Por Cristiane Sampaio.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) lança, nesta quinta-feira (20), uma campanha contrária ao retorno das aulas presenciais nas escolas, iniciativa que vem ganhando adeptos no país em diferentes estados. Intitulado “Volta às aulas na pandemia é crime”, a articulação da entidade chama a atenção para os riscos de infecção por coronavírus entre a comunidade escolar. O Brasil acumula atualmente cerca de 3,4 milhões de casos da doença e mais de 110 mil mortes, sendo o país com o segundo maior número de ocorrências no mundo.
Paulo Henrique, do Fórum Nacional de Educação do Campo (Fonec), ressalta que o objetivo da campanha é resguardar estudantes, professores e outros trabalhadores das escolas diante da pandemia. Ele ressalta que, em alguns territórios, os alunos e trabalhadores do segmento precisam se deslocar do campo para a cidade diariamente, o que traria um alto risco de alastramento da doença nas comunidades, com o retorno dessa população para casa. De acordo com o Fonec, há mais de 2 mil unidades educacionais que abrigam estudantes do campo em todo o país.
“Essas escolas estão em áreas de assentamento, em acampamentos e tem as turmas de EJA [Educação de Jovens e Adultos], que estão espalhadas por todo o país. Aqui em Pernambuco, por exemplo, temos mais de 250 turmas de EJA em andamento na educação do campo. Isso representa um número gigantesco de educandos, sem contar com os profissionais de educação”, destaca Paulo Henrique.
Diante das limitações impostas pelas políticas de isolamento, a campanha deverá atuar com mais força via internet, agitando as redes sociais a partir desta quinta-feira (20). O movimento pretende também difundir o debate nas áreas de assentamento e acampamento e nos espaços de interação com atores externos. O objetivo é dar mais capilaridade à discussão, ganhando novos adeptos da campanha.
Se depender da professora Jéssica Marques, o coro está garantido. Lecionando em uma escola do campo do município de Arcoverde, interior de Pernambuco, ela menciona a preocupação com o trajeto entre casa e trabalho, que depende sempre de transporte coletivo.
“Como é que a gente prepara esse ambiente pra o retorno? Porque, por exemplo, eu trabalho com um carro que transporta 12 estudantes. A gente pega todos eles e leva em torno de 30 minutos pra chegar à escola. A gente iria trabalhar como? Iria transportar de cinco em cinco ou um a um, por exemplo? Então, a gente passaria a noite inteira só carregando gente”, exclama.
Com base nesse contexto, a campanha não sugere data específica para o retorno às aulas. O movimento encampa a ideia de que a volta às atividades presenciais precisaria estar sujeita à uma drástica redução dos efeitos da pandemia, o que o país ainda não obteve.
Matriculada atualmente em uma escola no assentamento Lagoa do Mineiro, em Itarema (CE), a estudante Thayane Silva, 16, considera que é preciso assumir o ônus do adiamento do calendário das escolas em detrimento da abertura para uma maior circulação do vírus nas comunidades.
“Eu sou totalmente contra a volta às aulas agora, principalmente pelo fato de a gente não ter uma vacina pronta, tendo a certeza de que ela vai ser eficaz. Tudo que a gente planeja pra vida vai ter uma quebra, mas é melhor que eu tenha mais um ano de vida do que eu voltar pra escola e acabar não tendo [isso]”, argumenta.
Parceiros do MST também se juntam à campanha e pedem o adiamento do calendário. É o caso da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), que conta hoje os 4.276 casos de covid-19 entre os seus círculos, com 152 óbitos. Atualmente, 1.209 quilombolas infectados pelo vírus ainda estão em acompanhamento permanente.
A líder quilombola Givânia Silva, da entidade, acredita que não haverá condições de se manter o distanciamento necessário em meio à aglomeração natural dos espaços de convivência escolar. Ela também aponta que muitas escolas onde há estudantes provenientes das comunidades rurais não teriam as condições estruturais necessárias à garantia dos protocolos de segurança contra a covid-19.
“O que vai acontecer é o que já está ocorrendo em alguns lugares daqui e do mundo: vão voltar a alastrar radicalmente ainda mais a pandemia entre as pessoas, e ainda num contexto de ausência de políticas de saúde para as comunidades quilombolas. Vão fragilizar ainda mais os já fragilizados. É uma forma de extermínio desses grupos, por isso entendemos que a campanha é fundamental”, afirma.
Edição: Rodrigo Durão Coelho.