Às vezes, dar nome para alguma coisa ajuda a iluminar a questão. O termo “stealthing” – onde alguém secretamente remove a camisinha que está usando durante o sexo – não é muito usado, mas você provavelmente conhece alguém que já passou por isso: um estudo australiano descobriu que 18% das mulheres e 4% dos homens já foram vítimas disso, com apenas 1% dessa amostra tendo dado queixa na polícia.
Enquanto não é tecnicamente ilegal na maioria do mundo, essa é uma forma de agressão sexual – o perpetrador está obrigando a vítima a fazer algo que ela não consentiu – e tribunais já condenaram “stealthers” na Suíça, Alemanha e Reino Unido, enquanto o fundador do Wikileaks Julian Assange foi acusado de cometer o crime na Suécia (o caso foi arquivado no final de 2019).
As consequências do stealthing podem ser físicas – como DSTs ou gravidez indesejada – mas também psicológicas, com muitas pessoas relatando vergonha e culpa. Falei com seis vítimas de stealthing – com algumas dizendo que dar um nome ao ato as ajudou a reconhecer o que aconteceu.
Alerta de gatilho: este texto contém descrições explícitas de ataque sexual.
Avaar*, 26 anos, trabalha com mídia, Amsterdã
Quando tinha 20, fiz sexo com um cara que conhecia da minha cidade natal. Não éramos amigos, mas frequentávamos nos mesmos círculos. O convidei pra minha casa e começamos a nos beijar. Depois de um tempo, surgiu a questão de quem ia ficar por cima. Eu só tinha uma camisinha em casa, então ofereci a ele. Ele sugeriu fazer sexo sem, mas eu disse não. Quando começamos a transar, ele parava toda hora para “arrumar a camisinha”. Perguntei algumas vezes se ele tinha tirado, e ele disse que não. Continuamos por um tempo e, quando me deitei, senti algo estranho nas costas. Era a camisinha.
Ele riu e disse: “Ops! Deve ter saído”. Fiquei enojado. Perguntei quanto tempo ele estava sem, e ele disse que não sabia. Perguntei se ele tinha alguma DST e ele ficou agressivo, gritando: “Você acha que sou sujo? Eu teria parado se soubesse que tenho alguma coisa. Estou ofendido que você esteja duvidando de mim”. Honestamente, eu não sabia o que dizer, e só pedi pra ele ir embora. Ele me disse pra esquecer e prometeu ficar com a camisinha da próxima vez. O ignorei. Quando estava saindo, ele me chamou de “drama queen”. Fiquei com nojo. Entrei no chuveiro e me limpei obsessivamente por horas. Depois disso, marquei uma consulta pra fazer um exame de DST.
No dia seguinte, contei a história pra uma amiga na hora do almoço. Ela não ficou tão chocada quanto eu, e disse que eu estava sendo dramático. Acabei me convencendo de que não era um problema e nunca contei pra mais ninguém. Acho que na comunidade gay, tem essa expectativa de que você deve tomar cuidado, mas também uma filosofia de “Se você é gay, pare de reclamar e faça sexo de qualquer jeito”.
Mona*, 28 anos, diretora, Nova York
Ele era inglês, muito educado. Chegamos na casa dele e ele me ofereceu uma xícara de chá, que serviu numa chaleira com biscoitos.
Ele não conseguia ficar de pau duro. Insisti pra ele usar camisinha. Por mais educado que ele fosse, eu sabia que ele transava por aí, e não queria ter que procurar um médico. Estávamos embaixo dos lençóis e ele rolou pra cima de mim – o problema dele tinha magicamente se resolvido – então, depois de um minuto, fiquei preocupada e perguntei se ele estava usando a camisinha.
Ele sorriu todo inocente e disse: “Não é melhor assim?”. E a resposta é sim, também não gosto de camisinha. Mas a resposta também foi: “Já ouviu falar de gonorreia? Herpes? HPV? Chato? Não ouviu falar da crise de AIDS? Você sabe de onde vêm os bebês? Ninguém te ensinou respeito? Sei que você tem educação, mas onde você deixou ela quando enfiou seu pau desembalado no meio das minhas pernas? Você deixou o respeito na chaleira?”.
Foi a primeira vez que ouvi o termo “stealthing”, e não gosto dele. Acho que não captura a seriedade do ato. Parece um truque de mágica, não a violação desprezível e oportunista que é. Talvez seja melhor chamar a coisa pelo que realmente é: agressão sexual.
Elisabeth, 46 anos, freelance, Viena
Conheci um cara da Alemanha num show. Deixei claro que não estava usando anticoncepcional e que só usava camisinha. Ele disse que não era problema, que proteção era importante. Acabamos na cama no nosso primeiro encontro e ele trouxe exatamente a mesma marca de camisinha que eu. Coloquei uma nele e transamos. Depois, quando estava indo pro banheiro, disse pra ele me dar a camisinha usada. Ele apontou pros pés da cama e disse que tirou “porque não estava gostoso”. Pulei da cama e senti a porra dele escorrendo pela minha perna.
Eu sabia que estava ovulando. Entre uma raiva cega e horror, gritei com ele. Ele virou pro lado e se recusou a falar.
Claro, fiquei grávida. Na época, eu era mãe solteira de dois filhos e não podia cuidar de um terceiro. Ele não quis acreditar em mim – ele disse que nunca tinha engravidado alguém antes e como ele ia saber da minha vida. Eu não tinha dinheiro para pagar o aborto, que custa €450 [R$ 2.100]. Dei uma desculpa, emprestei dinheiro do meu pai e fiz o procedimento.
Mandei uma cópia da conta pro trabalho do cara, um screenshot de uma mensagem que ele me mandou dizendo que usar camisinha era importante, além do número da minha conta no banco. Avisei pra ele que da próxima vez eu podia esquecer de escrever “correspondência pessoal” no envelope. Ele transferiu metade do dinheiro do aborto. Claro, eu preferia que ele tivesse me mandado tudo, mas pelo menos retomei algum controle da minha vida.
Nina*, 32 anos, publicitária, Londres
Depois da festa de Natal da firma, acabei com meu chefe na minha casa. Ele é casado, mas disse que tinha um relacionamento “aberto”. Se é verdade, eu não sei.
Dei uma camisinha pra ele e disse que não estava tomando pílula. A transa acabou bem rápido, e ficamos deitados na cama por um tempo. Quando levantei para ir ao banheiro, vi a camisinha no chão. Confusa, perguntei se ele tinha gozado. Ele respondeu: “Ah, a camisinha saiu. Gozei dentro, mas não se preocupe, sou limpo”.
Comecei a surtar, gritando com ele, tentando explicar por que isso era errado. Conferi meu aplicativo de menstruação, e as coisas pioraram quando percebi que estava ovulando. Com toda razão, entrei em pânico.
Indiferente, ele me disse pra tomar uma pílula do dia seguinte – algo que eu não fazia há dez anos. Ele não parecia dar a mínima para a repercussão de suas ações nas nossas vidas. Ele foi pra casa, eu fui pra cama. Quando acordei, fui inundada por ressentimento e arrependimento.
Sei que não é ideal transar com seu chefe casado. Mas o que é ainda mais complicado e me dá ansiedade é ter que passar por ele no trabalho, sabendo que como aquela noite terminou não foi consensual.
Mirko, 27 anos, assistente social, Viena
Fui pra um encontro com esse cara de trinta e poucos anos que conheci no Grindr. Bebemos muito e não notei quando ele tirou a camisinha durante o sexo – mas senti quando ele gozou dentro de mim. Fiquei furioso, ele tentou me acalmar. Chutei ele da minha casa de cueca e joguei as coisas dele pela janela.
No dia seguinte, entendi o que tinha acontecido e mandei mensagem pra ele. Ele me bloqueou, o que foi muito escroto. Na época, eu não sabia nada sobre PrEP, um medicamente de profilaxia para HIV [que pode ser tomado preventivamente]. As seis semanas que tive que esperar para fazer o exame foram as piores, mas no final deu negativo.
Lisa, 30 anos, estudante de medicina, Melbourne
Transei com um amigo de um amigo. Ele parecia legal. Depois, notei a falta da camisinha quando antes ela estava lá. Era de se pensar que nossa proximidade social iria me proteger dessa agressão. Eu era nova, e lembro de rir de nervoso quando ele admitiu o que tinha feito, dizendo algo como “Ops. Sou um menino mau”.
Eu estava tomando pílula. Mas ele não sabia disso. Levei anos – e precisei amadurecer – para a mensagem do stealthing cair: “Não dou a mínima se você ficar grávida ou doente. Meu prazer momentâneo é mais importante que seu bem-estar”. Essa inconsequência é o que realmente dói.