Desacato: 15 anos entre a corda bamba e a montanha russa. Por Raul Fitipaldi.

Por Raul Fitipaldi, para Desacato.info.

Dias atrás, num texto de consumo interno para as companheiras e companheiros da Cooperativa Comunicacional Sul, escrevi que aquilo que soube ser utopia, um dia se tornou necessidade e mais tarde obrigação. Essa é a primeira reflexão que me ocorre quando repasso os 15 anos do Portal Desacato, fundado em Florianópolis, em 25 de agosto de 2007.

O sonho de comunicar servindo aqueles que reconhecemos como nossos, por condição de classe e de resistência, não tinha como sustentar-se por muito tempo pela simples retórica. Não existe alquimia que, por mais que se repita um desejo, faça na vida real com que um projeto dessa responsabilidade se torne duradouro. De tal maneira que se a utopia era, digamos, legítima para os e as fundadoras, o horizonte seria muito limitado se o voluntarismo tomasse conta dela. A utopia, sabendo disto, reclamou a presença da continuidade para sobreviver. As duas juntas pariram a necessidade.

Essa necessidade, quando reconhecida, perguntou-se como, com quem, de que modo pode caminhar uma construção tão frágil se, além do mais, para mantê-la viva, há que fazer um “voto de pobreza”, talvez para sempre. O inquietante “como” parecia muito óbvio, trabalhando com afinco e buscando soluções. O “com quem” resultou óbvio, com a nossa classe. Não me refiro à nossa classe jornalística, atropelada e dizimada por uma avalanche de problemas anteriores a qualquer utopia. Refiro-me à nossa classe trabalhadora, organizada ou não. Com ela e com os movimentos sociais; com o campo popular.

Da existência desse “com quem” surgiu o reconhecimento definitivo. Aí é que a utopia e a necessidade enlaçaram o ingrediente capaz de erguer a ideia e projetá-la ao cotidiano, a obrigação. Sim, porque ao longo de 15 anos, montados numa permanente gangorra, quanto mais próximos do chão estivemos, mais enfrentados à obrigação ficamos. E porque assim ficando, surgimos e ressurgimos tantas vezes como foi necessário para que a utopia sobrevivesse e se vestisse, a cada passo, de horizonte de luta.

Para alguns de nós, Desacato se transformou num destino tão inevitável como difícil de decifrar: para que tanto trabalho e tantas angústias, por que tanto amor e tantas dores? Quantas companheiras e companheiros valiosos já passaram por este veículo, pelas suas redes? Quantos se adentraram e se tornaram cooperados/as; proprietários desse dislate informativo e formativo em um Estado periférico, “fora do eixo Rio-São Paulo”, como nos lembra a professora e comentarista Elenira Vilela? Quantas e quantos conseguiram resistir? Não muitos, nem muitas.

Esta ideia resistente, pertinaz, inconveniente, ousou crescer a cada percalço. Ofendeu sua própria realidade e a superou. Transita a turbulência que nos aplaude e nos asfixia no mesmo instante. Todo e qualquer governo federal, estadual ou municipal, nos tem encurralado na miséria, negando-nos, mesmo que cumpramos (e cumprimos) com todas nossas obrigações trabalhistas e fiscais, o direto de ter, sequer, um cêntimo do bolo que gostosamente só saboreiam as poucas famílias que detém os monopólios da mídia e das receitas de propaganda institucional. Nos impedem assim de evoluir tecnologicamente e criar novos postos de trabalho.

Mas, nesse pulo suicida entre a corda bamba e montanha russa, nessa ausência de chão, cresce mais e mais nosso desejo de melhorar, de ser uma casa de porta abertas para comunicadores e comunicadoras sociais, jornalistas, cinegrafistas, produtores/as culturais, artistas, operadores. E falta tudo por escrever e dizer. Como afirma nossa diretora geral, Tali Feld Gleiser, “enquanto exista injustiça existirá Desacato”. No entanto, como expressa nossa presidenta, Rosangela Bion de Assis, “não o faremos sozinhos, o faremos com vocês” e eu agregaria, “todos juntos e a tempo”, tal qual sentenciou o eterno poeta antifascista espanhol León Felipe.

Por um país mais democrático, mais justo e civilizado, há muito Desacato pela frente. Segundo a co-fundadora, Vanessa Bortucan, “ele é uma pequena ação para a transformação” e para muitos e muitas excluídas, a história do veículo nesses 15 anos, foi uma poderosa arma de defesa que deu visibilidade ao que o sistema escondeu.

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