Quem passa pelo CIC, o Centro Integrado de Cultura, ou pelo Terminal Rodoviário Rita Maria, em Florianópolis, pode não ter observado, mas em frente a esses prédios se encontram duas das mais importantes obras do artista plástico Paulo de Siqueira, escultor gaúcho, radicado em Santa Catarina, que nas décadas de 70 e 90 usava sucata como matéria prima para suas obras. O artista é conhecido no Estado por ter produzido o monumento “O Desbravador”, obra que se tornou cartão postal da cidade de Chapecó, mas Siqueira deixou no sul do país e na Argentina mais de 50 obras gigantescas. Na capital do estado, “O Equilibrista” e “Rita Maria” representam parte do seu legado que desafia o tempo. As obras, feitas de “ferro velho”, expostas ao ar livre, se não recebem manutenção, tendem a desmanchar.
A obra de Paulo de Siqueira e fragmentos da história de sua vida estão no documentário “Dom Quixote das Artes”, que terá sua estreia em Florianópolis dentro da programação do Cineclube Unisul, em setembro, e será exibido nos dias 21, 22 e 23, às 20h, no Cinema do CIC. A produção é da Margot Filmes, produtora de Chapecó, e viabilizada através de recursos do Edital de Fomento e Circulação das Linguagens Artísticas de Chapecó e da Lei Rouanet. Paulo de Siqueira se dizia, se imaginava e se autorretratava Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes. A marcante presença desse personagem na vida e na obra do artista provoca a abordagem e relação estabelecida na proposta do documentário “Dom Quixote das Artes”.
Era ao som de óperas e música clássica que o artista plástico Paulo de Siqueira dava vida às suas criações. Autodidata, realizou sua primeira exposição aos 16 anos, em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, onde viveu até a adolescência. Nada comum, sua obra transita entre a modéstia e a grandiosidade. A vida de Paulo de Siqueira era produzir arte, não importava o momento, o local, quando ele tinha algo para colocar para fora, ele extravasava. Era intuitivo e nunca explicava uma obra de arte. “A liberdade não é um pedaço de pão”, dizia Dom Quixote, o seu “eu literário”. Para produzir suas esculturas, explica uma das personagens do filme, a pesquisadora Maria Helena Scaglia, Paulo “usava o lixo do progresso, ele passava na rua, olhava, ele não via uma sucata, ele via um ser mitológico, e ele desfazia a dureza do ferro na leveza dos monumentos.” Os gigantes de Siqueira parecem que estão no ar, em posição de salto.
As esculturas com mais de dois metros de altura e pesando no mínimo uma tonelada estão em espaços públicos e representam o principal legado do artista, que foi reconhecido nacional e internacionalmente. Sua genialidade na construção dos monumentos chamou a atenção de outros artistas e críticos de arte. Na época, ele foi considerado uma revelação em escultura, especialmente por utilizar material de sucata, o que era polêmico nas décadas de 70 e 80. Por serem corrosivos, o ferro e o metal, expostos ao tempo, não garantem vida longa às obras, fato este que compromete boa parte das esculturas de Siqueira.
Em 1972 Siqueira passou a morar em Chapecó e de maneira muito efetiva participou do desenvolvimento cultural da cidade, sendo, inclusive, um dos fundadores do Grupo Chap, primeiro coletivo artístico de Chapecó. O artista viajava muito para produzir seus monumentos, chegava a ficar meses na elaboração de uma escultura. Algumas de suas obras, como a que está em um Centro Comercial de Porto Alegre chega a pesar 14 toneladas e está suspensa por apenas um cabo que a conecta ao teto.
Produção do filme
Os diretores do filme, Cassemiro Vitorino e Ilka Goldschmidt, contam que o processo de produção do documentário levou três anos para ser concluído, entre o período destinado à pesquisa até a finalização. As gravações ocorreram entre 2015 e 2017. Foram gravados depoimentos e obras no Brasil e na Argentina, em cidades como Corrientes, Passo Fundo, Garopaba, Florianópolis, Balneário Camboriú, Joinville, Porto Alegre, Serafina Correa, David Canabarro e Chapecó.
Amigos, artistas, escultores, pesquisadores contam histórias sobre Paulo de Siqueira, no total, 25 personagens. O documentário tem 97 minutos de duração, é um longa-metragem. A narrativa passeia entre as obras dando destaque às grandes esculturas, e percorre os principais trabalhos do artista, revelando também sua personalidade. Tem destaque no filme a trilha sonora, música clássica para suas obras, já que o artista só produzia ouvindo este tipo de música, e a trilha tema composta pelo compositor e músico Márcio Pazin.
De Passo Fundo a Corrientes, na Argentina, Paulete, como era carinhosamente chamado, era um artista intenso e sonhador. Paulo de Siqueira acreditava, acima de tudo, no poder transformador da arte e soube lutar para que sua obra pudesse estar acessível a todas as pessoas, acalentando o sonho de liberdade, que tanto prezava. Paulo costumava dizer que a escultura é o trabalho mais espontâneo dentro da arte¸ “é um desenho no espaço”.
Margot Filmes
A Margot Filmes é uma produtora de cinema independente que, desde sua fundação, em 2006, trabalha na produção de conteúdo audiovisual com forte dedicação ao cinema de não-ficção “o documentário”. A Margot também é produtora dos documentários “Celibato no Campo” (2010) – Projeto premiado no edital da Cinemateca Catarinense em 2008; “Kiki – o ritual da resistência Kaingang” (2014), que aborda o principal ritual da etnia Kaingang; “O Goio-En Transbordou” (2014) – aborda histórias de vida de antigos moradores do Porto do Goio-En; “Atingidos somos nós” (2016), uma co-produção. Atualmente trabalha na produção do filme “O salame vai à feira”, Prêmio Edital de fomento das linguagens artísticas de Chapecó e “Os círculos de Ipuaçu”, através da Lei Rouanet.
Sinopse – Dom Quixote das Artes
Paulo de Siqueira, autor de “O Desbravador”, obra que se tornou cartão postal de Chapecó, é um personagem tão forte quanto Dom Quixote de La Mancha, embora este seja uma criação de Miguel de Cervantes, e Siqueira uma invenção de si mesmo. Os dois compartilham o ato de sonhar e a busca pela liberdade. A vida de Paulo de Siqueira era produzir arte, não importava o momento, o local, quando tinha algo para colocar para fora, ele extravasava. Era intuitivo e nunca explicava uma obra de arte. Seus monumentos gigantes feitos de sucata e espalhados ao ar livre por diversas cidades ainda hoje desafiam o tempo.
Ficha técnica do filme “Dom Quixote das Artes”
Direção, roteiro e montagem: Cassemiro Vitorino e Ilka Goldschmidt
Direção de Fotografia: Cassemiro Vitorino e Ronaldo Bernardi
Câmeras: Cassemiro Vitorino, Daniel Mayer e Ronaldo Bernardi
Som direto: Antonio Luiz Pellegrini e Cleiton Fernandes
Colorista: Fabiane Bardemaker
Mixagem: Cleiton Fernandes
Trilha tema: Márcio Pazin
Página da Produtora: www.margotfilmes.com.br
Página do filme: https://www.facebook.com/search/top/?q=dom%20quixote%20das%20artes