Equipe de transição de Lula não possui negros nordestinos

Apresentada ao longo da semana, equipe de transição do novo governo também sofre críticas pela ausência de pessoas negras em pastas estratégicas

Por Elias Santana Malê e Nadine Nascimento, para Alma Preta Jornalismo.

Reprodução

Nos últimos dias, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin anunciou os nomes que, capitaneados por ele, serão responsáveis pela transição para o Governo Lula. Os anúncios foram marcados por críticas ao baixo número de negros na equipe. Dentre os pontos positivos, estão os nomes de algumas personalidades negras bastante atuantes no movimento negro, como Anielle Franco, Iêda Leal, Preta Ferreira, Douglas Belchior e Silvio Almeida.

Junto ao baixo número de pessoas negras na equipe de transição está a ausência de negros nordestinos. Única região onde Lula venceu em todos os estados, o Nordeste tem baixa representatividade no grupo e não possui nomes negros.

As pessoas negras que compõem a equipe de transição estão restritos a três pastas: Direitos Humanos, com Silvio Almeida e Janaína Barbosa de Oliveira; Igualdade Racial, com Nilma Lino Gomes, Ieda Leal, Preta Ferreira, Givania Maria Silva, Douglas Belchior, Thiago Tobias e Martvs das Chagas; e Mulheres, com Anielle Franco e Roseli Faria.

As demais pastas não contam com pessoas negras na equipe. São elas: Planejamento, Orçamento e Gestão, Comunicações, Indústria, Comércio e Serviços, Assistência Social, Desenvolvimento regional, Economia, Educação, Saúde, Cidades e habitação.

Samuel Vida, professor, advogado e membro do Programa Direito e Relações Raciais da Universidade Federal da Bahia (PDRR-UFBA), publicou uma crítica em sua conta no Twitter e aponta ‘sudestinocentrismo’, ou seja, escolhas baseadas e voltadas ao sudeste do país.

“O nordeste negro ganha as eleições presidenciais e elege Lula, mas o sudeste/sul branco e derrotado dá as cartas e compõe, quase exclusivamente, a equipe de transição. Grupo de igualdade racial sem a Bahia, nenhum nordestino nos grupos estratégicos. Sudestinocentrismo escandaloso”.

Em entrevista exclusiva à Alma Preta Jornalismo, o professor da UFBA explica como um “sudestinocentrismo” pode ser prejudicial não só ao nordeste, mas à toda luta do povo negro.

“Há uma tradição política sudestinocêntrica controlada pela branquitude que sempre usurpa o comando e as estruturas de poder, mesmo nos governos do campo progressista. Este sudestinocentrismo é racista, excludente e precisa ser interrompido. A ausência de pessoas negras nas pastas estratégicas sinaliza para a repetição do modelo de enquadramento da questão das relações raciais assimétricas e violentas a um entendimento enquanto fenômenos residuais, secundários ou prevalentemente manifestados nas relações interindividuais”, conta.

“Não é possível enfrentar o racismo e o genocídio negro apenas com órgãos especializados, como a SEPIR, localizados na periferia do núcleo estratégico do poder, sem infraestrutura e orçamento e sem conexões efetivas junto aos programas estratégicos de governo e os ministérios dotados de capacidade efetiva de intervenção política e de gestão. Sem este entendimento, pode vir a fracassar a oportunidade de promoção de um salto positivo na redefinição das relações raciais no Brasil e na construção de um horizonte democratizante para a sociedade brasileira”, complementa.

Samuel Vida também aponta a importância de se incluir no debate grupos importantes que ajudaram a derrotar Bolsonaro nas urnas. Para o advogado, negros, mulheres e nordestinos precisam ter sua voz ouvida.

“A eleição presidencial foi definida pela expressiva adesão dos segmentos mais marginalizados da sociedade brasileira ao projeto capaz de deter o bolsonarismo e sua política de intensificação do genocídio e de desconstitucionalização. Os negros, as mulheres, os nordestinos apostaram suas fichas na recondução de Lula à presidência e na retomada da agenda democratizante iniciada na transição pós ditadura civil-militar e formalizada nos arranjos jurídico-políticos da Constituição de 1988. Portanto, causou profunda estranheza a ausência de lideranças e intelectuais das comunidades negras nordestinas, assim como, no geral, a escassa participação de pessoas nordestinas”, afirma.

Ele ainda ressalta que as críticas não são aos nomes negros apresentados, mas à ausência de nomes nordestinos e de outros nomes negros em pastas estratégicas.

“Não questiono as indicações negras apresentadas. Celebramos os nomes indicados e sabemos que contribuirão bastante para pensar o futuro governo. Entretanto, entendo que a pluralidade e amplitude da experiência negra brasileira fica deficitária sem a Bahia e o nordeste. Assim como questiono a limitação e concentração dos nomes da comunidade negra ao grupo da igualdade racial, mulheres e direitos humanos. Temos quadros e propostas para todas as áreas, especialmente aquelas que integram o núcleo estratégico de um projeto de desenvolvimento orientado para a realização dos objetivos da Constituição”, finaliza.

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