Por Roberto Liebgott, Cimi Sul – Equipe Porto Alegre.
Há, nos contextos internacional e brasileiro, alguns grandes eixos de análise das realidades que causam esperança, preocupação e medo.
Sopra, na América Latina, o frescor de ventos libertários. Existem movimentos, talvez ainda não orgânica ou densamente estabelecidos, que projetam – nas causas sociais, políticas, culturais, ambientais e econômicas – luzes que rompem as sombras da violência institucional.
No Chile, a população impôs a necessidade de reformas políticas e constitucionais, não sem muita luta e depois de longos e dramáticos atos de rua, puxados por jovens, mulheres, indígenas e integrantes de movimentos ou partidos progressistas, contra governanças de extrema direita e neoliberais.
Há, ainda, sinais de cansaço ao extremismo na Bolívia, Peru e Equador. Parece existir a possibilidade de se recuperar alguns princípios basilares de democracia, no entanto, sem romper com o sistema de dominação capitalista, concentrador de renda, terras, consumo e dos meios de produção.
Na Europa, retomam-se perspectivas belicosas nas relações entre as nações. Os conflitos étnicos e econômicos entre Rússia e Ucrânia traz, para o cenário internacional, um ambiente pré-guerra.
Disputa-se, na geopolítica, o poder de controlar as fontes de energia, fontes de água, os minérios, os medicamentos e as tecnologias. De um lado, Rússia e China, de outro, os Estados Unidos, somando-se a ele alguns países da Europa como Alemanha, França e Inglaterra, que se engalfinham na diplomacia e provocam no mundo o temor de um conflito armado.
Até que ponto uma guerra dessas proporções, agora, serviria aos propósitos, ou seria útil para os que manejam o sistema capitalista de exploração? Essa pergunta é difícil de responder, mas a tensão gera nas pessoas graves inseguranças, medo e angustias vinculadas a um passado recente e que sequer foram superadas.
A Covid-19, com suas variantes, torna-se um elo de ligação na humanidade. Esse vírus parece querer dizer aos humanos que mudem de perspectivas no trato com a terra e a natureza. Parece querer ensinar a se viver de outro modo, valorizando e respeitando uns aos outros, as culturas, os costumes de cada povo, de cada grupo, das comunidades e famílias.
A Covid-19 nos provoca a sermos solidários, mas, pelo que se nota nas relações entre pessoas e governantes, não se está aprendendo.
Tristemente assistimos, nesta pandemia, que as vítimas continuam sendo os pobres, aqueles sem acesso ao sistema de saúde, a água limpa, ao emprego e a liberdade.
O racismo, a intolerância, a LGBTfobia e a xenofobia são estruturantes no Brasil e no mundo, e expressam as concepções de sociedades escravocratas, que desprezam, reprimem, exploram, criminalizam e excluem.
No Brasil, a cada 23 minutos mata-se uma pessoa negra. São homens, mulheres, jovens e crianças que vivem nas margens, em comunidades sem saneamento básico, sem habitação, sem lazer e que sofrem as mais variadas formas de abuso. Os noticiários estampam, a cada dia, um assassinato brutal e covarde como o do jovem congolês Moïse Mugenyi Kabagambe.
O culto às armas e a disseminação, principalmente por parte do atual presidente da República, da violência e do atire primeiro e pergunte depois, fez mais uma vítima. Um pai de família, Durval Teófilo Filho de 38 anos, chegando em casa, foi assassinado com três tiros por um sargento da Marinha. Motivo: cor da pele. Que a morte de Durval não vire mais uma estatistica e que a luta contra o racismo seja pauta e compromisso permanente.
Soma-se às tantas inseguranças a crise climática, que se acelera em função da ação predatória e devastadora do ser humano, explorando desenfreadamente a terra e todos seus bens naturais. As pessoas sentem hoje em seus lares e corpos a revolta da natureza. Pois lá onde haviam chuvas, agora há seca; onde havia frio há o calor intenso; onde haviam florestas, há pasto; onde haviam rios cristalinos, há lodo e dejetos de minérios; onde haviam jardins, há pedregulhos; onde haviam morros e montanhas, há deslizamentos.
No Brasil – além dos ambientes de extremismos, violências e marginalização dos pobres, de pandemia e da devastação das terras e de seus filhos – iniciaram-se as pré-campanhas eleitorais. Montam-se os cenários das alianças partidárias. Nelas, percebemos explicitamente que as disputas se darão entre os mesmos de sempre, que fazem os acordos e conchavos para manterem-se no domínio da política e da economia. De novo, como em outros momentos históricos, a população será mera expectadora do circo eleitoral. Não há, ao menos pelo que se desenha, novidades que tragam esperanças de transformações estruturais. Deve ocorrer a saída de um governo extremista e totalitário, mas as soluções não serão perenes, porque os de cima da pirâmide social ainda ditam os rumos dos governos.
No que tange às expectativas de luta dos povos indígenas e demais comunidades originárias e tradicionais percebe-se, neste período, fortes resistências em meio a pandemia, em meio a fome, a dor, aos incêndios, às devastações e crimes violentos contra os corpos e as vidas. Ocorrem, entre os povos e comunidades tradicionais, efetivamente, muitas resistências, mas ainda um tanto quanto individualizadas, isoladas umas das outras. Há de se fortalecer os movimentos de proteção aos direitos das coletividades, assegurando respeito às culturas, às políticas públicas e à terra.
Precisamos ter, neste momento de crises sanitárias, ambientais e inseguranças jurídicas, alguns cuidados e zelarmos pela Constituição Federal. No que se refere aos povos indígenas, é necessário manterem-se articulados em torno das demandas legislativas que visam o esvaziamento dos direitos indigenas, especialmente à demarcação e usufruto das terras. Há, ainda, que acompanhar o processo judicial de repercussão geral que se encontra pautado para julgamento no Supremo Tribunal Federal, porque ele definirá o futuro e a existência dos povos. Ou seja, o resultado deste julgamento dirá se os indígenas viverão com a terra ou morrerão pela falta dela.
Outro aspecto, nos ambientes de lutas e resistências, é a importância da coesão dos movimentos indígenas em torno dessas pautas – proposições legislativas e repercussão geral – e, ainda mais, é preciso articular forças sociais, populares, culturais e jurídicas para amplificar a defesa dos direitos originários contra o latifúndio, as mineradoras, os garimpeiros e o agronegócio.
E, num mesmo grau de importância, há de se optar entre as pautas coletivas dos povos e àquelas que são meramente vaidades pessoais, ou vinculadas aos interesses individuais políticos ou econômicos no âmbito das organizações e movimentos, especialmente da parte daqueles que têm as responsabilidades de coordenar e articular as ações em âmbito nacional.
Os desafios nestes contextos são largos, em que alguns, para superá-los, dependem diretamente de cada um e cada uma, outros exigirão união e coesão de nossas forças políticas e das resistências coletivas. Há, todavia, aqueles desafios globais e bastante complexos, que se encontram nas esferas da geopolítica e, sobre estes, é preciso que a população se organize e reaja pelo bem da vida em casa, nas comunidades, nas aldeias, nos quilombos, nos territórios, nos bairros, nas cidades, no país e no planeta.
Roberto Antônio Liebgott é Missionário do Conselho Indigenista Missionário/CIMI. Formado em Filosofia e Direito.
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