
Por Nathali Gómez em RT.
Passaram-se dois meses desde que o presidente peruano Pedro Castillo foi destituído do cargo pelo Congresso e a ameaça que pairava sobre seu governo tomou forma, antes mesmo de assumir o cargo, em julho de 2021.
O clima de instabilidade política e ingovernabilidade que se agravou desde 2016, com a renúncia de Pedro Pablo Kuczynski, continua em seu auge sem nenhuma solução viável para a crise à vista.
A saída recente da professora rural implicou a chegada à presidência de Dina Boluarte, que desde o início não teve apoio popular, mas contou com o apoio do Legislativo, que tanto havia feito pressão para promover a vaga de Castillo.
Nas ruas de várias cidades do sul e leste do país, as mobilizações dos setores camponês e indígena têm se mantido constantes e, segundo especialistas, um movimento social sem precedentes está se formando.
Para tentar entender para onde caminha essa nova crise no país sul-americano, vale rever os seis principais pontos presentes nesse conflito.
1. O que aconteceu com Pedro Castillo?
Castillo cumpre 18 meses de prisão preventiva no presídio de Barbadillo, em Lima, onde foi privado de liberdade após ser demitido. Na semana passada, o Tribunal Superior de Instrução Instrutória declarou improcedente o questionamento anterior feito por sua defesa para tentar anular a investigação do suposto crime de rebelião, do qual era acusado.
Seus advogados sustentam que ele não sofreu impeachment nem direito de defesa no Congresso.
A professora rural também requereu ao Judiciário a anulação da resolução de vaga expedida pelo Parlamento por “incapacidade moral permanente”, recolhe a RPP.

2. Dina Boluarte, perspectiva incerta
As promessas iniciais da advogada de reunir todos os “sangues” de seu gabinete e estabelecer uma “trégua política” fracassaram ao longo do caminho.
Da mesma forma, seu compromisso de ser “a voz dos ninguéns” foi arruinado porque justamente os setores invisíveis da população são os que mais veementemente pedem sua saída.
Boluarte rapidamente se separou de seu companheiro de chapa, acusando-o de corrupção, incitando o ódio contra ele e cometendo um golpe. Por sua vez, o professor rural a chamou de “usurpadora”.

3. Para onde vão as mobilizações?
O fio condutor desta crise recente foram as mobilizações, que aumentaram de intensidade e tiveram um propósito político desde o início.
Já em dezembro, foram quatro pontos definidos pelos manifestantes: a soltura e retorno do presidente; a saída de Boluarte; a dissolução do Parlamento e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
Embora os protestos tenham começado nas cidades do sul e leste, que compõem as áreas mais pobres e excluídas do país, nas últimas semanas os manifestantes se mudaram para Lima por conta própria, sem uma liderança partidária visível.
O ex-chanceler peruano Héctor Béjar descreveu a atual mobilização como o nascimento de um poderoso movimento social e econômico, que envolve setores econômicos e está fora da esquerda, segundo J. Carlos Flores, escreveu em artigo publicado no La Patria.
4. Ação policial na mira
Esses dois meses de protestos tiveram como pano de fundo as denúncias e denúncias sobre o uso excessivo da força pelas forças de segurança do Estado.
A mídia relata a morte de pelo menos 69 pessoas no contexto dos protestos. Por seu lado, o Provedor de Justiça gere o número de 59 mortos e um total de 1.622 feridos (1.229 entre janeiro e até ao momento fevereiro deste ano e 836 entre 7 e 31 de dezembro desse mês de 2022).
Um dos eventos mais relevantes desse tipo ocorreu em Puno, onde pelo menos 17 pessoas que morreram durante as mobilizações foram atingidas por armas de fogo. Enquanto o Ministério Público abriu uma investigação preliminar por “genocídio” contra Boluarte, o governo tentou vincular a Bolívia a essas mortes.

5. Haverá próximas eleições?
Os protestos não alcançaram sua principal reivindicação: a convocação de eleições gerais antecipadas.
O Congresso, responsável por debater e aprovar uma data antecipada para as eleições, está preso em sua própria dinâmica interna, na qual cada setor se posiciona para defender seus interesses e sua cadeira, sem chegar a um acordo.
Fecha-se assim o panorama de uma pronta solução eleitoral para a crise, seja pelas urnas ou pela renúncia de Boluarte, que vem reiterando que não deixará o cargo.

Isso afunda a proposta de que as eleições ocorram em 2023 e coloca a tentativa de os peruanos irem às urnas em 2024, dois anos antes de 2026, quando corresponderia, para cima.
O Parlamento, com maioria de direita, torpedeou quatro projetos de lei que propunham uma data entre julho de 2023 e dezembro de 2024. Nesse cruzamento de interesses, o pedido dos setores afins do Peru Libre de incluir também a convocação de uma Assembleia Constituinte fez qualquer acordo será interrompido.
Uma possível resposta ao motivo dessas sucessivas rejeições foi dada pela deputada Digna Calle, do direitista Podemos Peru, que renunciou à segunda vice-presidência do Congresso e disse que seus colegas não tinham distanciamento porque privavam seus interesses econômicos, recolhe RPP.

6. Rejeições e alianças na região
Após a demissão de Castillo, embora vários governos da região tenham manifestado preocupação com o ocorrido, os do México, Colômbia e Bolívia assumiram uma posição mais frontal.
O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, afirmou que desde o início houve “uma atmosfera de confronto e hostilidade”, que serviu de adubo para que seus adversários o afastassem. Seu homólogo colombiano, Gustavo Petro, falou sobre o golpe de ultradireita na América Latina e afirmou que no país vizinho foi violado o direito de “escolher e ser eleito”, enquanto Luis Arce afirmou que “desde o início” a direita peruana tentou “derrubar um governo eleito democraticamente pelo povo”.
Lima qualificou as declarações dos três países como ingerência, em meio a um clima de tensões diplomáticas mais intensas com La Paz e com o ex-presidente Evo Morales, responsável por coordenar ações desestabilizadoras no Peru, motivo pelo qual impediram a entrada naquela nação.

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Na recente cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), Chile e Honduras foram adicionados à lista de países com os quais as diferenças diplomáticas se intensificaram. Depois dessa reunião regional, o Peru retirou seu embaixador em Tegucigalpa.
Por outro lado, sem grandes surpresas, a Organização dos Países Americanos (OEA), acusada de participar do golpe contra Morales e de promover ações desestabilizadoras contra a Venezuela, expressou seu “total apoio” a Boluarte.
Quanto ao relacionamento com os EUA, a subsecretária de Estado Wendy Sherman ratificou seu apoio ao governo do país sul-americano nos últimos dias e pediu para “continuar tomando medidas para responsabilizar os responsáveis ??por atos de violência”.
Durante uma “visita de trabalho” a Washington, a ministra das Relações Exteriores do Peru, Ana Cecilia Gervasi, disse que as investigações permitirão determinar a origem dos recursos “para financiar grupos violentos que viajam por diferentes partes do país”, com referências ao declarações de Boluarte, que tenta atribuir os protestos a supostos inimigos externos, enquanto se fortalecem as vozes que pedem mudanças nas entranhas da nação.
Versão em espanhol: Redação de Desacato.info
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