Em audiência, povo Tupinambá de Olivença denuncia Funai por desvio de função constitucional

A denúncia foi realizada por lideranças indígenas durante sessão solene na Câmara de Vereadores de Ilhéus a respeito do Abril Indígena

Sessão solene na Câmara de Vereadores de Ilhéus a respeito do Abril Indígena. Foto: Câmara de Vereadores de Ilhéus (BA)

Por Assessoria de Comunicação do Cimi, com informações do Regional Leste.

O povo Tupinambá de Olivença e entidades indigenistas do sul da Bahia denunciaram a Fundação Nacional do Índio (Funai) e seu presidente, o delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier, por desvio da função constitucional do órgão indigenista de defesa dos direitos dos povos indígenas.

A denúncia ocorreu durante sessão da Câmara de Vereadores de Ilhéus, no último dia 29 de abril. Os Tupinambá chamam a atenção às ações do órgão indigenista ao negar acompanhamento de ações jurídicas contra despejos. Para os indígenas, a atual gestão descaracteriza todo o trabalho realizado pela Funai, ao longo de doze anos, para o reconhecimento e regularização da Terra Indígena (TI) Tupinambá de Olivença.

Várias lideranças participaram da sessão e criticaram a postura e ações do governo de Jair Bolsonaro, seus ataques aos direitos dos povos indígenas e o que chamaram de “necropolítica”. Cacique Babau Tupinambá denunciou a atuação da Funai no atual governo.

“É uma autarquia federal que deveria fazer a defesa e proteção dos povos originários do país. Sua missão não é violar. No momento que o presidente da Funai coloca em um documento que não faz a defesa da terra Tupinambá, ele comete crime: terra demarcada e homologada não precisa de defesa e, sim, de proteção”, alertou Babau.

“No momento que o presidente da Funai coloca em um documento que não faz a defesa da terra Tupinambá, ele comete crime”

Várias lideranças participaram da sessão e criticaram a postura e ações do governo de Jair Bolsonaro, seus ataques aos direitos dos povos indígenas. Foto: Câmara de Vereadores de Ilhéus (BA)

Em documentos oficiais, o presidente da Funai diz que a TI Tupinambá de Olivença é um “pretenso território indígena”. Marcelo Xavier baseou a decisão na Procuradoria Federal Especializada, que atua junto ao órgão indigenista, e em despacho comunicou o abandono de interesse da União na defesa do povo Tupinambá em ação judicial de reintegração de posse de seu território tradicional.

Para o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Leste, Xavier alinha-se às políticas adotadas pelo governo Bolsonaro, que elegeu os povos indígenas, ainda em campanha política, como inimigos. Além de demonstrar, segue a entidade, total desconhecimento sobre o processo de demarcação do território Tupinambá.

Em 20 de abril de 2009, o Relatório de Identificação e Delimitação da TI Tupinambá de Olivença foi publicado pela Funai no dia Diário Oficial da União com 47.376 hectares. Sete anos depois, em 14 de setembro de 2016, um Mandado de Segurança, que impedia a continuidade do procedimento de demarcação, foi julgado no Supremo Tribunal de Justiça (STF). Por unanimidade, os ministros não deram procedência ao mandado.

“Xavier alinha-se às políticas adotadas pelo governo Bolsonaro, que elegeu os povos indígenas, ainda em campanha política, como inimigos”

A sessão na Câmara de Vereadores de Ilhéus teve um caráter especial: homenagear e trazer as lutas dos povos indígenas no “Abril Indígena”. Foto: Câmara de Vereadores de Ilhéus (BA)

Com a decisão do STF, não há mais nenhum impedimento jurídico para a assinatura da Portaria Declaratória que demarca a TI Tupinambá de Olivença. Antes de Bolsonaro, a Terra Indígena teve o procedimento demarcatório atrasado pelo ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, durante o segundo mandato de Dilma Rousseff. Na ocasião, Cardozo propôs uma diminuição significativa da Terra Indígena para que ela pudesse ser homologada.

Durante o governo de Michel Temer, o Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU), publicado como parte das trocas de favores de Temer com a bancada ruralista para o impeachment de Rousseff, instaurou a tese do marco temporal em todas as instâncias do Poder Executivo.

“Por várias vezes o processo de demarcação do território Tupinambá de Olivença foi devolvido à Funai para ser adequado ao Parecer 001, ou se enquadrar na tese do marco temporal, mas não foi possível, todas as tentativas foram frustradas devido a consistência e robustez da documentação e legalidade do território Tupinambá de Olivença”, lembrou Babau.

O Parecer 001/2017 foi derrubado no ano passado pelo STF até o fim da pandemia ou até que ocorra o julgamento do Recurso Extraordinário com repercussão geral envolvendo a Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ, do povo Xokleng.

“Várias vezes o processo de demarcação foi devolvido à Funai, mas todas as tentativas foram frustradas devido a consistência e robustez da documentação e legalidade do território Tupinambá de Olivença”

Manifestação Pataxó e Tupinambá em Brasília. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Manifestação Pataxó e Tupinambá em Brasília. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Frente em Defesa dos Povos Indígenas

A sessão na Câmara de Vereadores de Ilhéus teve um caráter especial: homenagear e trazer as lutas dos povos indígenas no “Abril Indígena”. A sessão especial foi convocada pelo vereador Cláudio Magalhães Tupinambá. Na abertura da sessão, o presidente da Câmara, Jerbson Moraes, destacou a importância da representação indígena na composição do Poder Legislativo de Ilhéus.

Durante a sessão foi instituída a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Tradicionais Indígenas e de Matriz Africana, que busca ser um espaço de diálogo, debates, proposições e deliberações sobre as questões indígenas que tramitam na casa. A Frente é composta por vereadores que integram a bancada de minorias na Câmara de Vereadores de Ilhéus e será coordenada pelo vereador Cláudio Magalhães Tupinambá.

“A Frente é composta por vereadores que integram a bancada de minorias na Câmara e será coordenada pelo vereador Tupinambá”

Vereador Cláudio Magalhães Tupinambá. Foto: Câmara de Vereadores de Ilhéus (BA)

Haroldo Heleno, coordenador do Cimi Regional Leste, falou durante a sessão a partir de uma retrospectiva histórica da luta dos povos indígenas em defesa de seus direitos, com destaque para a demarcação do TI Tupinambá de Olivença.

O missionário afirmou que “não há mais impedimento, jurídico ou administrativo, a não ser político, para a efetivação da assinatura da carta declaratória e a continuidade do processo de demarcação da Terra Indígena Tupinambá”.

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