conseguimos em torno de 50 mil seguidores no Instagram, que é uma ferramenta muito acessível para a população mais vulnerável, com menos instrução, que mora em lugares de mais risco”, defende a cientista, que se queixa das barreiras culturais ainda existentes sobre o assunto.

A antecipação dos eventos climáticos já é feita com certa precisão, segundo Köberle, mas ainda é necessário criar ou reforçar sistemas de alerta para situações de emergência. “Isso é fundamental para uma evacuação, por exemplo, das populações mais vulneráveis, que poderia reduzir os piores impactos, como perda de vida e ferimentos graves”, elucida.

O urbanista Luiz Firmino, pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV-CERI), inclui a instalação de sirenes em áreas de encosta, onde o tempo de reação costuma ser muito pequeno. Ele também é entusiasta de adaptações de grande porte, como a construção de barragens para conter as inundações.

“Diques podem segurar a água antes de chegar nos assentamentos, que depois pode ser liberada aos poucos quando a chuva diminuir”, exemplifica. Ele também salienta que a falta de planejamento, aliada à falta de opção de moradias mais seguras, são fatores intimamente ligados às áreas de risco.

Ameaças à legislação ambiental podem agravar o cenário

Alguns Projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional tentam fazer novas alterações no Código Florestal para afrouxar regras ambientais. Firmino cita como exemplo a Lei 14.285/21, que passa aos municípios o poder de regulamentar as faixas de restrição à beira de rios, córregos, lagos e lagoas nos seus limites urbanos.

“Não é à toa que, desde 1965, o Código Florestal já falava que você tem que ter uma área de proteção de X metros para cada lado exatamente porque o rio sai da calha. Não é só proteger a mata ciliar e evitar que entre assoreamento do rio, mas porque o rio sai da sua calha se houver uma chuva muito forte”, comenta Firmino.

A oposição ao governo no Parlamento ainda tenta impedir o avanço de outros projetos que compõem o chamado “Pacote da Destruição”, composto por PLs que podem liberar maior exploração de recursos e destruição de territórios indígenas e áreas de proteção ambiental. Fatores que ajudariam a intensificar as emissões de gases do efeito estufa pelo Brasil, na contramão das recomendações feitas pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

Por outro lado, uma parte dos deputados também propôs uma série de projetos para ajudar as famílias vítimas dos temporais no Nordeste. Os projetos de maior destaques são os apresentados pelos deputados Mário Heringer (PDT-MG), que obrigaria a União a apoiar e distribuir doações em situação de calamidade, e Danilo Coelho (Cidadania-PE), que prevê auxílio de R$ 10 mil para reconstrução de moradias destruídas pelos temporais.

Uma comissão externa da Câmara dos Deputados também mobilizou representantes de Pernambuco para acompanhar a situação das comunidades atingidas no estado. Sob coordenação de Marília Arraes (Solidariedade), os parlamentares se reuniram nesta terça-feira (5) com moradores de algumas das regiões mais afetadas para ouvir suas demandas.

Edição: Nicolau Soares

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