Por Sylvio Costa .
Três organizações, integradas pelas principais plataformas digitais em atividade no país, divulgaram há pouco carta aberta pedindo que seja adiada a votação do Projeto de Lei 2630/2020, mais conhecido como PL das Fake News. Elas pedem que seja criada uma comissão especial para discutir o assunto, alertando para a “gravidade das consequências decorrentes da eventual aprovação do texto hoje disponível”.
O documento é assinado pela Associação Latino-Americana de Internet (Alai), pela Câmara Brasileira da Economia Digital (camara-e.net) e pela Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assespro).
Integram tais entidades, entre outras companhias, a Alphabet (dona do Google e do YouTube), a Meta (proprietária do Facebook, do Instagram e do WhatsApp), o Mercado Livre, o Yahoo, a Trivago, o Quinto Andar e o extra.com.
Na carta, as empresas alegam que o texto pronto para votação no Plenário da Câmara restringe a liberdade; possibilita o controle estatal de conteúdos; pode levar ao aumento da desinformação ao instituir a cobrança compulsória em favor de produtores de conteúdo jornalístico; e cria um sistema de “vigilantismo” ao obrigar as plataformas a monitorarem o que circula em suas redes.
Segundo o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a votação do PL 2630 deve ocorrer na semana que vem. O projeto é relatado por Orlando Silva (PCdoB-SP) e sempre gerou muita polêmica, desde sua aprovação no Senado, em junho de 2020 (veja como os senadores votaram na época).
Íntegra do documento divulgado pela Alai, pela camara-e.net e pela Assespro:
“CARTA ABERTA – PRECISAMOS DE UMA COMISSÃO ESPECIAL PARA DEBATER O PL 2630/2020
A respeito do anúncio da votação do Projeto de Lei nº 2630/2020 a partir da próxima terça-feira (25/4), as entidades aqui subscritas, representantes do setor de tecnologia, vêm manifestar firme preocupação com a ausência de governança do debate até o momento, bem como com a gravidade das consequências decorrentes da eventual aprovação do texto hoje disponível.
Esforços de regulação de tecnologia são bem-vindos e nós queremos ser parte da construção de uma legislação que responda de maneira eficiente e equilibrada a desafios públicos. Entendemos, por exemplo, que temas como transparência e um processo justo e equânime para moderação de conteúdo e apelação de decisão, entre outros, são relevantes e devem ser objeto de discussão.
É preciso qualificar o debate sobre o PL 2630 e alertar para seus inúmeros riscos.
Embora o PL tramite no Congresso há 3 anos, ele é fruto de um processo tortuoso e fechado, e segue desta maneira. Diferentemente do Marco Civil da Internet e da Lei Geral de Proteção de Dados, o PL 2630 nunca foi objeto de consulta pública. O projeto foi aprovado pelo Senado sem uma única audiência pública, nunca passou por uma comissão (nem no Senado e nem na Câmara) e agora tramita informalmente, com um texto que, a poucos dias da votação, não é oficial, nem conhecido da sociedade brasileira.
Na ausência de um texto formal, nos vemos obrigados a comentar a versão informal mais recente, que circula desde ontem, e apontar para seus inúmeros riscos:
1. Restrição da liberdade online. Diversos dispositivos do texto (como dever de cuidado e risco sistêmico) buscam responsabilizar plataformas por conteúdo de terceiros e fazê-las analisá-los sob o aspecto de legalidade (competência privada do Poder Judiciário), criando um perverso incentivo ao vigilantismo e à censura privada por parte das plataformas;
2. Controle estatal do discurso. O PL prevê a criação de uma entidade pelo Poder Executivo que ficaria encarregada de supervisionar o cumprimento das obrigações estabelecidas em lei, inclusive questões relacionadas a discurso. O governo, atual ou futuro, teria a prerrogativa de decidir se as plataformas estão arbitrando conteúdo corretamente e enviesar interpretações sobre o que deveria ou não estar nas plataformas, podendo inclusive determinar o banimento dos serviços;
3. Aumento da desinformação no ambiente online. Sem um conceito claro do que constitui jornalismo e da determinação do que pode ser considerado um veículo de mídia, as plataformas estariam à mercê de maus atores, obrigadas a remunerar inclusive veículos de baixa ou nenhuma qualidade, propagadores de desinformação. Este efeito é potencializado pela proposta ao impedir que provedor de aplicação remova conteúdos jornalísticos, obrigando assim as plataformas a manterem no ar qualquer conteúdo dito jornalístico, seja ele controverso, enganoso ou duvidoso.
4. Ameaça à publicidade digital, prejudicando marcas, criadores e pequenas empresas. Sem nenhuma isonomia com o restante do ecossistema de publicidade, o PL cria diversos embaraços à publicidade digital, inclusive corresponsabilizando as plataformas por conteúdos de anunciantes, e criando um perverso incentivo para que, a partir de notificações de concorrentes (sejam políticos, econômicos ou de outra ordem), as plataformas tenham de censurar anúncios de marcas, criadores e pequenas empresas.
5. Vigilantismo. Obrigações como as impostas pela “análise e atenuação de risco sistêmico” e dever de informar autoridades competentes da suspeita de “que ocorreu ou possa ocorrer um crime” criam incentivos para que as plataformas atuem como um órgão de monitoramento e vigilância, o que deveria ser afastado por qualquer proposta de legislação.
Estamos diante da mais impactante proposta de legislação de internet em uma década, e, como acima exposto, uma proposta que vem com inúmeros riscos.
Nós pedimos aos parlamentares brasileiros que rejeitem a urgência do PL 2630 e apoiem a criação de uma comissão especial destinada a debater o tema. Isso permitirá mais debate e a produção de consensos que possam mitigar os riscos mencionados.
Reiteramos nossa disposição em continuar dialogando com os poderes constituídos para debater e contribuir com a construção de uma boa regulação de internet.
Associação Latino-Americana de Internet – Alai
Câmara Brasileira da Economia Digital – Camara-e.net
Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação – Assespro”.