Por Lu Sudré.
As condições precárias de vida e trabalho de latinos e negros nos Estados Unidos, os tornaram as principais vítimas da covid-19 no novo epicentro global da pandemia. A análise, feita ao Brasil de Fato por ativistas estadunidenses, é confirmada pelos dados oficiais.
A Secretaria de Saúde de Nova York, maior centro financeiro e comercial do país, por exemplo, informou no dia 9 de abril que 34% das mortes em decorrência da doença respiratória registradas na cidade eram de pessoas latinas, apesar de representarem apenas 29% da população nova-iorquina.
Os negros foram o segundo grupo mais afetado pelo coronavírus e representavam 28% das vítimas fatais, enquanto, na cidade, são apenas 22%.
Atualmente, o cenário é ainda mais grave: Segundo informações atualizadas pelo Centro de Controle de Doenças (CDC) nesta terça-feira (21), o país de Trump registrou 41.758 mortes causadas pela covid-19 e mais de 776 mil infecções foram confirmadas.
Publicado no início da semana, levantamento feito pela BBC News Brasil, explicitou que o aumento exponencial de casos continua afetando intensamente a comunidade latina: em municípios estadounidenses que concentram grande contingente de migrantes da América Latina no geral, as chances de adoecer e morrer é de 20% a 33% maior do que em outras localidades do país.
Diretora do The People’s Forum (Fórum do Povo, em português), em Nova York, a ativista Claudia de La Cruz afirma de forma contundente que grande parte dos negros e latinos nos EUA sobrevivem em condições socieconômicas vulneráveis e ocupam postos de trabalho renegados pelos próprios estadounidenses.
“As comunidades negras e latinas trabalham em setores com baixos salários e estão expostas a todo tipo de enfermidade. Essa realidade precária só se aprofundou. A pandemia global está visibilizando a negligência e incompetência da administração de Trump, do sistema e suas estruturas”, declara La Cruz.
Segundo ela, permanecer em casa e ficar em quarentena contra a proliferação do vírus, não é uma opção na vida dos trabalhadores mais pobres.
“Muitos latinos e negros trabalham na indústria de delivery, em fábricas, praças de alimentação, supermercados, em bancas de agricultura, no transporte público, em hospitais… Esses são espaços de alto risco e com escassez de materiais necessários para a prevenção. São pessoas fazendo trabalhos de grande importância mas que não são ‘considerados essenciais’ em um momento em que não há crise”, ressalta a ativista.
Nijmie Dzurinko, integrante da Poor People’s Campaign: A National Call for Moral Revival, uma campanha contra a pobreza que atua em mais de 40 estados estadounidenses, endossa que os negros têm ampla representação em sub-empregos essenciais, e é isso que tem resultado no adoecimento maior entre eles.
“Nós [negros] estamos morrendo em uma taxa duas vezes maior do que a taxa da população geral. Particularmente no Sul, em Missouri, Carolina do Sul, Louisiana, Giorgia, Mississipi e Arkansas. Assim como na região Centro-Oeste, no Michigan, Kansas e Illinois. Em muitos desses estados, o acesso ao sistema de saúde é pouco e o Medicaid [plano de saúde voltado para os mais pobres] não foi expandido”, denuncia.
Dzurinko também cita que em comunidades rurais localizadas em Louisiana, muitos agricultores estão mais suscetíveis à covid-19 por conta do contato com substâncias nocivas produzidas por uma petroquímica da região. A ativista destaca que comunidades indígenas também tem sido impactadas pela pandemia. “A Navajo Nation, por exemplo, perdeu mais pessoas para a covid-19 do que 13 estados juntos”, aponta.
Acesso à saúde
Moradora do Bronx, bairro nova-iorquino, e filha de imigrantes latinos, De La Cruz faz questão de registrar que o sistema privado de saúde dos Estados Unidos tem falhado com latinos e negros há décadas. Agora, com a pandemia do coronavírus, a situação é ainda mais grave.
Recebendo baixos salários, os trabalhadores latinos não conseguem arcar com os custos dos planos de saúde para serem atendidos, mesmo aqueles que apresentam sintomas da covid-19.
O temor e desconfiança em relação às instituições do Estado, que de acordo com a ativista do People’s Forum perseguem e vigiam essas comunidades historicamente, também as afastam da assistência médica.
“É difícil para a comunidade latina e negra acreditar que irão a um hospital e não terão que pagar uma fatura de milhares de dólares no fim da visita. Ou uma pessoa sem documentos, acreditar que irá à clínica, e de alguma forma, não terá suas informações utilizadas para ser deportada. Há uma esfera de desconfiança em relação ao Estado por razões muito reais”, lamenta.
Conforme relata De La Cruz, mesmo as pessoas que buscam auxílio, não tem conseguido receber ajuda de fato. “Elas encontram uma realidade de escassez de exames e a superlotação de pessoas que estão indo aos hospitais. Para muitas dessas pessoas, ir a um hospital é algo irreal pela falta de acesso econômico para pagar, mas também porque são espaços que não tem atendido às necessidades das comunidades negras e latinas de uma maneira digna”.
Racismo estrutural
Para Njimie Dzurinko, os impactos desproporcionais sofridos pelas pessoas negras durante a pandemia resultam da desigualdade econômica estrutural do sistema capitalista, assim como da destruição do meio ambiente que compromete a imunidade da população.
Integrante do Put People First (Pessoas em primeiro lugar, tradução livre em português), organização que atua em defesa do direito à saúde da população americana em diversos estados do país e principalmente na Pensilvânia, Dzurinko complementa que grande parte dos negros que moram nos Estados Unidos não possuem condições mínimas para enfrentar o coronavírus.
“Temos moradia inadequada além de muitas pessoas sem casa, o que torna muito difícil lavar as mãos e evitar tocar o rosto. Temos cortes frequentes no racionamento de água, então, milhões de pessoas não tem acesso a água em casa”, critica.
“No geral, nós [negros] somos maioria entre população pobre e sem posses. E essas pessoas, como a classe trabalhadora como um todo, são as mais vulneráveis ao vírus. Esses fatores como pobreza e devastação do meio ambiente, são as condições pré-existentes. É o racismo sistêmico que faz com que sejamos mais suscetíveis e estejamos morrendo em taxas mais altas por conta do vírus”, reforça em tom enfático.
Vidas valem mais
Mesmo com os altos números de morte e contaminação, o presidente Donald Trump, assim como Bolsonaro, já manifestou diversas vezes o desejo de que as medidas de isolamento social sejam flexibilizadas para reduzir impactos negativos na economia.
De La Cruz, que também atua na área da educação popular e formação política, avalia que o posicionamento de ambos os presidentes obedecem ao interesses neoliberais em detrimento da vida da população.
“É a lógica que prioriza a acumulação de riqueza para um número pequeno de pessoas e condenam à morte a maioria da população trabalhadora”, destaca.
Dzurinko ecoa a crítica aos governos. “Estamos enfrentando uma situação em que o governo quer reabrir o país. Na verdade, as corporações querem, para que eles continuem fazendo lucro. Mas eles irão colocar nossa vida em risco pelo bem de seu lucro, ao invés de deixar as pessoas ficarem em casa e darem suporte a elas”, afirma.
Solidariedade
Em meio à falta de assistência do governo, grupos e coletivos das comunidades negras e latinas estão fortalecendo iniciativas para apoiar os mais vulneráveis.
“Estão sendo organizadas a preparação e distribuição de comida, assim como a criação e doação de máscaras para os trabalhadores essenciais. Nos organizamos na falta de um governo responsável. As comunidades, como sempre, estão tomando a responsabilidade de salvar e proteger suas vidas”, finaliza De La Cruz, diretora do People’s Forum NY.