Sob marquises, nas calçadas, ao lado de prédios, nas praças e escadarias, de baixo de viadutos, perto de restaurantes, nas portas das igrejas.
Corpos à deriva, andarilhos sem direção, maltratados, amedrontados. São vidas desperdiçadas, amores atrofiados, sonhos esvaziados.
Elas e eles – mais eles do que elas -, em geral jovens, multiplicam-se pelas cidades: sem teto, sem cama, sem comida, sem aparo, sem saúde, sem emprego, sem cidadania, sem liberdade.
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Estão lá, invisibilizadas/os, quem passa apressa o passo e finge não vê-las/os. Por vezes, a caridade os alcança em forma de moedas, donativos, sopa feita e servida por mãos solidárias, poucas mãos, diante da multidão de pessoas em situação de rua.
Elas e eles escondem-se durante o dia, enrolados em cobertores, pedaços de panos ou de lonas descartadas de construções. Resguardam-se dos olhares que as/os responsabilizam e das palavras que as/os desqualificam.
Adormecem, partilhando o sono pouco seguro.
À noite vagam, são viajantes das estrelas, protegem-se assim dos agressores, das investidas violentas de racistas e de intolerantes que não as/os suportam nas proximidades de suas janelas, de policiais que as/os consideram signos de desordem.
Elas e eles estão lá fora, sem paz e sem aconchego, relegadas/os à exclusão, numa metrópole barulhenta, sem recursos, sem saída, sem caminho, sem perspectivas.
Essa dor deve dilacerar nossa alma, pois não existe paz e não é possível celebrar a vida em uma sociedade que produz pessoas consideradas residuais, que aceita a condição desumanizadora de viver nas ruas, que não se comove e não se move diante da dor de tantos seres humanos.
Porto Alegre, 10 de fevereiro de 2023.
Roberto Liebgott é membro da Coordenação Coletiva do Cimi Sul – Equipe Porto Alegre.