Por Arthur Stabile.
O coronavírus matou 16 pessoas nas prisões brasileiras desde início da pandemia e há, até o momento, pelo menos 369 casos confirmados da doença. O número de óbitos coloca o país em 4º lugar na lista de mortalidade em decorrência da pandemia nas prisões do mundo.
Para se ter uma ideia, na população em geral, 109 mil estão infectados e 7.391 morreram, o que coloca o Brasil na 7ª posição.
Somente Estados Unidos (51), Bolívia (24) e Irã (17) têm números absolutos de presos vítimas da covid-19 maior do que o Brasil (veja detalhadamente no gráfico abaixo). Os dados são divulgados pela plataforma do Departamento Penitenciário Nacional, vinculado ao Ministério da Justiça, criada para o acompanhamento da doença.
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Os casos fatais se concentram nos estados de São Paulo (6), Rio de Janeiro (4), Pernambuco (3), Espírito Santo (2) e Roraima (1). Mas esses números são maiores. Isso porque há, pelo menos, duas mortes não computadas pelo Depen até o momento. Uma em SP, que com isso chega a 7 óbitos em prisões, e outra no Ceará, segundo o G1.
Se considerarmos os dados confirmados pelas administrações penitenciárias dos estados, o Brasil chega a 19 mortes e passa o Irã, ficando em 3° lugar na lista.
A taxa de mortalidade na população prisional brasileira, que é de 744.216 pessoas, é de 2 mortos em cada 100 mil.
Mundialmente, o número é similar ao registrado pelos Estados Unidos. Apesar das 51 mortes, a taxa local de mortos é de 2,3 por 100 mil em uma população de 2.217.947 presos. Já a Bolívia, país vizinho com 24 vítimas, tem 16.038 prisioneiros e taxa de mortalidade em 149 por 100 mil.
Desconfiança nas estatísticas
Especialistas alertam que, apesar de os dados colocarem o Brasil em quarto na lista de mais mortes nas prisões, ainda existe a possibilidade de o número ser maior por causa da subnotificação.
Até o dia 1º de maio, 0,09% dos presos brasileiros tinham passado por teste da Covid-19, segundo reportagem da Ponte. A pequena quantidade de exames fez com que o secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça, desembargador Carlos Vieira Von Adamek, oficiasse o Grupo de Monitoramento de Fiscalização Carcerária e alertasse para o risco de subnotificação.
“Esse é o grande problema, que coloca uma grande desconfiança nos dados oficiais. Não são feitos testes. Temos notícias que familiares trazem que morreram pessoas presas, mas não foi feito teste e elas foram enterradas”, explica Irmã Petra, coordenadora nacional da Pastoral Carcerária.
Segundo ela, uma prova clara é o fato de apenas 844 dos 744.216 presos do país terem sido testados para a doença. “O cárcere é um ambiente fechado, onde a sociedade quase não conseguia entrar e, agora, não tem como [entrar]. Sempre desconfiamos das falas do governo, que provaram historicamente que escondem os dados”, afirma.
A representante explica que a realidade não é exclusividade do Brasil. À Ponte, detalha que uma reunião de integrantes da Pastoral na América Latina feita na última semana teve a subnotificação como um dos principais temas sobre o coronavírus nas prisões. “E as rebeliões estão começando. Teve no Brasil, há relatos em outros países”.
Segundo a agência AFP, países como a Venezuela, onde ao menos 47 presos foram mortos em tentativa de fuga, Colômbia, com registro de 23 mortes em uma ação, Argentina, Peru e México apresentam distúrbios causados, entre outros motivos, pelo coronavírus. Houve rebeliões simultâneas em São Paulo em março e, no sábado (2/5), foi a vez de presos do Centro de Detenção Provisória Masculino de Manaus se amotinarem por falta de atendimento médico e de comida. Sete agentes penitenciários foram feitos reféns.
Advogada e pesquisadora do projeto Gênero e Droga do ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania), Cátia Kim sustenta que é preciso comparar os números do Brasil aos de países da América Latina que têm uma condição prisional mais próxima entre si.
“Nitidamente, as taxas mostram que a Covid-19 dentro dos presídios é mais letal e mais complicada. A taxa de casos no Brasil por 100 mil habitantes é de 0,29 por 100 mil nas ruas, no sistema prisional é de 31”, sustenta.
De fato, as taxas de mortos por 100 mil são equivalentes nos países da América do Sul, exceto a Bolívia. A Colômbia, com 118.513 presos e três casos tem 2,5 por 100 mil, enquanto o Equador tem taxa levemente superior, de 2,6 por 100 mil, com 1 caso para 37.996 aprisionados. Os demais países do continente monitorados pelo Depen não apresentam mortes causadas pela pandemia.
“Há subnotificação absurda dentro dos presídios. O poder público não quer admitir o que acontece dentro das prisões e denunciamos há anos. É admitir que as condições não são adequadas”, prossegue, citando a superlotação e insalubridade das cadeias.
Cátia cita rebelião em Manaus, em que os presos cobravam melhores condições de alimentação e saúde, conforme relato de parentes. “O que o Estado faz? Fala que estão fazendo porque querem sair, terceirizam a culpa. Não tem como negar [a Covid-19], mas continua a fazer a mesma coisa: colocar a culpa nos outros”.
Faltam medidas contra proliferação
Como medida de prevenção ao contágio, os estados brasileiros restringiram o acesso aos presos: proibição de visitas e suspensão da entrega presencial do “jumbo” (sacola com comida, itens de higiene e remédio), que agora só pode ser enviado pelos Correios.
Familiares denunciam que os presos seguem sem atendimento médico, o que já ocorria antes da pandemia e, segundo eles, se agravou com o coronavírus. As denúncias são pulverizadas e aparecem em vários estados, o que indica uma generalização de determinados problemas.
O médico e advogado sanitarista Daniel Dourado, pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo, o ambiente carcerário atende somente uma de três etapas básicas para evitar o contágio: quarentena sem deslocamento. No entanto, é feita de forma errada, já que várias pessoas vivem aglomeradas em uma mesma cela.
Os outros dois pontos de medidas de “intervenções farmacológicas”, no termo médico, são divididos em ações individuais e ambientais. Individualmente, as ações são o distanciamento social e medida de higiene e, para os espaços de convívio, o uso de máscara e limpeza das superfícies.
“São medidas que não dá para fazer no cárcere. Vemos [muitos lugares que] não tem a condição mínima de limpeza, um problema sério. Como o preso vai lavar a mão? Álcool em gel então… O vírus fica ali. Os ambientes precisam ser monitorados”, detalha Daniel.
Para ele, a previsão é de que uma grande quantidade de presos, “senão a totalidade”, seja infectada devido as condições dos presídios. “Do ponto de vista de saúde, a prisão é um espaço que não tem como fazer as medidas e o que se espera. A lógica é uma contaminação praticamente total até se ter imunidade. É provável que se um pegar pega todo mundo”, prevê.