Por Elissandro Santana, para Desacato.info.
Nestes tempos pandêmicos, o que mais fiz foi refletir sobre quem sou e, principalmente, acerca de quem quero e devo ser e sobre o país que merecemos. Em meio às angústias, medo do vírus, da pobreza a que estão nos condenando e insanidade político-social na qual o Brasil se meteu, me vejo pensando sobre as causas geradoras desse nosso pesadelo que parece não ter fim.
O pesadelo não é somente o coronavírus, mesmo que ele assombre a muitos. O meu medo maior tem nomes, no plural mesmo. O meu medo é o Presidente e sua sintaxe macabra, mas os seres que me mais me apavoram andam por aí, comem, namoram, falam (isso é o que mais fazem, em especial, nas redes, esse não lugar, entre lugar ou lugar, dependendo do ponto de vista sobre espaço que se possua, para a destilação do ódio e do apoio ao que não possui defesa.), contam piadas (algumas até inocentes), bebem, vão à igreja, transam, gozam (caladinhos ou de forma escandalosa, ainda que critiquem o gozo alheio, pela hipocrisia), mitificam seres racista-homofóbico-machistas, te dão bom dia, se passam por amigos e, o mais triste e amedrontador, fazem parte do jogo democrático, pois votam a cada eleição e por isso estamos como estamos.
Leia mais: A ignorância e a falta de curiosidade ditam nosso futuro no Brasil. Por Elissandro SantanaA situação é tão feia, tão descontrolada, que entramos em 2021 e ainda não resolvemos nem a questão da vacina, o que corrobora que se aproveitar da ceifa pelo vírus virou projeto político no Brasil. Às vezes, parece que vivemos esperando mais pestes, mais ingerência, mais escândalos de corrupção e mais maldades desse governo genocida com o risinho debochado estampado sempre que aparece na televisão ou nas redes sociais. Estamos enfermos para além de uma questão de vírus. Estamos no reino da ignorância cultuada, em um terreno no qual os idiotas vencem pelo volume, pois eles são muitos.
Não sei vocês, mas à medida que acompanho o comportamento dos irmãos brasileiros ao longo da pandemia, fico mais pensativo, sem esperança, e ficar sem isso é o que mais me apavora, pois é o que de mais triste pode nos acontecer, já que a esperança é o que nos move e nos projeta para o depois, para o que está além. Esperançar é construir futuro, é viver o hoje abrindo caminhos para o amanhã. Sem esperança estamos perdidos e não me refiro à esperança dos ingênuos, daqueles que acreditam no paraíso após a passagem pela terra, mas ao sonho com ação, a partir de práticas que nos tornam melhores, que servem de motivação para os demais, que nos levam para longe. O esperançar é lutar, é aprender a discernir entre o que nos prende e o que nos liberta.
Outra questão muito triste é que estamos em um tempo que poderia ser de aprendizagem, e até acaba sendo para alguns, mas não para a maioria, grupo amostral interessante para que o aprender se transforme em uma escala geométrica de mudanças. Ao contrário, muitos, em vez de aprenderem, estão envoltos por uma nuvem gigante, o que impede a passagem do sol, essa fonte geradora de energia essencial à renovação da vida e, consequentemente, à bioquímica das ideias. Essa zona de sombra desencadeia o desaprender, fazendo com que muitos retornem à caverna platônica da qual só visualizam as projeções, as sombras dos fatos oriundos da superfície iluminada pelo sol da razão aprisionada pelos maldosos no poder.
Acorrentados, nos perdemos, nos confundimos ou deixamos que nos confundam; não enxergamos um palmo à frente, não damos passos adiante ou, quando damos, retrocedemos para um ponto anterior ao último marco de partida. No interior da caverna, frente à ignorância que nos cerceia, não entendemos nada em profundidade, só o grosso das coisas e das peças do grande tabuleiro do qual não somos jogadores e muito menos espectadores conscientes, tendo em vista que não conhecemos as decisões do jogo. Cabendo destacar que essa ignorância faz parte de um projeto do governo serviçal das elites fundamentado e alicerçado pelos aparelhos ideológicos a serviço da opressão.
Afundados na ignorância, não identificamos quais são os nossos inimigos e, muitas vezes, damos o poder a eles em bandejas. Néscios, fundamentalistas (em todos os sentidos), nós não temos memória e, sem isso, não estamos providos da capacidade de análise histórica, de comparações entre os equívocos do passado com as agonias do presente, presente este com feições e dores do passado. Diante desse quadro, nos perdemos em um gigante labirinto do qual não conseguimos sair e nem enxergar nada com lucidez. Presos nesses corredores abissais, afogamo-nos em dores, em desesperos, em desesperanças e isso é angustiante.
No terreno das angústias, perdemos a vontade de seguir e talvez isso explique certas atitudes insanas pandêmicas. Imersos em sentimentos negativos, alguns chutam o balde e se comportam como loucos, aglomerando ou negando o vírus, com isso, assinando um provável atestado de óbito, para si ou para os entes. Na loucura, não conseguem compreender as causas geradoras de tudo o que estamos vivendo e o que ainda é mais nefasto, a maioria segue cultuando os senhores da morte, os idólatras das armas e da violência, como se 242 mil mortes por causa da ingerência de um genocida não fossem o suficiente.
Dominados pela ignorância e o medo, reitere-se, não entendemos os processos, as raízes, causas geradoras de nossos males, o que é o coronavírus de fato e o perigo real que ele representa, nos perdemos totalmente e nos entregamos ao desamor, atitude que explica, ainda que em parte, o que quer dizer “viva o agora e que se dane o amanhã” nas lotações diárias dos espaços públicos e privados país afora.
Nessa panaceia estonteante, as elites seguem em seus banquetes e gozos. Sorriem de nossas desgraças. Confundem ainda mais nossas mentes, já que quase todo o aparelhamento comunicativo formador da opinião pública lhe pertence. Assim tudo segue. As elites se divertem com nossa ignorância e incapacidade de percebermos as sujeiras desse Brasil que nos estupra e nos mata há mais de 500 anos.
A essa altura do campeonato tosco no qual só há poucos vencedores, os endinheirados, donos da porra toda, já deveríamos ter entendido e repensado nossos erros no que se refere às escolhas políticas, que estas não devem ser tomadas pensando no controle dos cus e dos prazeres alheios. Deveríamos, também, ter compreendido o silêncio em relação ao golpe de 2016, mas, infelizmente, parece que o estado de torpor no qual nos meteram não nos permitirá entender nem o mínimo do que nos trouxe ao quadro medonho no qual estamos e do qual não sairemos tão facilmente.
Acordaremos do pesadelo em que estamos imersos? Tenho minhas dúvidas, tanto que, como já mencionei, dá a impressão de que serão necessárias mais desgraças para entendermos, de uma vez por todas, a visão do inferno, que é colonial, mas que se avolumou ainda mais após o golpe de 2016 e chegada de uma milícia perigosa ao poder. Só pode! Digo isso porque a situação é mais do que feia, é doentia e reveladora de mais miséria, abandono, fome, exploração e, mesmo assim, seguimos silentes, no máximo, protestando em nossos sofás teclando nas redes sociais, com medo do vírus, devido à vacina que nunca chega para todos, situação que interessa a Bolsonaro e a quase toda a cambada política. Sem vacina, o povo que ainda tem alguma consciência terá medo de ir às ruas. Enfim, por trás da ausência de vacinas ou demora na compra delas há o desejo de que fiquemos em nossos cantinhos encurralados acreditando que os monstros são invencíveis.
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Elissandro Santana é professor, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, membro do Conselho Editorial da Revista Letrando, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato.
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