Espionar para Israel ou morrer em Gaza

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Por Khaled Alashqar.

Gaza, Palestina – “Se quer viver e receber tratamento médico tem meu telefone. Pode me ligar e fazer o que eu peço. Então receberá ajuda médica e poderá sobreviver.” A proposta era de um oficial da inteligência israelense a um paciente de Gaza que desejava recrutar como espião em troca de cuidados médicos. Mas Fadi al Qutshan, de 28 anos, nunca se converteu em agente de Israel. E tampouco sobreviveu muito.

Qutshan sofria de uma rara doença que lhe obstruía as artérias. Sem ajuda possível em Gaza, foi aconselhado a procurar tratamento em um hospital da Cisjordânia. Mas para isso precisou pedir autorização a Israel, a força ocupante, e foi rechaçado em várias ocasiões. Finalmente, foi permitida sua transferência graças à intervenção do Centro Palestino para os Direitos Humanos em Gaza.

Mas, ao chegar ao hospital da Cisjordânia, foi dito a Qutshan que precisaria de tratamento no hospital israelense de Tel Hashomer. Ele conseguiu passagem e admissão nesse centro de saúde, e se submeteu a uma operação de sucesso. Então, os médicos lhe informaram que deveria retornar regularmente para completar o tratamento, mas as autoridades de Israel exigiram algo em troca.

“Seu telefone tocou quando estava sentado ao meu lado, e suas expressões começaram a mudar. Repentinamente cortou a conversação e desligou seu telefone”, contou à IPS Zeina al Qutshan, mãe do jovem. “Depois me disse que o telefonema era de um oficial do serviço de inteligência israelense que lhe ofereceu autorização para retornar ao hospital em troca de trabalhar para Israel como espião em Gaza”, acrescentou a mulher. Zenia disse que seu filho se negou a colaborar. Pouco depois, morreu.

Viajar até hospitais israelenses se tornou uma armadilha para muitos pacientes palestinos que são extorquidos da mesma forma, disse o advogado Ahlam Al-Aqra, do Centro Palestino para os Direitos Humanos em Gaza. “Muitos dos que precisam atravessar os postos de controle são detidos ou pressionados a trabalhar como espiões. Isso vai contra os direitos humanos básicos e deve acabar”, destacou.

A organização documentou vários casos de detenção e extorsão contra pacientes de Gaza que precisam cruzar o posto de Erez (entre Gaza e Israel), bem como de assédio a suas famílias ou acompanhantes. A quantidade de pacientes de Gaza detidos e levados para prisões israelenses aumentou, segundo o Ministério de Prisioneiros da Autoridade Nacional Palestina. O número total de prisioneiros e detidos políticos palestinos em Israel chega a 4.800, e ao menos um quarto deles precisa de cuidados médicos.

Eslam Abdo, porta-voz do Ministério, deu mais detalhes. “No total, 170 prisioneiros precisam de cirurgia, 23 têm câncer e 45 sofrem de alguma incapacidade e precisam de ajuda para se locomover. Dezoito cumprem pena em uma clínica penitenciária na cidade de Ramalá (na Cisjordânia) devido à sua crítica situação de saúde”.

Mais de 1,5 milhão de pessoas vive na Faixa de Gaza, de 360 mil quilômetros quadrados. Devido ao bloqueio israelense, o território sofre uma grave escassez de suprimentos, equipamentos e pessoal de saúde. As poucas clínicas de Gaza não podem atender todas as necessidades médicas, e constantemente enviam pacientes para Cisjordânia e Israel, dependendo da permissão concedida pelas forças armadas israelenses, que controlam o posto de Erez. O sistema de saúde na Cisjordânia está em melhor situação, mas só os hospitais israelenses são plenamente equipados.

O exército de Israel deteve Mahmould Shamlakh quando se dirigia a um hospital desse país. “Depois de obter todas as permissões necessárias, acompanhei minha mulher para que recebesse o tratamento na Cisjordânia”, contou à IPS. “Enviaram minha mulher de volta para casa e me detiveram por nove meses em prisões israelenses sob duras condições e sem nenhum motivo”, acrescentou.

A organização Physicians for Human Rights-Israel (PGH-Israel) condenou essas políticas do Estado judeu contra os pacientes palestinos. Os ativistas já haviam “exortado no passado as autoridades de segurança de Israel para deixarem de manipular as necessidades humanitárias mais básicas dos pacientes de Gaza como meio para coagi-los e a suas famílias”, informou o grupo à IPS em uma declaração. “Essa prática, de prender pacientes ou seus acompanhantes depois de lhes dar permissões e conceder passe livre através do posto de Erez, constitui um tratamento cruel e desumano, e a PHR-Israel a condena e objeta com veemência”, ressalta a declaração.

Nos últimos três anos, 13 mil casos foram enviados para tratamento urgente em hospitais israelenses ou da Cisjordânia, segundo o Ministério da Saúde palestino. O bloqueio de Gaza, somado ao fechamento do posto de Rafah, fronteiriço com o Egito, faz prever que o número aumentará nos próximos meses.

Fonte: Envolverde/IPS

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