Desmatamento cresce 32% nas Terras Indígenas da Amazônia brasileira, aponta ISA

Uma estimativa produzida pelo Programa Monitoramento de Áreas Protegidas do ISA com base nos dados preliminares, divulgados há duas semanas pelo governo, aponta que o desmatamento nas Terras Indígenas (TIs) da Amazônia brasileira cresceu 32%, entre agosto de 2016 e julho de 2017 (veja galeria completa de infográficos ao final da reportagem).

A situação é mais crítica no centro e sudoeste do Pará, onde estão as três áreas mais desmatadas no período. A TI Cachoeira Seca acumulou 1.625 hectares de florestas destruídas; a TI Ituna-Itatá, 1.349 hectares; e a TI Kayapó, 891 hectares (veja infográficos). Juntas, elas responderam por 38% de todo o desmatamento nesse tipo de área protegida na Amazônia.

A TI Cachoeira Seca é campeã da devastação há anos. São recorrentes as denúncias de roubo de madeira e ocupação ilegal, estimulada por políticos e fazendeiros (leia mais). No início de outubro, a Polícia Federal deflagrou uma operação contra a extração ilegal de madeira na área. Foram executados mandados em três Estados e avaliado um dano de quase R$ 900 milhões (saiba mais).

Muro contra o desmatamento

Em termos absolutos, o desmate nas TIs amazônicas segue muito pequeno, confirmando que elas são muros de contenção à destruição da floresta. Até 2016, o desmatamento acumulado nessas áreas correspondia a apenas 1,6% do desmatamento total de toda a Amazônia brasileira (veja infográficos).

A má notícia do aumento da devastação nas TIs, no entanto, tende a reforçar a percepção de que, sem políticas de proteção adequadas, o escudo formado por elas e demais áreas protegidas pode começar a ruir sobre a pressão da criminalidade ambiental. A impressão fica ainda mais forte porque a explosão do desmatamento em algumas TIs ocorre no momento em que a taxa total de destruição da floresta amazônica caiu 16%, passando de 7.892 km2, em 2015-2016, para 6.624 km2, em 2016-2017 – apesar da queda relativa, o patamar é ainda extremamente elevado em termos absolutos.

Ambientalistas e pesquisadores insistem que, aliados à falta de fiscalização, medidas e sinais políticos do governo Temer e do Congresso estão incentivando o avanço de grileiros, madeireiros e desmatadores ilegais sobre as TIs. Estaria em curso um verdadeiro “desmonte” das políticas ambiental e indigenista.

No Congresso, tramitam hoje pelo menos 49 projetos destinados a restringir os direitos territoriais indígenas. As propostas prevêem desde a suspensão de demarcações específicas até a modificação do arcabouço legal sobre esses direitos. O governo Temer também oficializou, em julho, um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que dificulta drasticamente os processos demarcatórios. Além disso, vêm propondo ainda reduzir Unidades de Conservação (UCs).

“Não há vontade política de resolver questões ligadas às TIs. Houve muita impunidade quanto à ocupação ilegal dessas áreas. Isso se reflete no desmatamento”, aponta Juan Doblas, assessor do ISA. Ele lembra que, há vários anos, é exigida, inclusive pela Justiça, a retirada dos ocupantes ilegais da TI Cachoeira Seca e da TI Apyterewa, outra campeã do desmatamento também no Pará, mas o governo federal não toma providências.

“Criou-se esse clima de que as áreas protegidas são vulneráveis à pressão legal para reduzir seu grau de proteção ou sua extensão”, concorda Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). “Desde 2012, com a mudança no Código Florestal, o setor rural aprendeu como ganhar essas batalhas. Eles têm uma agenda bem ampla de mudar o licenciamento e dificultar o reconhecimento de TIs”, aponta Barreto.

Ele acrescenta que, embora o desmatamento entre 2016 e 2017 tenha permanecido mais ou menos estável nas UCs, elas também estão ameaçadas. Segundo levantamento do Imazon, entre 2012 e 2015, a destruição das florestas nessas áreas saltou de 6% para 12% do total da Amazônia.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) não retornou os pedidos de entrevista até o fechamento desta reportagem.

Transamazônica e Belo Monte

As duas TIs campeãs do desmatamento – Cachoeira Seca e Ituna-Itatá – estão nas zonas de influência da rodovia Transamazônica (BR-230) e da hidrelétrica de Belo Monte, no centro do Pará. Apesar de as derrubadas nas duas regiões permanecerem em patamar pequeno em termos absolutos, elas explodiram em termos relativos, saltando 94% e 78%, respectivamente.

Os índices contrastam com o da rodovia BR-163, no sudoeste do Pará, usualmente responsável por até 20% de todo o desmatamento da Amazônia. Em 2016-2017, a taxa na região caiu 53% (veja gráfico abaixo). O principal fator que explica o número parece ser mesmo o esforço concentrado de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e da Polícia Federal (PF).

O diretor de Proteção Ambiental do órgão ambiental, Luciano de Meneses Evaristo, informa que determinou a paralisação temporária das atividades de grande parte das serrarias da região após o atentado de julho, quando oito caminhonetes da instituição, além da carreta que as transportava, foram queimadas, em represália às operações de fiscalização.

“Neutralizamos a BR-163. Significa que praticamente cortamos a atividade econômica na BR-163”, afirma. “Ganhar do desmatamento significa estrategicamente escolher onde você não vai deixar funcionar [serrarias]”, explica. Evaristo conta que, em especial no município de Novo Progresso, o Ibama também desativou garimpos, desmontou e fechou serrarias, desde outubro de 2016.

Ele culpa o governo do Pará pela alta dos desmates na Transamazônica. Segundo Evaristo, a maior parte da responsabilidade pela fiscalização nessa região seria da administração estadual.

Obrigação do Ibama

Juan Doblas concorda que houve omissão do governo estadual no combate à devastação nessa região, mas não nega que o Ibama tenha parte da responsabilidade pelo problema. Ele lembra que o órgão federal tem a obrigação legal de fiscalizar os assentamentos de reforma agrária e as áreas protegidas federais, como a TI Cachoeira Seca.

“O que houve foi uma concentração muito grande dos esforços de fiscalização na região de Novo Progresso. A região da Transamazônica ficou um pouco desprotegida”, comenta. Teria ocorrido, então, um “vazamento” do desmatamento da BR-163 para as zonas de influência da Transamazônica e de Belo Monte.

O assessor do ISA ressalta que o inchaço populacional e o aumento da circulação de dinheiro provocados pela construção de Belo Monte, além da construção e pavimentação de estradas pela Poder Público local, também estão incentivando a derrubada da floresta.

Doblas menciona que a criação de áreas protegidas e a implantação de um plano de proteção às TIs são condicionantes acordadas na licença ambiental de Belo Monte que nunca foram cumpridas pela concessionária da obra, a Norte Energia. Ele conclui que o aumento do desmatamento nas TIs Cachoeira Seca e Ituna-Itatá também tem relação com esse problema.

Em nota enviada à reportagem, a Secretaria de Meio Ambiente (Sema) do Pará lembrou que a taxa de desmatamento no Estado caiu 19% entre 2016 e 2017, passando de 2.992 km2 para 2.423 km2. A secretaria afirma que o governo estadual vem investindo em novas tecnologias de monitoramento, gestão e licenciamento ambiental, em especial com o uso imagens de satélite, e que essas medidas influenciam a queda nas taxas da derrubada da floresta.

“Com as novas ferramentas da política de meio ambiente, o Estado monitora tanto o desmatamento legal quanto o ilegal, sendo que para as práticas identificadas como ilegais empreende recursos de fiscalização. As ações e procedimentos, realizadas de forma integrada com os órgãos de segurança do Estado e dos municípios, têm resultado em diversas apreensões e no combate intensivo aos ilícitos ambientais”, diz a nota.

Conforme a secretaria, neste ano, já teriam sido embargado pelo governo estadual 55 mil hectares desmatados ilegalmente e apreendidos 22 mil metros cúbicos de madeira em tora e seis mil metros cúbicos de madeira serrada.

Apesar disso, em termos absolutos, o Pará segue como o campeão no desmatamento na Amazônia.

Fiscalização e queda no preço do boi

Luciano Evaristo insiste que a fiscalização foi a principal responsável pela queda da devastação em toda a Amazônia. Ele lista novas estratégias que teriam auxiliado no resultado do último ano: o incremento das operações em época de chuva, período no qual os criminosos passaram a atuar nos últimos anos justamente para evitar a fiscalização; o uso do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para a emissão de multas e o embargo de áreas, que vêm sendo enviados pelo correio; a destruição de equipamentos dos madeireiros ilegais flagrados em áreas protegidas. Evaristo informa que, desde o final do ano passado, já teriam sido emitidas multas no valor de R$ 853 milhões e embargados 200 mil hectares desmatados irregularmente.

Paulo Barreto concorda que a fiscalização influenciou a redução das taxas neste ano, mas também defende que a queda dos preços no mercado de commodities agropecuárias também deve ser considerada.

“Vendo pelas evidências do passado, certamente a queda de preço do gado deve ter tido alguma influência. Historicamente, há uma relação entre o preço do gado e dados do desmatamento. Diversos estudos mostram isso”, salienta.

Luciano Evaristo também assume que apenas ações de comando e controle não são suficientes para garantir a queda continuada nas taxas e que, quando o Ibama e a PF deixam uma região, o desmatamento tende a voltar.

Ele assegura que, neste ano, os cortes de gastos na área ambiental do governo federal não afetarão a fiscalização em campo porque o Ibama, desde o fim do ano passado, conta com recursos do Fundo Amazônia. “Para manter nesse nível o desmatamento, esse orçamento [atual] é suficiente. Porque vou escolher onde vou atacar e vou manter o nível. Para baixar, para voltar à casa dos 5 mil km2, precisamos de mais investimento”, afirma.

Na entrevista na qual os dados preliminares do desmatamento foram anunciados, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, também disse que não faltariam recursos para a fiscalização. Ele foi além e disse que estaríamos diante de uma “reversão de tendência” do desmatamento – entre 2013 e 2016, a taxa cresceu quase 60% .

“Acho que é excessivamente otimista. Porque tanto se você pensa que a reversão do desmatamento é devido à queda do preço das commodities, quanto você acha que a queda foi devido a operações de comando e controle, nenhuma das duas são razões ‘estruturantes’”, contrapõe Juan Doblas.

“Eu gostaria que o ministro tivesse razão. Mas a política de combate ao desmatamento não está estruturada de forma efetiva. Podemos estar segurando, de forma não estrutural, uma tendência que pode se manifestar assim que você deixe de exercer essa pressão”, conclui.

Fonte: Instituto Socioambiental

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