Um relatório do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa) revela que, em 1972, 25 mil opositores da ditadura eram mantidos sob vigilância do regime. No documento recém-descoberto, o chefe do Cisa, brigadeiro Newton Vassalo da Silva, sugere, por exemplo, o aumento da repressão contra partidos de esquerda, estudantes universitários e integrantes de ala progressista da Igreja Católica.
Segundo o pesquisador e jornalista Eduardo Reina, que revelou o documento, esse monitoramento massivo – por apenas uma das forças, num único ano – indica que o número de vítimas da ditadura deve ser muito superior ao revelado, até o momento.
“Esse relatório descreve uma palestra que o brigadeiro fez para o Alto Comando, no final daquele ano. Mostra, exatamente, como eles estavam vendo a oposição à ditadura no Brasil. Descreve todos os partidos que estavam monitorando e faz uma quantificação de pessoas que estavam sendo monitoradas”, disse Reina em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual desta sexta-feira (25).
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), publicado em 2014, confirmou a existência de 434 mortos e desaparecidos políticos entre 1946 e 1988. A maioria tendo ocorrido durante a ditadura (1964-85).
Reina conta que esse documento lhe foi apresentado quando estava realizando pesquisa na região do Araguaia (Pará/Tocantins) sobre bebês e crianças que foram sequestradas pelos militares. Essa história é contada no livro Cativeiro sem fim: As histórias dos bebês, crianças e adolescentes sequestrados pela ditadura militar no Brasil (Editora Alameda, 304 páginas), lançado em 2019.
Ontem e hoje
No relatório do general Vassalo, as universidades eram classificadas como “celeiro de problemas” para os militares. Quase cinco décadas depois, esse espírito repressor sobrevive, segundo Reina. Da mesma forma, ele cita o relatório produzido pelo ministério da Justiça contra opositores antifascitas. São mais de 500 nomes, entre professores universitários e funcionários públicos estaduais, que foram monitorados pelo governo Bolsonaro.
“Esse modus operandi é bastante semelhante porque as pessoas que estão no comando da presidência da República hoje, em Brasília, atuavam naquela época. Eram as pessoas que, no período da ditadura, operacionalizavam a repressão.” Os “subversivos” de ontem são os chamados “comunistas” atualmente, que carregam a mesma pecha. A diferença, segundo ele, é que a tortura física foi substituída pela pressão psicológica.
Segundo o pesquisador, a descoberta desse documento revela a necessidade de dar continuidade ao trabalho desenvolvido pela CNV. Em primeiro lugar, é importante dar voz aos grupos que foram “invisibilizados” pela história oficial.
“Essa narrativa, construída no início do golpe, já criou um inconsciente coletivo no brasileiro, que acha que a ditadura não foi tão forte, tão cruel. Que as pessoas que foram presas, torturadas, mortas ou desaparecidas estavam pagando por um crime contra a pátria. No entanto, isso não é verdade. Por isso é importante recuperar essa história e mostra-la com outro olhar.”