Educação infantil em Chapecó: professores questionam prefeito

    "Esses discursos são equívocos ou um projeto em andamento? Queremos entender", afirma, pedagoga, Patrícia Tomas.

    Foto: Junior Lago

    Redação, Desacato.info. 

    Na última semana, o prefeito de Chapecó, João Rodrigues, realizou afirmações quanto a estrutura organizacional da educação infantil que instigou questionamentos aos profissionais da área.  Principalmente, porque se refere à vidas de seres em processos iniciais de aprendizagem e seres especializados para realizar este trabalho de forma coerente.

    Em recente entrevista em rádio chapecoense, ele afirmou: “na creche (ou centro de educação infantil) não precisamos de um professor pós-graduado. E ainda reitera: “não precisa nem tem que ter. Você tem que ter um cuidador.” E, acrescenta que atualmente são mais de 500 professores “trabalhando como cuidadores.”

    Após perceber que professores estavam atentos às manifestações públicas, João Rodrigues se manifestou nas plataformas digitais:

    https://www.instagram.com/p/CohvVMwvJOG/

    Mesmo que o prefeito tente se ‘retratar’ o fato demonstra, segundo a pedagoga, Patrícia Tomas, falta de conhecimento sobre o trabalho que os centros de educação infantil desenvolvem, bem como o papel desenvolvido pelo profissional da área.

    Segue a entrevista completa na íntegra: 

    Como vocês, atuantes na educação infantil, interpretaram o que foi dito? O prefeito se desculpou nas redes sociais, afirmando ter se equivocado. Porém,  mesmo que tenha sido equivoco, tal atitude é inaceitável? Por quê?

    O centro de Educação Infantil é um espaço de ensino e aprendizagem que objetiva promover o desenvolvimento integral das crianças. Hoje, a educação infantil se configura como a primeira etapa da Educação Básica, seguindo a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei 9394/96) e promove a inserção social da criança através de práticas pedagógicas significativas que contemplam as especificidades pertinentes à faixa etária. Ainda que o cuidar e o educar sejam indissociáveis, porque não é possível educar sem cuidar, a visão assistencialista de “cuidador” na creche foi há algum tempo superada. Hoje, nossa Constituição reconhece a criança como sujeito de direitos.

    A educação infantil requer práticas pedagógicas que demandam conhecimento científico para produzir intervenções educativas ricas sobre as dimensões físicas e psíquicas das crianças e não é “qualquer monitor” que desenvolve. Os primeiros anos da vida de uma criança são considerados os mais marcantes para o seu desenvolvimento. A educação infantil não só merece como requer uma alta qualificação profissional. Mas essa é uma discussão superada e é por isso que está claramente demarcada na Constituição de 1988. E disso surge o segundo problema.

    Propor um projeto que visa, nas palavras do prefeito, que cuidadores atuem dentro dos centros de educação infantil, visto que “não é necessário um professor pós-graduado” é suprimir os direitos que essas crianças têm de viver seu desenvolvimento de forma íntegra e reduzir o ensino básico a um depósito de crianças. As infâncias são resultados históricos que merecem respeito.

    Se a reavaliação da qual o prefeito se refere precisa acontecer, que seja feita com base no conhecimento científico e na valorização dos direitos das crianças e da própria educação. Quando ouvimos esse tipo de afirmação nós entendemos que sim, trata-se de um grande equívoco. Se equivocar é naturalmente aceitável, todos cometemos equívocos em vários momentos de nossas vidas, o que não é aceitável é a possibilidade disso ser um projeto em andamento, visto que o discurso do prefeito se repete na fala da atual secretária da educação que, em entrevista recente, também afirma que a creche se configura como agente “cuidadora.”

    “Esses discursos são equívocos ou um projeto em andamento? Queremos entender”.

    Por que, principalmente no atual contexto, é fundamental atenção, coerência e ações coerentes no âmbito da educação pública infantil?

    Porque a educação é um território de disputa de poder sujeita à razão econômica e por ser também parte desse território, a Educação Infantil se torna um alvo de disputas. Visto que, ainda hoje, o profissional da Educação Infantil precisa provar seu valor perante ao social coletivo, é urgente a revisão de concepções e valores voltados à Educação Infantil. O recém bem como uma melhor noção do trabalho docente desenvolvido dentro dos centros de educação infantil. As esferas governamentais são frequentemente pautadas na lógica de mercado e nossa educação, não raras vezes, é afetada por isso. É necessária muita atenção quando esse tipo de discussão surge, porque existe uma forte visão de desprofissionalização do docente da Educação Infantil, e noções distorcidas não produzem melhorias; produzem erros e equívocos.

    Para ampliar a discussão, na tarde de ontem (13), professores se reuniram para dialogar sobre o assunto e afirmam estar dispostos acompanhar com atenção as intenções direcionadas a educação infantil do município.

    Em suma, o acontecimento é um sinal que alerta o quão fundamental é, acompanhar todos os movimentos do órgão municipal, tendo como princípio a participação popular em decisões políticas e revindicação de direitos, qual o sistema democrático prevê.

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